Bem-vindos a esta edição especial do boletim do WRM que olha para a África através dos olhos dos africanos. Para muitas pessoas no mundo, a África é um continente exótico cheio de danças e canções de pessoas e pássaros.
A África é um grande continente. Sua massa de terras cobre 31 milhões de quilômetros quadrados e ocupa 20% da terra. É o segundo maior continente do mundo com uma população de aproximadamente 900 milhões de pessoas, o que significa que tem menos população que a Índia e a China.
A África é uma das áreas mais ricas em recursos naturais e diversidade cultural. A bênção do continente com recursos naturais tem sido chamada de maldição, mas um recurso somente pode virar maldição pelas atividades dos homens. Os estatísticos dizem que até 41% dos africanos vive com menos de um dólar ao dia. No entanto, nós apontamos que a qualidade de vida de uma pessoa não pode ser medida por quantos dólares dos EUA ele ou ela tem no banco. Nosso meio ambiente é nossa vida!
A África é o centro do mundo. É o lugar de nascimento do gênero humano e conserva grande parte da humanidade que se perdeu em muitas partes do mundo. A fortaleza do continente é sua biodiversidade, diversidade cultural e rico acervo de conhecimento e sabedoria. Este boletim expõe para nós as muitas e contínuas agressões à África por avarentos especuladores, corporações extrativas transnacionais e instituições financeiras internacionais. Essa diversidade deve ser defendida e protegida.
Antigamente a África estava coberta com exuberantes florestas tropicais e estava inundada de córregos de água limpa e albergava um grande número de espécies, algumas das quais ainda não estão documentadas. Anos de insensata explotação têm levado ao desmatamento massivo e têm resultado no deslocamento de povos.
Anos de colonialismo obrigaram os governos africanos à agricultura de plantação, focalizada no fornecimento de matérias-primas para a Europa e a América do Norte. A divisão internacional do trabalho requeria mão de obra qualificada na metrópole e de baixo nível nas dependências, e como o acadêmico Walter Rodney (em seu livro How Europe Underdeveloped Africa) o resume: “a evidência mais convincente da superficialidade da conversa sobre o fato de que o colonialismo ‘modernizou’ a África é o fato de que a vasta maioria dos africanos entraram no colonialismo com uma enxada e saíram com uma enxada.”
O colonialismo e as atuais relações neocoloniais garantem que as terras que tivessem sido utilizadas para a produção de alimentos para o continente fossem transformadas em plantações cujos produtos são principalmente para exportação. As terras que eram usadas para a produção de mandioca, inhame, e outros produtos básicos locais viraram plantações para a produção de chá, borracha, dendezeiros, algodão, café, açúcar, cacau e amendoim. Hoje, grandes faixas de terra estão sendo transformadas em plantações para agrocombustíveis, simplesmente para alimentar as máquinas do Norte e fortalecer a situação de dependência dos africanos. Surpreendentemente algumas de nossas terras são rotuladas como terras marginais e reservadas para cultivos como a jatrofa. A classificação de terras como marginais é apenas uma ferramenta lingüística para marginalizar e deslocar comunidades pobres em benefício de apropriadores de terras.
O fato de que a África seja rica em recursos minerais tem engendrado conflitos severos e violentos. Esses conflitos não são apenas aqueles evidentes como guerras, há muitos outros casos não denunciados que ocorrem enquanto operadores da indústria extrativa irresponsáveis rasgam o continente apropriando-se do que podem e deixam a terra marcada e as pessoas empobrecidas. Lembrem os recentes conflitos que deixaram a Libéria e Serra Leoa ajoelhadas; os conflitos que devastaram a região congolesa e a contínua situação nos campos petrolíferos do Delta do Níger da Nigéria.
Falar do delta faz lembrar da destruição dos bonitos mangues que cobrem as costas tropicais do continente, oferecendo lugares para desova de várias espécies aquáticas e protegendo a terra de destruidoras ondas e erosão costeira. Hoje, as atividades das companhias petroleiras e a criação industrial de camarões são sérias ameaças.
A mudança climática é um assunto de direitos humanos e esse fato tem sido reconhecido pelas Nações Unidas. Ninguém contesta o fato de que é injusto que as nações industrializadas continuem com suas emissões recorde de carbono enquanto sugerem que as ações adotadas nas nações menos industrializadas da África e do resto do Sul compensariam as inações delas. A justiça exige que os países do Norte adotem medidas sérias em nível local para deter as emissões de carbono na fonte, evidenciando com isso alguma seriedade na abordagem da real manifestação da crise climática que está ameaçando a sobrevivência de muitas nações e povos.
Uma das principais falhas do protocolo de Kyoto é que não culpou inequivocamente os hidrocarbonetos. Como esse era o caso, os quadros para abordar o problema foram fundamentalmente errados. A sabedoria convencional aconselha abordar as causas raízes dos problemas em vez de os sintomas se quisermos perseguir radicalmente soluções duradouras. A emissão prodigiosa de carbono não pode ser uma marca de progresso e desenvolvimento.
O protocolo de Kyoto foi estabelecido em uma ideologia de mercado e isso tem bloqueado o caminho para soluções reais e justas para a mudança climática. Até o acordo atingido em Bali (dezembro de 2007) sobre a Redução de Emissões do Desmatamento e Degradação (REDD) depende da mesma ideologia de mercado. Permite aos países do Norte financiar projetos de florestamento utilizando os fundos de carbono do Banco Mundial e reclamar créditos de carbono que oferecem licenças para continuar poluindo localmente. O programa REDD já está enviando alertas vermelhos através do Sul enquanto as comunidades se preocupam porque o controle de suas florestas e terras será assumido por comerciantes de carbono e especuladores, o que os marginaliza ainda mais e os coloca em maior risco que o caos climático por si mesmo.
A marcha destruidora das corporações transnacionais do petróleo orientais e ocidentais deve ser verificada. As pegadas dessas corporações podem ser vistas no Golfo da Guiné e estão emergindo crescentemente nas costas orientais do continente e companhias do petróleo estão envolvidas em conflitos violentos tanto no Sudão quanto no resto do mundo. As comunidades da África estão começando a exigir que se detenha qualquer desenvolvimento novo de campos petrolíferos na região porque o mundo estará melhor se o carbono for deixado no solo. Basear-se no petróleo como mina de lucros e como recurso energético do futuro é parecido com viver em uma felicidade ilusória porque é um recurso decrescente/finito e porque o futuro do petróleo cru já é história.
Oferecemos-lhes um rico prato africano que com certeza lhes fará pensar e esperamos que resolvam solidarizar-se com os valentes povos deste continente que defendem seu patrimônio. Tomem-lhe o gosto!
– Nnimmo Bassey, Environmental Rights Action, Nigeria