“Senhor Presidente, Honoráveis Delegados:
Nós, mulheres de diferentes organizações na África que representamos os agricultores, as organizações comunitárias, os movimentos dos sem- terra, as pastorais e a juventude, do oeste, sul e leste da África, nos reunimos em Nairóbi de 16 a 18 de junho de 2008 para partilharmos nossas diversas experiências sobre o acesso, controle e posse por parte das mulheres a respeito da terra e os recursos produtivos e naturais na África, sobre o grau de implementação por parte dos governos da Declaração da Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural (CIRADR) na África, e a crise alimentar atual.
É amplamente reconhecido que a melhora no acesso, controle e posse da terra e os recursos naturais e produtivos por parte das mulheres é um fator chave para a erradicação da fome e da pobreza rural. Isso foi reafirmado no contexto dos compromissos internacionais na Cúpula Mundial sobre a Alimentação em 1996 e seu Plano de Ação; nas Diretrizes Voluntárias para a Implementação do Direito à Alimentação, adotadas em forma unânime pelo Conselho da FAO; e mais recentemente no 32º Comitê de Segurança Alimentar da FAO em outubro de 2006. Contudo, não houve nenhuma ação concertada internacionalmente para abordar a questão do acesso, controle e posse por parte das mulheres a respeito da terra e os recursos produtivos e naturais na África.
“A situação geral é que, diante da competitividade cada vez maior e os conflitos pelos direitos territoriais para a mineração, desenvolvimento, exploração madeireira e outras atividades econômicas, e como resultado das tendências em direção a reformas territoriais com base no mercado, e dos desastres ambientais e de saúde, as mulheres africanas vêm perdendo rapidamente o já precário acesso às terras e aos recursos. As mulheres portadoras do HIV ou as viúvas e crianças órfãs por causa da AIDS correm o risco de perder todas suas reclamações de terras familiares e recursos naturais”, aponta Annette Mukiga da organização de mulheres ruandesas Rwanda Women’s Network”.
Nós reparamos que o mundo vive uma crise alimentar que está ligada a um aumento dos preços de 83%- uma situação nova nos últimos cinqüenta (50) anos. Durante anos, os governos africanos, aconselhados pelas instituições financeiras internacionais e os doadores, têm desmantelado o subsídio para a agricultura e têm negligenciado os pequenos agricultores, em especial as mulheres agricultoras que alimentavam seu povo.
“Os alvos e objetivos para erradicar a fome e obter a segurança alimentar não serão atingidos a menos que os governos e as organizações internacionais tomem providências específicas para acabar com a persistente discriminação contra as mulheres em questões de acesso, posse e controle sobre a terra e os recursos naturais na África. Porque as mulheres produzem mais de 80% dos alimentos nos países em desenvolvimento, mas agora fazem parte dos 60% que sofrem de fome” afirma Isabella Wandati da organização queniana Butere Focus on Women’s Development.
Nós sabemos muito bem que o fato de a Declaração da CIRADR na África ter sido implementada através da União Africana (UA), a Comissão Econômica das Nações Unidas para a África (CEPA) e o Banco Africano de Desenvolvimento (BAfD) levou à Política de Terras e ao Marco e Diretrizes para a Reforma Agrária que atualmente estão sendo desenvolvidos para: garantir direitos territoriais seguros; aumentar a produtividade; melhorar os meios de vida; aumentar o manejo dos recursos naturais e contribuir para um crescimento econômico geral.
“A melhora no acesso, controle e posse por parte das mulheres a respeito da terra e os recursos produtivos e naturais é uma questão chave para atingir esses objetivos. O processo e o conteúdo do citado Marco e Diretrizes para a África deve ser aderido inteiramente pelo comprometimento dos governos africanos na Declaração da CIRADR de 2006 e o Protocolo da União Africana sobre os Direitos das Mulheres Africanas de 2003 quanto aos direitos das mulheres à terra e aos recursos naturais para concretizar seus objetivos”, assinalou Fatou Bah da associação gambiana National Youth Association for Food Security.
Recomendações:
1. À FAO e aos governos africanos sobre a implementação da CIRADR
Implementar os compromissos existentes como parte da continuação da Declaração da CIRADR de março de 2006 em nível continental, regional e nacional através de medidas concretas:
Defender os direitos igualitários da cidadania tanto para homens quanto para mulheres com a eliminação de toda discriminação cultural, religiosa e da legislação tradicional sobre sucessão e herança inclusive de uma lei estatutária em nível nacional que exclui as mulheres africanas de uma cidadania em pé de igualdade com os homens africanos, como um primeiro passo para garantir o acesso, o controle e a posse sobre a terra e os recursos produtivos e naturais por parte das mulheres na África;
Incentivar o estabelecimento de um mecanismo de informação, monitoramento e avaliação para os estados membros, gestionado colaborativamente pela FAO, a União Africana e as comunidades econômicas regionais a respeito da implementação de um acompanhamento da CIRADR;
Financiar a reforma agrária e o desenvolvimento agrícola através do desenvolvimento de estratégias de longo prazo com a articulação de todos os ministérios correspondentes em nível nacional- da Agricultura, Territorial, do Ambiente, da Pecuária e dos Recursos Naturais.
Incentivar o estabelecimento de uma base de dados desglosados por gênero, em nível nacional, regional e continental, para medir o progresso da implementação da Declaração da CIRADR a fim de informar sobre as políticas, programas e processos para o acesso, controle e posse por parte das mulheres sobre a terra e os recursos produtivos e naturais na África.
2. À FAO e aos governos africanos para implantar as medidas a seguir na implementação da CIRADR na África através da Política de Terras e o Marco e Diretrizes para a Reforma Territorial:
Congregar uma mesa redonda continental em 2008 sobre o acesso, controle e posse por parte das mulheres a respeito da terra e os recursos naturais e produtivos na África para desenvolver indicadores e referenciais para o Marco e Diretrizes da União Africana antes de ser adotado pela Cúpula de Chefes de Estado da União Africana em 2009. Os problemas do acesso, controle e posse por parte das mulheres a respeito das terras e recursos produtivos e naturais na África são em muitos contextos nacionais complexos e delicados. É necessário que os encarregados de formular políticas, os governos e a sociedade civil (em particular as organizações de mulheres rurais agricultoras) na África se juntem para avaliarem a extensão dos desafios, partilharem os possíveis caminhos a seguir em nível sub- regional e decidirem ações coletivas;
Incorporar os direitos das mulheres ao Projeto do Marco e Diretrizes da União Africana.
O acesso, controle e posse por parte das mulheres a respeito da terra e os recursos produtivos e naturais precisa ser tratado de forma abrangente em cada um dos aspectos da questão territorial em sincronia com os compromissos governamentais sobre os direitos das mulheres incluindo a Declaração da CIRADR de 2006 e o Protocolo da União Africana sobre os Direitos da Mulher na África de 2003.
Conclusão
O acesso, controle e posse por parte das mulheres a respeito da terra e os recursos produtivos e naturais na África são questões que se cruzam com outros problemas tais como os padrões discriminatórios de herança, agricultura e insegurança alimentar, violência contra as mulheres, a apropriação e a privatização de terras indígenas e comunais e outros recursos naturais, bem como o controle diferenciado por gênero sobre os recursos econômicos e o direito a trabalhar. Essa relação entre as problemáticas salienta o fato de os governos precisarem garantir os direitos das mulheres ao acesso, controle e posse de terras e de recursos produtivos e naturais, a fim de diminuir a ameaça da discriminação, as diferentes formas de violência e o HIV / AIDS, a proibição da participação política, e outras violações de seus direitos humanos econômicos. Também é necessário garantir uma lei ambiental e territorial que responda positivamente às perspectivas de gênero para facilitar o acesso aos recursos por parte das mulheres. As medidas que acabamos de recomendar serão chave para garantir esses direitos.
Declaração das Mulheres Africanas sobre a Terra e os Recursos Produtivos e Naturais
na 25ª Conferência Regional da FAO para a África (ARC), 16 a 20 de junho de 2008, Nairobi, Quênia.
Coast Women’s Rights (COWER), Quênia; Rwanda Women’s Network(RWN), Ruanda; Plateforme Sous Regionale Des Organisations Paysannes D’Afrique Central (PROPAC), Camerões; National Youth Association for Food Security (NYAFS)/IFSN, Gâmbia; Kenya Food Security Network (KEFOSPAN), Quência; Kenya Land Alliance (KLA) Eastern African Farmers Federation(EAFF), Tanzânia; National Women’s Farmers Association (NAWFA), Gâmbia; Network of Ethiopian Women’s Associations (NEWA), Etiopia; Uganda Land Alliance (ULA), Uganda; Community Land and Development Foundation (COLANDEF), Gana; La Via Campesina, África do Sul; Network of Organisations Working on Food Sovereignty (ROSA), Moçambique; Eastern and Southern Africa Small Scale Farmers Forum (ESAFF), Zâmbia; Shelter Forum, Quênia; Food Rights Alliance-Uganda; Volunteer Efforts for Development Concerns, Uganda; ACORD International; ActionAid International.