A conexão água- floresta- clima

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Na simbiose entre água e floresta a que faz referência o artigo anterior, é preciso considerar outro elemento em jogo, o clima. O clima é um fator determinante da floresta, de sua flora e de sua fauna. É pelo clima que uma floresta é boreal ou úmida tropical, e que, portanto, sua diversidade é de um tipo ou outro. Por sua vez, as florestas têm sido cruciais para o desenvolvimento do clima mundial por sua função de capturar dióxido de carbono e liberar oxigênio.

Essa conexão água- floresta- clima chega além do local e do diretamente comprovável. Um estudo da Universidade de Oxford (1) desvenda a vinculação existente entre as precipitações e o movimento atmosférico da bacia do Congo e da bacia amazônica, citando estudos satelitais que dão conta de uma oscilação natural em todo o oceano Atlântico pela qual as enchentes da bacia amazônica tendem a coincidir com as secas da bacia do Congo e viceversa. Por sua vez, as grandes variações dos padrões de chuva da Amazônia e do Congo repercutem na hidrologia e no clima de outras regiões.

O estudo oferece dados que mostram em cifras e cenários o legado de conhecimentos antigos mas aparentemente esquecidos: que a vida é interdependente e que o que é feito em um lugar repercute indefectivelmente em outro. Por exemplo, o desmatamento da bacia do Congo- com um índice aproximado de destruição de um milhão e meio de hectares de floresta ao ano- tem provocado um descenso das precipitações na região dos Grandes Lagos nos Estados Unidos de aproximadamente 5- 15% e também atinge a Ucrânia e a Rússia (norte do Mar Negro). Por sua vez, a mudança da cobertura do solo das grandes bacias da África e Ásia tem efeitos no Monção asiático.

As atividades industriais e extrativas, entre elas a transformação de florestas em agricultura, a extração madeireira, a construção de estradas, a exploração de petróleo ou a mineração, que sustentam a economia globalizada baseada em um brutal assalto à natureza, seguem em frente. Mesmo com conseqüências.

Os delicados equilíbrios que se quebraram, como a conexão floresta- água- clima, agora colocam o planeta diante da ameaça da Mudança Climática. Ficamos sabendo que a industrialização em grande escala que engole tão vorazmente a natureza tem má digestão. A emanação excessiva dos chamados “gases de efeito estufa” (entre eles o dióxido de carbono) não está relacionada com os mecanismos naturais de emissão e sim com as referidas atividades industriais.

O aumento da temperatura no século XX provavelmente tenha sido o maior de todos os séculos nos últimos mil anos e está previsto um aumento de fenômenos extremos como precipitações fortes, mas também de clima seco estival e as decorrentes secas em algumas regiões. Conforme o IPCC, o Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre  Mudança Climática das Nações Unidas, onze dos últimos doze anos transcorridos entre 1995 e 2006 figuram entre os mais quentes do registro que existe da temperatura terrestre (a partir de 1850).

Para o século XXI as previsões do IPCC auguram um aumento tanto das concentrações de dióxido de carbono quanto da temperatura média da superfície do planeta  (2). O desmatamento é um dos processos responsáveis pelo aumento dos gases de efeito estufa- contribui com 18% conforme admitido pelo ex- economista do Banco Mundial, Nicholas Stern, em um relatório sobre o impacto da mudança climática e o aquecimento global na economia mundial- e altera o clima local, regional e mundial.

A mudança climática afetará especialmente as florestas tropicais das regiões nas que haverá uma diminuição das precipitações pluviais, bem como os manguezais submetidos a pressões de mudanças de temperatura. Por sua vez, a resiliência (capacidade de se recuperar e se adaptar) dos ecossistemas poderia ser amplamente ultrapassada neste século por uma combinação sem precedentes da mudança climática, alterações associadas a ela (por exemplo, enchentes, secas, incêndios, proliferação de insetos, acidificação dos oceanos) e outros fatores, tais como mudança do uso da terra, poluição, fragmentação dos sistemas naturais, exploração excessiva dos recursos. Isso implica, entre outras coisas, efeitos irreversíveis sobre a diversidade biológica.

Por outro lado, a mudança climática também afeta a água não apenas porque ao ter impacto nas florestas incide no ciclo da água como também pelas alterações provocadas por um aumento dos degelos e inclusive porque temperaturas maiores também podem comprometer a qualidade da água (pela proliferação de algas, por exemplo). Conforme os dados levantados pelo IPCC (3), no século XX produziu-se uma retirada generalizada das geleiras não polares. Isso tem um efeito duplo: no longo prazo, implica uma menor disponibilidade de água, e por outra parte supõe a entrada de uma grande massa de água ao mar que afeta diretametne as áreas litorâneas. Esse efeito da mudança climática gera, além disso, mais mudanças climáticas já que o alagamento de terras tanto de pradarias quanto de florestas provoca a liberação de gás metano, um dos gases de efeito estufa mais potentes que incidem no aquecimento global e portanto, na mudança climática.

Os impactos da mudança climática têm por sua vez efeitos diretos sobre a humanidade não apenas nas comunidades locais que são imediatamente atingidas pela desaparição da floresta, a escassez ou perda de cursos d’ água e as inúmeras conseqüências sobre seu sustento e saúde, como também nos centros urbanos.

No longo prazo, as torneiras que esqueceram a origem da água, os arranha- céus que perderam a memória da função das florestas, os governos que se fazem de bobos com a poluição atmosférica, também irão se ressentir.

(1) “Ecosystem services of the Congo Basin forests”, Danae S. M. Maniatis, Oxford University, 2007, http://globalcanopy.org/themedia/Ecosystem%20Services%20CB.pdf;

(2) Cambio Climático 2001: Informe de síntesis, http://www.ipcc.ch/pdf/climate-changes-2001/synthesis-spm/synthesis-spm-es.pdf;

(3) Climate Change 2007: Synthesis Report, http://www.ipcc.ch/pdf/assessment-report/ar4/syr/ar4_syr.pdf