Processo de revisão da certificação de plantações: o futuro do FSC está em jogo

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Em matéria de certificação de plantações o FSC tem chegado a uma encruzilhada, na que está em jogo nada menos que sua credibilidade. O processo de revisão da certificação de plantações já está bastante avançado e em setembro do presente ano o Grupo de Trabalho estabelecido com esses fins vai apresentar suas recomendações.

Nesse sentido, é interessante salientar que há vários aspectos preocupantes nesse processo. De um lado, desde seu começo, o FSC tem continuado certificando grandes extensões de plantações. Em 2002, quando a Assembléia decidiu iniciar o processo, havia 3,3 milhões de hectares certificados. Em 2004, quando finalmente foi implementado o processo de revisão, tinha aumentado para 4,9 milhões e hoje tem atingido 7,4 milhões de hectares. Apesar de que o WRM e outras organizações têm solicitado formalmente uma moratória à certificação de plantações até a finalização do processo de revisão (vide http://www.wrm.org.uy/actores/FSC/moratoria.html), o pedido não foi aceito.

Mais preocupante ainda é o fato de que está falando-se em eliminar totalmente o Princípio 10 (que se refere expressamente a plantações). Por muitos anos temos estado apontando as graves deficiências desse princípio -que permite certificar praticamente qualquer plantação- visando a sua melhoria substancial (vide http://www.wrm.org.uy/actores/FSC/principio10.html). Fazer de conta -como se faz atualmente- que eliminá-lo seria a solução resulta insólito. De outro lado, isso levaria a uma maior confusão de conceito, já que definitivamente o FSC passaria a considerar florestas e plantações como sinônimos.

Cabe também apontar que no atual processo de revisão não está sendo analisado um assunto muito importante: o dos interesses criados das empresas certificadoras, cujos lucros dependem mais do número de hectares certificados que da qualidade da certificação que levam a cabo (vide artigo “A podridão no caroço da maçã do FSC: interesses criados e a chamada ‘certificação independente’ ”).

Como evidência do que antecede resulta ilustrativa a reação do FSC e das empresas certificadoras em virtude da publicação de uma pesquisa do WRM sobre quatro plantações certificadas no Uruguai (vide http://www.wrm.org.uy/paises/Uruguay/libro.html). A resposta da Smartwood não apenas distorce a realidade, mas também não responde às críticas realizadas no relatório (vide http://www.wrm.org.uy/actors/FSC/fymnsa_clarifications.pdf). A outra empresa envolvida (a SGS) elabora uma resposta, que entrega ao FSC, mas não a faz pública. Com base na resposta das partes envolvidas na denúncia e sem contactar nem o WRM nem o autor do estudo, nem iniciar uma investigação interna, o Diretor do FSC Internacional, Heiko Liedeker rejeita publicamente o relatório em uma declaração - emitida em 14 de julho de 2006 - denominada “O FSC garante tranqüilidade de espírito aos consumidores” (FSC guarantees peace of mind to consumers). Como autores do relatório, podemos garantir-lhes que nenhuma dessas plantações deveria estar certificada.

Também resulta preocupante a tentativa de re-interpretar critérios existentes -que de fato não são cumpridos- como forma de adequar os critérios às plantações e não as plantações aos critérios (vide comentário sobre o critério 6.3 no artigo “Revisão de plantações do FSC: aumento de nível ou diminuição de padrões?”). De fato, se o cumprimento estrito de todos os princípios e critérios do FSC fosse uma exigência para a certificação de plantações, nenhuma monocultura de árvores em grande escala poderia receber o selo do FSC. No entanto, graças à “flexibilidade” das certificadoras, conseguem obtê-lo na maioria dos casos.

De outro lado, nem o FSC nem o Grupo de Trabalho parecem considerar seriamente a evidência documentada sobre o impacto das plantações em geral e das certificadas em particular. No entanto, é abundante a evidência que mostra o impacto acumulado das plantações, em particular sobre flora, fauna, água e sociedade, que mostra a necessidade de levar em conta o impacto conjunto de todas as plantações em uma região e não apenas de uma em particular.

Logicamente que não somos nós os que devemos dizer ao Grupo de Trabalho o que fazer. Mas sim podemos pedir-lhe que o resultado de seu trabalho sirva para assegurar o cumprimento do mandato expresso do FSC em relação a que todas as operações certificadas (sejam florestas ou plantações), sejam “socialmente benéficas, ambientalmente adequadas e economicamente viáveis”. Como muitas das plantações atualmente certificadas não cumprem com um, dois ou todos esses três elementos, corresponderia que suas recomendações incluíssem:

- a imediata revogação das certificações das plantações mais questionadas, cujos impactos sociais e ambientais tenham sido suficientemente documentados
- o início imediato de uma pesquisa independente a respeito de todas as outras plantações questionadas
- a implementação de uma moratória a novas certificações de grandes plantações até que seja estudado seriamente se esse tipo de monoculturas em grande escala pode ou não cumprir com os três elementos do mandato do FSC.

É bem conhecida a posição do WRM quanto à certificação de plantações pelo FSC e nossa oposição à expansão de monoculturas de árvores em geral. Mas o que é importante para nós no atual processo de revisão é que sejam introduzidas mudanças profundas que evitem que -sem querer- o FSC continue debilitando as lutas locais contra empresas que têm um impacto sobre o meio ambiente e os meios de vida das comunidades locais. Não estamos preocupados com as definições mas com as pessoas e seu meio ambiente.

Se deste processo não resultarem exigências bem maiores para certificar plantações, então terá sido inútil. Seria uma derrota para o próprio FSC, já que aceleraria a perda de apoio em nível das organizações sociais e ambientais que lhe asseguram sua credibilidade. No caso da Espanha onde há organizações fazendo campanha para convencer às outras a retirar-se do FSC (vide artigo infra) deveria ser considerado seriamente.

Em definitiva, o Grupo de Trabalho tem neste momento uma enorme responsabilidade. Pode optar por “mudar alguma coisa para que nada mude” ou introduzir mudanças profundas na política em vigor até agora. Da opção que escolher dependerá a futura credibilidade da organização.