Camarões: trará o novo apoio ao setor florestal benefícios para os povos locais?

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A história da rápida destruição das florestas do Camarões que tem ocorrido desde a década de 80 não sofre de falta de atenção: muitos testemunhos, análises e recomendações têm sido escritos e muitas intervenções guiadas pelos doadores para deter o desmatamento têm sido experimentadas simultaneamente. Estima-se que entre 1980 e 1998, aproximadamente 2 milhões de hectares de floresta foram derrubadas no Camarões. As operações madeireiras industriais, às vezes de companhias estrangeiras cujos troncos sem processar deixam o porto de Douala com destino aos mercados europeus, foram provavelmente a fonte primária desse desmatamento, atuando em sinergia com a invasão concomitante dos assentamentos humanos e o corte com fins agrícolas. Os muitos programas e reformas procuradas na década de 90 pelo Banco Mundial e o governo camaronês (A Lei Florestal de 1991, a Lei Florestal de 1994, a Nova Política Florestal de 1995 e a Lei de 1996) para um manejo sustentável e transparente das incrivelmente ricas florestas do Camarões não conseguiram atingir seus objetivos, e conforme alguns relatos, contribuíram para promover ainda mais desmatamento.

Como o Banco Mundial e outras agências se preparam agora para fornecer novo apoio ao setor florestal no Camarões, uma revisão do que tem acontecido na última década tanto às florestas quanto aos povos dependentes das florestas no Camarões é garantida. A necessidade de salientar o papel dos povos dependentes das florestas na tomada de decisões no setor florestal do Camarões é especialmente importante. Como foi corretamente apontado em um relatório do Banco Mundial: “...um determinante fundamental da pobreza é a desigualdade na distribuição do poder de decisão social.” E portanto, as seguintes perguntas devem ser respondidas: Foi atingida maior participação local na governança florestal pela Lei Florestal Comunitária de 1994? Promoverá o novo Programa do Setor Florestal e Ambiental (PSFE) a igualdade e a maior participação na governança florestal pelo povo local?

Em 1991 o Banco Mundial deslocou seus meios de apoio ao setor florestal, comprometendo apoio para os empréstimos de ajuste estrutural, através do acrescentamento de condições aos empréstimos (em vez de fornecer empréstimos diretos ao setor, como tinha feito antes). Essas condições eram mudanças específicas de políticas que o Banco insistia que deviam ser feitas no setor florestal. Apesar de que muitas dessas políticas pareciam boas no papel, a tradução para a fase de implementação esteve repleta de dificuldades. De acordo com o próprio Departamento de Avaliação de Operações do Banco Mundial, o Banco Mundial não conseguiu atingir as reformas desejadas porque, entre outras razões, o Banco não criou uma estratégia que fosse viável de implementar, em virtude das realidades particulares sociais, políticas e econômicas do Camarões. Também se apontou que como o Banco não se envolveu em um enfoque participador genuíno ao desenhar as políticas, esquecendo-se de procurar as opiniões das comunidades locais, as leis resultantes não eram eqüitativas.

De acordo com a tendência de descentralização no manejo florestal vista no mundo inteiro nos últimos anos, Camarões, por ordem do Banco Mundial, promulgou uma Lei da Atividade Florestal Comunitária em 1994. As razões do Banco Mundial para acreditar que a Atividade Florestal Comunitária resultaria em um manejo florestal mais sustentável no Camarões não eram diversas das razões lógicas para promover descentralização em outros casos:

(1) os povos locais têm um interesse mais a longo prazo nos recursos naturais que os forasteiros, portanto o manejo local será mais sustentável que o controlado pelos órgãos regionais ou nacionais (que, no caso do Camarões, geralmente resulta em controle pelas companhias madeireiras estrangeiras);
(2) os órgãos representativos locais são mais responsáveis perante os povos locais que os órgãos regionais ou nacionais, portanto haverá menos oportunidades de corrupção para guiar as decisões de manejo florestal; e
(3) em virtude da falta crônica de suficientes recursos dos órgãos de manejo de recursos naturais no mundo inteiro (especialmente em países em desenvolvimento), o manejo local é mais viável administrativamente e financeiramente, e portanto, é mais provável que seja efetivo no cumprimento dos objetivos do órgão.

No entanto, desde que a Lei da Atividade Florestal Comunitária foi promulgada em 1994, essas “vantagens” do manejo local não têm virado realidade. Muitos dos comitês de manejo locais têm sido açambarcados por elites dos povoados (atores externos socialmente poderosos cuja linhagem pode ser traçada até o povoado mas que às vezes residem em outra parte). Essas elites têm percebido as Florestas Comunitárias como una oportunidade para obter lucros financeiros pessoais e muito pouco dos benefícios financeiros da exploração madeireira dessas florestas tem chegado aos povos locais. Até a data não existe evidência de que esse tipo de Florestamento Comunitário guiado pelo Banco/governo tenha resultado em um manejo mais sustentável que um manejo centralizado de “comando e controle” pelo Ministério do Ambiente e Florestas (MINEF).

Parece que o Banco Mundial está agora retornando à prática dos empréstimos diretos ao setor florestal: em 16 de junho de 2005, um experto florestal do Banco Mundial anunciou no Camarões que o Banco assistirá esse país para implementar seu programa de manejo florestal com uma contribuição de USD 30 milhões ao orçamento total do projeto delineado pelo governo camaronês de USD 115 milhões. Os governos do Canadá, da Alemanha e da Grã-Bretanha também esperam contribuir com fundos para o programa. O novo Programa do Setor Florestal & Ambiental a ser apoiado pelos doadores estará composto por cinco áreas:

1) regulamentação e manejo da informação ambiental
2) manejo das florestas de produção
3) manejo de áreas protegidas e de fauna e flora silvestres
4) manejo comunitário de recursos florestais
5) fortalecimento institucional, capacitação e pesquisa

Como o componente de manejo comunitário de recursos naturais, como foi esboçado nos documentos do Banco Mundial, incluirá uma “revisão do quadro legal e institucional” bem como estudos socioeconômicos e apoio para a implementação de Florestas Comunitárias, vale a pena salientar algumas das recomendações principais feitas por analistas camaroneses. Essas reformas recomendadas à leis e práticas de implementação poderiam ser melhor descritas como exigências de verdadeira descentralização democrática a acontecer nas Florestas Comunitárias do Camarões.

(1) Remover os obstáculos administrativos que atualmente enfrentam as comunidades que desejam estabelecer Florestas Comunitárias, através da descentralização do processo de requerimento às repartições Provinciais do MINEF.

Entre abril de 1998 e novembro de 2001, o MINEF recebeu 136 solicitações para Florestas Comunitárias. Para 2004, apenas 30 Planos de Manejo Simples tinham sido aprovados. O fato de que as comunidades devem viajar à capital nacional, pagar taxas custosas e contratar um consultor para criar o Plano de Manejo Simples para preencher um requerimento para uma Floresta Comunitária é percebido por algumas pessoas, como causa do manejo não sustentável. Em alguns casos, as comunidades acabam tendo que pedir empréstimos às companhias madeireiras para financiar esses custos iniciais e depois se tornam obrigadas a deixar que essas companhias cortem suas florestas

(2) Remover os obstáculos técnicos que atualmente enfrentam essas comunidades, simplificando, ainda mais, os componentes requeridos do “Plano de Manejo Simples”

As complexidades técnicas que apresentam os requerimentos atuais do Plano de Manejo Simples para as comunidades, exacerbam as condições descritas supra, fazendo com que as comunidades dependam de atores externos, não apenas pelos custos iniciais, mas também para todas as fases de implementação. Nesses cenários, os atores externos às vezem exercem mais propriedade sobre os projetos de Florestamento Comunitário que as populações locais, socavando desse jeito a tomada de decisões democráticas e o próprio conceito de “manejo local”

(3) Fazer com que os comitês de manejo florestal locais sejam mais responsáveis de forma descendente perante as populações locais, exigindo que as autoridades tradicionais e morais, como chefes e sacerdotes sejam incluídos nos comitês de manejo.

Os comitês de manejo formados pelo MINEF, até agora têm ignorado as autoridades tradicionais presentes nesses povoados. Sabe-se que o MINEF pelo contrário, tem facilitado a inclusão de elites externas do povoado que às vezes não são respeitadas pelas populações locais ou não se responsabilizam perante elas. Isso tem resultado em alguns exemplos de indivíduos corruptos que açambarcam os comitês de manejo e utilizam as Florestas Comunitárias em seu próprio benefício financeiro: especificamente levando a cabo projetos rápidos de corte rente e depois desviando os lucros.

(4) Facilitar o estabelecimento de Florestas Comunitárias pelos povos Baka, Kola e Aka (‘pigmeus’) considerando suas realidades sociais e culturais e ajustando as exigências de requerimento de acordo com elas.

As Florestas Comunitárias podem atualmente ser estabelecidas apenas no Domínio Florestal Não-Permanente do Camarões, no entanto, a maioria dos grupos “pigmeus” residem no Domínio Florestal Permanente. Também há incerteza a respeito de que forma as leis definem “comunidade”, “povoado” e “tribos” e de que forma as realidades dos estilos de vida “pigmeus” incluindo o estilo de vida tradicional nômade e o atual assentamento perto dos povoados Banto, coincidem com essas definições. Há aproximadamente 30.000 “pigmeus” residentes no Camarões, mas eles têm pouco poder de decisão. O Resumo da Avaliação do Impacto Ambiental e Social do Banco Mundial aponta corretamente que “Sem passos especiais, os Baka, Kola e Aka não poderão beneficiar-se com o PSFE que é nacional em alcance e em princípio e por intenção aberto a todas as pessoas.”

Por Kathleen Lawlor, Friends of the Earth, E-mail: klawlor@duke.edu