O Santuário da Natureza Carlos Anwandter no Rio Cruces, é o Sítio que o Chile incorporou em 1981 como zona úmida de Importância Internacional ao aderir à Convenção Ramsar, Convenção relativa às Zonas Úmidas de Importância Internacional, especialmente como Hábitat de Aves Aquáticas. Alberga grande diversidade de espécies de flora e fauna, especialmente de cisnes-de-pescoço-preto (Cygnus melancoryphus), uma ave migratória ameaçada. O Santuário e seus cisnes fazem parte da identidade e imagem dos povoadores da cidade próxima de Valdivia, estreitamente ligados à paisagem fluvial.
Em finais do mês de outubro acendeu-se o alarme público com a aparição de dezenas de cisnes-de-pescoço-preto mortos ou desnutridos, cegos e com alterações neurológicas evidentes que não lhes permitiam voar. Identificou-se que a razão do acontecido é que as algas elódeas (Egeria densa), com as que se alimentam os cisnes, aparentemente estão sendo afetadas por poluentes. Esse desastre também afeta as taguás (ave da região), os ratões-do-banhado (roedores vegetarianos) e diferentes tipos de peixes que também foram achados mortos.
Apesar de que ainda não foi dada uma resposta concludente sobre as causas deste desastre, o único evento relevante ocorrido sobre o Rio Cruces no último ano e que pudesse explicar essa drástica mudança do ecossistema, é a entrada em funcionamento da Fábrica de Celulose Valdivia da companhia Celulosa Arauco (CELCO). Em fevereiro de 2004, essa fábrica de celulose começou a funcionar 15 Km rio acima da zona úmida protegida.
Localizada na comuna San José de la Mariquina, província de Valdivia, e com um investimento inicial de mil milhões de dólares, essa fábrica, com uma produção anual de 850.000 toneladas de celulose kraft, foi apresentada ao país como uma empresa modelo. Era a primeira em ser submetida a um Sistema de avaliação do impacto ambiental (Seia), estabelecido na Lei 19.300 sobre bases gerais do meio ambiente e uma das poucas no mundo com um sistema de tratamento terciário para a evacuação de fluidos, conforme seus executivos. A resolução ambiental que a aprovou, assegurava que as emissões de enxofre total reduzido (TRS) –o característico “cheiro de ovo podre” das fábricas de celulose- não seriam detectadas pelo olfato humano. Quando muito, estimava-se um alcance de 500 metros.
Apesar disso, desde 1996, diferentes organizações ecologistas e cidadãs se opuseram à instalação da CELCO. Advertiram fundadamente sobre os impactos que esse projeto poderia ter e especialmente as conseqüências dos vertidos de resíduos líquidos industriais (Riles). Não foram escutadas pelas autoridades políticas, seduzidas pela possibilidade de inaugurar uma grande companhia.
Hoje, a menos de um ano de sua colocação em funcionamento, os impactos negativos no meio ambiente têm turvado qualquer benefício que pudesse ter trazido à economia regional. O que começou nos primeiros meses deste ano com denúncias e protestações da comunidade de Valdivia, afetada pelos cheiros nojentos levados pelo vento (vide Boletim 83 do WRM), continuou em agosto com uma emergência ambiental na Oitava Região, depois do derramamento de sulfato de terebintina que afetou, entre outros, os povoadores de Lota, localizada a 30 km da fábrica, onde as aulas foram suspendidas porque os alunos sentiram forte enjôo, dores de cabeça e vômitos. Depois da colocação em funcionamento da fábrica, em outros povoados próximos como Lanco, Máfil e San José de la Mariquina, as pessoas começaram a realizar consultas médicas por dores de cabeça, náuseas e irritação nos olhos.
As fortes emanações de cheiros ultrapassam de longe os 50 quilômetros, e chegam inclusive à cidade Valdivia. A CELCO já tem sido sancionada pelo Serviço de Saúde de Valdivia, pela Prefeitura de San José de la Mariquina e pela CONAMA (Comissão Nacional do Meio Ambiente) da Décima Região.
As autoridades ambientais detectaram graves irregularidades na construção e operação da fábrica e nas emissões de resíduos líquidos e gasosos que demonstram descumprimentos nos volumes estabelecidos no Estudo de Impacto Ambiental aprovado pelas autoridades chilenas. Foi identificado, entre outras coisas, um ducto clandestino e vertidos diretos no Rio Cruces de rebalsamentos da piscina de emergências de riles sem tratar e de 50 litros por segundo de águas de refrigeração a altas temperaturas, através do coletor de águas de chuva.
Além de tudo isso está a mortandade de cisnes-de-pescoço-preto. Perturbados pelo desastre ecológico que afeta as zonas úmidas do Rio Cruces e decepcionados pela lentidão com a que têm atuado as autoridades perante esse evento, os povoadores da região organizaram em 14 de novembro uma passeata e uma original caravana fluvial na que participaram mais de 1.500 pessoas e em 16 de novembro uma assembléia de cidadãos à que assistiram outra 500 pessoas. A reclamação foi unânime: aplicando o princípio preventivo consagrado na legislação ambiental, deter o funcionamento da Fábrica de Celulose para eliminar os vertidos poluentes que supostamente estão causando a perda do patrimônio ecológico no Rio Cruces, enquanto não seja descartada sua eventual responsabilidade pelas mortes no Santuário.
A morte massiva de cisnes e os impactos sobre o ecossistema do Santuário da Natureza eram evitáveis.
Artigo baseado em informação obtida de: “Desastre Ecológico en el Río Cruces: Crónica de una Muerte Anunciada”, distribuido pela RedManglar Internacional, e-mail: redmanglar@redmanglar.org , http://www.redmanglar.org/redmanglar.php?cat=GestionAmbiental13#cisnes ;
“Celulosa Arauco no quiere someter ducto a evaluación de impacto ambiental”, Carlos González Isla; “¡Vida a los cisnes!”, Angara Kuns P., material enviado por Lucio Cuenca, e-mail: l.cuenca@olca.cl , Observatorio Latinoamericano de Conflictos Ambientales, http://www.olca.cl