A Revolução Verde: desde lavouras para a alimentação a lavouras para a dominação

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Em 1944, a Fundação Rockefeller financiou a introdução de uma série de tecnologias na produção agrícola do México. A partir disso foi criado um modelo de produção agrícola denominado "Revolução Verde", que tem como categoria central o conceito de "variedades de alto rendimento", desenvolvidas no molde de monoculturas apoiadas por um pacote tecnológico que inclui a automatização, a rega, a fertilização química e o uso de venenos para o combate de pragas.

No decorrer das décadas de 1960 e 1970, a FAO expandiu essas tecnologias no mundo todo proclamando que a ciência da Revolução Verde constituia uma receita "milagrosa" para a prosperidade, para resolver a fome do mundo e para conseguir a paz.

A aplicação desse modelo teve (e continua tendo) uma enorme incidência no aumento das taxas de desmatamento já que áreas florestais são subsistuídas por monoculturas industrias em grande escala. Além disso, a Revolução Verde não resolveu, antes aumentou o problema da fome no mundo, contribuindo à perda de meios de vida das comunidades rurais e a sua expulsão para as áreas urbanas. A grande maioria dos atuais bairros marginais das cidades do Sul são o resultado direto da aplicação desse modelo.

Os exemplos abundam. A região do Punjab, na Índia, foi em seu momento publicitada como o caso modelo da Revolução Verde. No entanto, vinte anos depois, os resultados foram outros. Ao invés de ser uma terra de prosperidade, o Punjab teve seus solos erosionados e as culturas infectadas por pragas e os seus agricultores ficaram endividados e descontentes. Em vez de paz, o Punjab herdou conflitos e violência.

A introdução das sementes “milagrosas” foi baseada em uma medida do rendimento que ignora o contexto que circunda os sistemas de cultura. A relação simbiótica entre solo, água, animais de granja e plantas, própria da agricultura indígena e tradicional, na Revolução Verde se transforma na interação dos insumos: as sementes híbridas (e nos dias de hoje crescentemente transgênicas), a rega e os agroquímicos (fertilizantes, praguicidas, herbicidas). Na avaliação dos rendimentos não são levadas em conta as interações entre esse “pacote” e os sistemas do solo e da água, quer dizer, seus nocivos impactos ambientais.

Na realidade, o rasgo característico das sementes da Revolução Verde é que têm uma muito boa resposta a certos insumos externos como fertilizantes e rega, mas no caso de estes faltarem, seu rendimento será pior que as variedades tradicionais. Por outra parte, a estratégia de aumentar a produção de um único componente agrícola se faz à custa de diminuir outros componentes e aumentar os insumos externos. Portanto, o “alto rendimento” pode não existir se for considerado em nível do sistema. Nesse sentido, a medida do rendimento está restrita ao aspecto comercial das culturas e sacrifica os outros usos da planta. Assim, o aumento da produção comercial das culturas foi atingido em troca de diminuir biomassa para os animais e o solo e de diminuir a productividade do ecossistema devido ao uso excessivo dos recursos.

A Revolução Verde criou o contexto para o ingresso do setor comercial na agricultura, ao estabelecer a dependência de sementes híbridas –a base de um mercado particular de sementes- de reduzida diversidade genética. Séculos de inovação camponesa foram abandonados. Com a Revolução Verde, o capitalismo ocidental atingiu o mais íntimo da produção agrícola, e a diversidade tradicional foi substituída por uma agricultura em grande escala de culturas comerciais, voltada para a exportação e sustentada em um sistema de grandes bancos que a financiam, empresas de sementes e de agroquímicos, intermediários e organismos multilaterais que propiciaram o modelo.

Não só fica prejudicada a biodiversidade local -- calcula-se que nos últimos 100 anos houve uma perda de 75% da diversidade genética agrícola-- como também as práticas agrícolas de auto-suficiência. Por sua vez, os pequenos e médios agricultores ficam cativos do endividamento para comprar insumos externos, bem como de mercados sobre os que não têm controle nenhum.

No mundo "globalizado", a agricultura perdeu sua essência de produzir alimentos e se transformou em uma fábrica mais de mercancias para o jogo dos mercados, cujas molas estão em mãos dos grandes capitais e com os quais dominam o mundo. Contudo, no mundo dos humanos, a agricultura continua sendo outra coisa. No sentir dos indígenas zapotecos de Oaxaca no México: "Quando o milho é semeado, são quatro grãos por vez porque um é para os animais silvestres, outro é para os que gostam do alheio, outro para os dias de festa e outro mais para o consumo familiar. Os critérios de rendimento, eficiência e produtividade ocidentais estão afastados da cultura zapoteca. O milho não é um negócio, é o alimento que permite a sobrevivência, que nos sustenta e nos deixa felizes, por isso antes de plantá-lo damos uma bênção para pedirmos uma boa colheita para todos".

Artigo baseado em informação obtida de: “The violence of the Green Revolution”, Vandana Shiva, 1991; “Intellectual Property Rights: Ultimate control of agricultural R&D in Asia”, GRAIN, http://www.grain.org/briefings/?id=35 ; “El día en que muera el sol”, Silvia Ribeiro, Biodiversidad, sustento y culturas, Nº 3º, julho de 2004.