Brasil: a Rede Alerta Contra o Deserto Verde exige mudança de modelo florestal

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Cem organizações do Espirito Santo, Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais reuniram-se nos dias 28 e 29 de junho, em Porto Seguro, Bahia, no II Encontro Nacional da Rede Alerta Contra o Deserto Verde. As organizações elaboraram uma carta a ser enviada ao Presidente Lula, a congressistas e ao Banco Mundial, exigindo uma maior atenção ao problema descrito a seguir:

"Nós, representantes de comunidades quilombolas, Tupinikins, Pataxós, Guaranis, pescadores e campesinas e dezenas de entidades presentes ao II Encontro Nacional da Rede Alerta Contra o Deserto Verde, movimento que luta contra a expansão da monocultura do eucalipto para produção de celulose e carvão vegetal no Espirito Santo, Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais, vimos denunciar as profundas violações dos direitos econômicos, culturais e socioambientais provocadas por este complexo agroindustrial exportador.

Ao longo das últimas quatro décadas, este complexo tem destruído o modo de vida de comunidades locais. As empresas do setor continuam invadindo suas terras, causando o êxodo rural e a conseqüente dispersão de muitas comunidades. Os rios nessas regiões foram degradados pela contaminação por uso intensivo de agrotóxicos e por um processo de secamento relacionado ao plantio em larga escala, ambos comprometendo a pesca e a qualidade e quantidade da água potável. A empresa Aracruz Celulose desviou o Rio Doce para garantir o consumo abusivo de 248 mil metros cúbicos diários, inclusive gratuitos, das suas três fábricas de celulose.

As empresas, com seu discurso desenvolvimentista, têm estimulado uma migração enorme de trabalhadores em busca da promessa de emprego. Hoje, o que resta são milhares de ex-trabalhadores, muitos mutilados pelo trabalho danoso, que foram demitidos como resultado de um processo violento e nefasto de automatização e terceirização. A perda da dignidade dessas pessoas é explícita quando constatada a existência de um alto índice de prostituição infantil nos bairros onde os ex-trabalhadores abandonados residem. E as pessoas que resistem, no meio da monocultura de eucalipto, estão perdendo sua identidade e sua riqueza cultural e sofrendo literalmente um processo de isolamento profundo. Quem resiste contra este projeto desumano está sujeito a tentativas de cooptação e até ameaças de morte.

Lamentavelmente, o Estado tem sido cúmplice das práticas dessas empresas. Há quatro décadas que fornece altos empréstimos através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e que concede licenças ilegais para plantios - não respeitando áreas de preservação permanente - e fábricas, uma construída em cima de uma antiga aldeia indígena. Além disso, as empresas exportadoras são devedoras no INSS e são beneficiadas pela Lei Kandir, causando situações dramáticas como no Espirito Santo, onde o governo estadual deve mais de R$ 100 milhões de créditos de ICMS à empresa Aracruz Celulose. Ao mesmo tempo, o Estado não tem apresentado nenhuma alternativa à população local; ao contrário, mostra-se cada vez mais conivente com os interesses empresariais em detrimento da sua responsabilidade social e, nesse vazio, as empresas assumem alguns papéis do Estado, desenvolvendo uma relação perversa de dependência e desestruturação da organização social das comunidades locais.

As entidades abaixo relacionadas entendem que as conseqüências de todos esses problemas estão ligadas ao modelo atual de desenvolvimento financiado pelo governo federal e por organismos internacionais que têm como objetivo, exclusivamente, o retorno econômico dos financiamentos em detrimento do modo de vida das populações acima relacionadas.

As tentativas para reverter os danos das estratégias empresariais perversas, introduzindo, por exemplo, o selo verde do FSC (Conselho de Manejo Florestal) para o manejo sustentável de monoculturas de árvores, têm se mostrado incapazes de reverter os impactos negativos já citados, e mais ainda, insuficientes em redirecionar a lógica desse modelo agroindustrial. Lembramos inclusive um relatório elaborado recentemente por uma equipe de pesquisadores da Rede Alerta Contra o Deserto Verde que mostra a flagrante insustentabilidade das plantações de eucalipto das empresas Plantar e V&M Florestal em Minas Gerais, certificadas pelo FSC.

A Rede se pronuncia também contra o uso de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo - MDLs - para plantações extensivas dessas mesmas empresas mineiras, entendendo que esses mecanismos continuam favorecendo países do Norte que não terão que reduzir suas emissões de poluentes que contribuem para o aquecimento global, e ao aumentar as áreas de plantações, os MDLs vêm agravando o empobrecimento das populações do Sul.

Afirmamos que existem contradições entre os investimentos nesse complexo agroindustrial e o programa Fome Zero do Governo Federal. De um lado, volumosos investimentos, como no caso da fábrica projetada da Veracel Celulose na Bahia, continuam privilegiando uma monocultura que na sua grande maioria é destinada à produção para exportação aos países ricos, gerando pouquíssimos empregos, legitimando o latifúndio, impedindo a reforma agrária e aumentando mais ainda o êxodo rural e o desespero de milhares de famílias que ficarão sem terra e sem sustento. De outro lado, o governo apresenta um Programa Fome Zero que busca estimular a produção de alimentos, enquanto as melhores terras agricultáveis continuam sendo ocupadas por plantações de árvores. As metas da política macroeconômica não podem ser obtidas com o sacrifício das condições de vida, saúde, trabalho e modos de vida dos trabalhadores e das comunidades que necessitam de água, terra, pescado e caça para não serem obrigados a engrossar o contingente de desempregados nas cidades.

Não é suficiente buscar saídas temporárias dentro do modelo atual de desenvolvimento. É preciso mudar drasticamente os rumos desse modelo que gira em torno da acumulação financeira e do consumo ilimitado, e construir uma outra lógica de desenvolvimento onde o ser humano - homem e mulher -, na sua totalidade, seja questão central e que altere a forma de utilização dos recursos naturais do planeta. Conscientes da insustentabilidade do presente modelo, os movimentos e comunidades que integram a Rede Alerta Contra o Deserto Verde discutem e desenvolvem experiências novas no campo da produção, valorizando a biodiversidade e os conhecimentos locais, construindo assim uma outra relação com o ambiente.

Em função de tão dramático e insustentável quadro socioambiental acima descrito, envolvendo milhares e milhares de pessoas diretamente, nós, comunidades e entidades abaixo relacionadas, entendemos que é inaceitável a proposta do setor de ampliar suas plantações de 5 milhões de hectares para 11 milhões de hectares nos próximos 10 anos. E que a paralisação da expansão da monocultura de árvores de rápido crescimento no Brasil na elaboração do novo PPA e da política industrial do governo é uma necessidade de caráter extremo e urgentíssimo. Porto Seguro, 29 de junho de 2003 [seguem assinaturas]".

Por: Rede Alerta Contra o Deserto Verde, correio eletrônico: winnie.fase@terra.com.br