Uruguai: desumanas condições de trabalho em empresa florestal chilena

Imagem
WRM default image

O plano florestal promovido pelo governo - baseado no plantio de grandes monoculturas florestais de eucalipto e pinheiro - prometia fartos benefícios para o país, entre eles, a geração de postos de trabalho. Ele não só não atingiu esse objetivo, mas, também, foi constatado que o escasso emprego gerado é basicamente temporário e em condições de trabalho, em geral, aquém do desejável. Os fatos ocorridos no início do presente mês são um claro exemplo daquilo que há tempos organizações ambientalistas vêm denunciando. A grande diferença é que, desta vez, a denúncia foi feita por um funcionário do governo.

Com base nessa denúncia, a Repartição Nacional de Alfândegas vistoriou uma empresa florestal no departamento de Rivera (nordeste do Uruguai, na fronteira com o Brasil). A empresa florestal em questão resultou ser a Forestal Cono Sur S.A., dona de cerca de 26 mil hectares plantados com pinheiro no Uruguai. Não obstante, 99% das ações pertencem à Forestal Cholguán, que, por sua vez, é subsidiária da gigante chilena Arauco, a qual, no seu país de origem, possui 906.033 hectares de plantações, e contra a qual o povo Mapuche está travando uma luta feroz, por ter ela se apossado de seus territórios.

A denúncia dizia respeito à existência de maquinário florestal presumivelmente em infração alfandegária, isto é, maquinário que tinha entrado no país sem ter pago os impostos correspondentes. Tamanha foi a surpresa do diretor nacional de Alfândegas, Víctor Lissidini, ao chegar ao estabelecimento. Além de prender maquinário no valor aproximado de US$ 300 mil, ele deu de cara com quarenta colchonetes jogados no chão e, após ter percorrido rapidamente o local, pôde constatar que ali trabalhavam cinqüenta cidadãos brasileiros indocumentados, os quais, além disso, viviam em condições infra-humanas.

Os trabalhadores tinham sido contratados por uma empresa brasileira que, por sua vez, foi contratada pela companhia chilena para fazer o plantio. O diretor de Alfândegas disse que o relatório da receptora de Rivera detalha que os trabalhadores dormiam no chão, comiam restos de comida, vestiam farrapos e, em vários casos, apresentavam feridas que não tinham recebido atendimento médico adequado. "Praticamente, viviam em regime de escravidão", afirmou.

Segundo matérias veiculadas na imprensa, pessoas da área afirmam que é comum que grandes empresas, principalmente dedicadas ao florestamento, contratem brasileiros para trabalhar "no black" (incumprindo as normas trabalhistas vigentes) e que eles sejam mantidos em condições deploráveis.

Essas condições de trabalho se dão entre empresas donas de plantações, as quais realizam a maior parte das operações (do plantio à colheita) quase exclusivamente através da contratação de empresas de serviços florestais. Com freqüência, essas empresas são de natureza informal, muito difícil de serem fiscalizadas, sendo que uma das formas de concorrência mais estendida é a sonegação de impostos e o incumprimento da legislação trabalhista. As empresas de serviços florestais vêm ganhando visibilidade e são um elemento-chave para a "eficácia" em matéria de custos.

Visto que, apesar de fortemente subsidiada, a atividade florestal não deixa significativa margem de lucro (o valor de mercado da madeira roliça que o país exporta é muito baixo), para conseguir rentabilidade, as empresas florestais fixam preços muito baixos na hora da terceirização. As empresas tercerizadas - que, obviamente, também desejam obter o seu lucro - acabam transferindo esses preços baixos para o último elo da corrente: o trabalhador.

Embora seja verdade que existem algumas empresas florestais que fiscalizam a qualidade das empresas contratadas, trata-se mais de uma exceção do que da regra, e, em geral, são empresas com uma imagem para cuidar e cultivar, ou que possuem vantagens comparativas no mercado internacional.

Quem é responsável por isso? Sem dúvida, o maior quinhão de responsabilidade cabe às empresas que, visando lucro, não hesitam em submeter os trabalhadores a condições de trabalho desumanas. Mas, em última instância, é o Estado quem deve definir e exigir o cumprimento das regras do jogo. No entanto, a realidade revela que o Estado, até agora, tem sido cúmplice na violação da legislação trabalhista.

O ex-presidente uruguaio Luis Alberto Lacalle (um dos grandes promotores do florestamento) já promovia essa atividade, ressaltando quão barata era a mão-de-obra neste país. Ao assumir o governo, o atual presidente, Jorge Batlle, viajou a Santiago do Chile e teve um encontro com empresários florestais transandinos. Nesse encontro, ele exortou os investidores chilenos a investirem em plantações no Uruguai. Evidentemente, essa foi uma das raras ocasiões em que o presidente (de um país que, no seu governo, caiu na maior crise de sua história) teve sucesso. Com efeito, os chilenos investiram e, agora, o resultado está à vista de todo mundo.

É importante que o povo uruguaio tome consciência daquilo que envolve esse tipo de "desenvolvimento". Contudo, é igualmente importante que o mundo perceba que o que hoje está sendo denunciado no Uruguai está acontecendo praticamente em todos os países do Sul onde são instaladas essas grandes plantações. O trabalho tercerizado é praxe em todos eles, quer no Brasil ou na África do Sul, quer no Chile ou na Argentina. A concorrência internacional é feita através da baixa de custos, sendo que, na totalidade dos casos, o principal mecanismo para que a matéria-prima madeira continue sendo barata não são as tecnologias nem o rápido crescimento (semelhantes em todos os casos), sequer os subsídios (que também são semelhantes), mas, basicamente, a redução dos custos de mão-de-obra. Em síntese, é à custa das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores florestais.

As monoculturas florestais já mostraram às claras a sua insustentabilidade ambiental. Também têm revelado não só que não resolvem os problemas sociais, mas os agravam. Por que, então, elas continuam sendo promovidas?

Artigo baseado em informação do jornal Últimas Noticias, http://www.ultimasnoticias.com.uy ; "Plantaciones forestales en la pradera uruguaya", Carlos Pérez Arrarte, http://www.wrm.org.uy/guayubira/plantaciones/pradera.htm