As mulheres somam mais da metade da mão-de-obra nas plantações malaias (cerca de 30 mil operárias). Historicamente, elas têm sido contratadas como trabalhadoras temporárias, para fazer o trabalho menos qualificado e pior remunerado. A urbanização e a industrialização empurram homens e rapazes para o trabalho em novas áreas industriais, enquanto as mulheres ficam e continuam aceitando qualquer tipo de trabalho que permita aceder à moradia e aos serviços básicos fornecidos pela empresa dona da plantação; caso contrário, elas não teriam essa possibilidade. Assim, as mulheres vêm desempenhando uma dupla função: fornecer mão-de-obra barata e estabilidade social.
No início da década de sessenta, quando o consumo de borracha sintética, controlada pelos países industrializados, tinha pulado para mais de 60% no mundo todo, o preço da borracha caiu drasticamente. As plantações de caucho da Malásia não conseguiram permanecer na concorrência e, portanto, o setor foi forçado a se diversificar, introduzindo o dendê como cultura alternativa. Posteriormente, o país virou o número um na produção e exportação de dendê, num ímpeto que provocou (e continua provocando) a forte oposição dos povos indígenas, como os de Sarawak, que defendem suas terras e florestas tradicionais contra programas de monocultura devastadores, que permitem que o país fique inserido na economia mundial, mas privando o povo de seus meios de subsistência.
A lavoura de dendê requer um "cuidado" mais intensivo para o combate às pragas, motivo pelo qual o uso de praguicidas virou requisito essencial. As mulheres foram contratadas para espargir praguicidas e fertilizantes; calcula-se que aproximadamente 30 mil mulheres realizam esse trabalho no país todo, a maior parte delas indígenas. A organização Tenaganita (Força das Mulheres) vem trabalhando com as operárias das plantações desde 1991. Informação compilada sobre o trabalho e a vida das trabalhadoras das plantações e estudos de caso sobre a exploração enquanto mulheres e trabalhadoras permitiram à organização dar notícia do calvário dessas mulheres "envenenadas e silenciadas", num relatório elaborado em parceria com a Rede Ação contra Pesticidas (Pesticide Action Network), da Ásia e o Pacífico (o relatório, na íntegra, está disponível em http://www.evb.ch/index.cfm?page_id=1300).
O estudo revela que o equipamento de aspersão vaza e que a manutenção é ruim, o atendimento médico e a infra-estrutura de primeiros socorros nas plantações são insuficientes e, nalguns casos, não existe equipamento de proteção. No caso das mulheres, em particular, a falta de controle médico e a total incompreensão da forma como são afetadas por esses produtos químicos fazem com que seja muito difícil avaliar o grau do impacto causado nelas, na saúde reprodutiva e na gravidez. Porém, os impactos são bem reais.
Sendo a pele o órgão que reveste o corpo inteiro, é através dela que dá-se 90% da exposição aos praguicidas; mas a pele das mulheres é fina e favorece um alto grau de absorção de produtos químicos pelo corpo. Bem poucas mulheres sabem que o local de absorção mais importante é a região genital. Depois da aspersão dos produtos, elas experimentam uma sensação de severa queimadura na região genital, mas sofrem em silêncio, pois têm vergonha de falar no assunto com o pessoal do hospital - o mais das vezes, homens - e, portanto, o problema não é detectado. Os sintomas comuns de cansaço, dor nas costas, forte dor de cabeça, náuseas, tontura, sensação de opressão e dor no peito e inflamação nos seios são sinais da exposição a praguicidas do tipo organofosforados e carbamatos.
Apontando os responsáveis, o relatório salienta que os donos e os administradores das plantações só tomam decisões - quanto às tarefas, o método de aspersão, o tipo de praguicida a ser usado, os serviços de saúde e as medidas a serem implementadas - quando surge uma reclamação. A indústria das plantações nem criou comissões de segurança nem cumpre as disposições da Lei de Segurança no Trabalho. Pior ainda, ela não fornece às trabalhadoras informação adequada sobre os venenos que manipulam e empregam no trabalho. Embora saiba dos riscos envolvidos, ela continua usando os praguicidas de maior toxicidade. Não obstante, a indústria vem desenvolvendo estratégicas, para não ter de prestar contas a ninguém; o trabalho de aspersão, por exemplo, foi incluído na categoria "trabalho subcontratado". Assim, as trabalhadoras são supervisionadas diretamente pela empresa subcontratada. Muitas possuem vínculo empregatício temporário, de sorte que a indústria se livra de sua responsabilidade. A única preocupação é com o lucro, ficando excluída a vida de trabalhadoras que geram a riqueza da indústria.
Quanto à indústria de praguicidas, embora trabalhe em estreita ligação com a indústria das plantações mas sem contato direto com as trabalhadoras, ela deve garantir que os praguicidas que produz e distribui não vão envenenar nem as trabalhadoras nem a população em geral nem o meio ambiente. No entanto, ela não faz nada para resolver esses problemas - quando fez, foi lenta demais - e, com freqüência, é muito mais enfática na hora de negar que possa ter havido um envenenamento.
A Divisão de Praguicidas e o Departamento de Saúde e Segurança no Trabalho devem garantir a segurança e proteção das trabalhadoras contra a ação desses produtos tóxicos. Em geral, não é feito nenhum controle de venda, uso e impacto dos venenos nas plantações. A escassa implementação das disposições no setor tem levado ao envenenamento diário de trabalhadoras. Além disso, os médicos e o pessoal de atendimento à saúde não foram devidamente formados para tratar casos de envenenamento por praguicidas. Nesse sentido, o governo também é responsável pela atual crise na saúde das trabalhadoras que fazem a aspersão nas plantações.
Embora integrado num 60% por mulheres, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Plantações (National Union of Plantation Workers - NUPW) não consegue dar conta da medonha situação das trabalhadores e sua diária exposição a venenos. A diretoria negociou salários levemente superiores para as trabalhadoras que fazem a aspersão, pois se trata de um trabalho "de alto risco". A falta de perspectiva de gênero é percebida na ausência de programas para a mulher e na falta de dirigentes mulheres no próprio Sindicato.
A contratação de trabalhadores imigrantes - o mais das vezes, empregados na modalidade de mão-de-obra contratada - é uma questão emergente. Com freqüência, as operações são subcontratadas a empresas ou agentes que fornecem a mão-de-obra para realizar diversos trabalhos nas plantações, mas esses empregados não se tornam funcionários das mesmas. Eles não contam com a proteção da legislação trabalhista, são altamente móveis e correm o risco de serem apresados, levados à cadeia e deportados. Assim, esses trabalhadores, também, são altamente vulneráveis e sujeitos a graves problemas de saúde, porquanto não têm acesso nem a tratamento nem a atendimento médico.
Em suma, a redução ou prevenção da toxicidade ligada ao uso de praguicidas no país implicaria, entre outras ações, a proibição e/ou estrita restrição do uso de substâncias perigosas, como os praguicidas, a promoção de alternativas para combater quimicamente as pragas no país, e a integração da perspectiva de gênero na análise dos riscos dos praguicidas no trabalho.
Uma organização de mulheres vem se manifestando com força. Ela tem dado voz às "silenciadas", num esforço por compensar os efeitos nocivos de um modelo de produção errado, de plantio de monoculturas em grande escala, artificial, incerto e que reforça a exclusão da mulher, sem benefício para o povo em geral.
Artigo baseado em: "Poisoned and Silenced. A Study of Pesticide Poisoning in the Plantations", Tenaganita, correio eletrônico: tenaganita@yahoo.co.uk ou tnita@hotmail.com, http://caramasia.gn.apc.org/tn_page0.html; e Pesticide Action Network (PAN) Asia and the Pacific, correio eletrônico: panap@panap.net, http://www.panap.net/.