Laos: a opinião do WWF-Tailândia sobre a represa Nam Theun 2

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A projetada represa Nam Theun 2 (NT2), no planalto de Nakai, região central da República Democrática Popular do Laos, teria 48 m de altura, 320 m de comprimento e uma potência de cerca de mil megawatts. Seria construído um lago artificial de 450 km2, com 3 bilhões de metros cúbicos. A água do lago circularia através de túneis de 40 km, até uma central elétrica localizada na base do planalto de Nakai, na beira do rio Xe Ban Fai. O porte do projeto e a sua localização terão um impacto substancial na diversidade biológica e nos povos da região. Este breve relatório resume alguns dos prováveis impactos e explica a posição do WWF-Tailândia a respeito da represa.

Na década passada, o conceito 'diversidade biológica' foi ampliado, de sorte a incluir os padrões de distribuição de biota, os processos ecológicos associados e as paisagens regionais (geralmente, vastas) em que acontecem essas interações. A conservação a longo prazo da biodiversidade e a garantia do sustento humano no nível local exigem uma mudança de abordagem para escalas espaciais maiores e, dentro delas, para a identificação pró-ativa das oportunidades de conservação. A represa Nam Theun 2 fere esses princípios emergentes, porquanto trata de forma isolada partes de um ecossistema mais vasto.

O planalto de Nakai é formado por uma bacia levemente curva de 1.200 km2, a 600 metros de altitude, e faz parte do ecossistema das montanhas Annamite. Cerca de um terço do planalto fica na Área Nacional sob Proteção Nakai-Nam Theun, de relevância mundial para o futuro de fauna escassa e endêmica, como o muntjac gigante com chifres e o saola. Não se trata, porém, de uma área prístina. Como acontece na maior parte das áreas de conservação no mundo, os seres humanos alteraram a sua paisagem, praticando a agricultura de subsistência, pescando em suas águas e caçando nas florestas por milhares de anos. Do ponto de vista da conservação, isso não diminui a importância da área, tanto no que diz respeito à biodiversidade quanto aos modos de sustento locais. Aproximadamente um terço do planalto de Nakai poderia ser inundado pelo lago artificial da represa NT2, o que implicaria a destruição certa de hábitats e populações de fauna que, hoje, desempenham um papel importante no funcionamento ecológico da região.

Da perspectiva tradicional da riqueza de espécies, a área sob proteção de Nakai-Nam Theun é uma das mais importantes do mundo. Nela vivem mais de 400 espécies de pássaros, um dos totais mais altos no conjunto de áreas sob proteção do sudeste asiático continental. Delas, 50 espécies estão em perigo de extinção. Como parte da área sob proteção de Nakai-Nam Theun, o planalto de Nakai cumpre uma função especial na conservação dessas espécies ameaçadas: 35% delas só se encontram nesse lugar, incluindo populações de relevância mundial de patos de asas brancas e águias pescadoras.

Até o recente início da exploração madeireira associada à represa, o planalto de Nakai abrigava a maior floresta primária de pinheiros da região, com variações únicas na composição de espécies de árvores. Um dos hábitats mais ameaçados do sudeste asiático é o dos rios com caudal lento, em terras baixas com florestas ribeirinhas. O planalto de Nakai, apesar da degradação de seu hábitat, continua sendo um dos melhores exemplos desse tipo de hábitat na República Democrática Popular do Laos; caso for construída a represa, após a inundação, sumiria praticamente tudo (180 km).

A diversidade de hábitats do planalto de Nakai inclui, também, florestas caducifólias, florestas semi-perenifólias, florestas secundárias, banhados estacionais e veredas permanentes, os quais, junto com a terra generosa em que jazem, proporcionam excelentes condições físicas para altas densidades de grandes mamíferos, uma situação que está se tornando cada dia mais rara em qualquer outro lugar da República Democrática Popular do Laos e na região. Apesar dessas altas densidades terem diminuído fortemente devido à caça, elas continuam sendo significativas em relação a outras áreas florestais do país. E mais importante ainda, os grandes mamíferos do planalto vivem numa das maiores e menos fragmentadas extensões de floresta da região, o que aumenta suas chances de sobrevivência e recuperação. Por exemplo, o gaur e o elefante são cruciais, e interagem com populações regionais maiores através de ligações intocadas com as áreas florestais em torno deles. O papel central do planalto no funcionamento ecológico da região pode ser exemplificado por essa comunidade intocada de grandes mamíferos, cujos membros podem manter movimentos estacionais de grande dispersão no nível da paisagem.

No planalto, uma série relativamente grande de animais de presa, formada por sambares, javalis e o muntjac indiano, serve de alimento para tigres em perigo de extinção. O rio Nam Theun abriga, pelo menos, 80 espécies de peixes, 16 delas endêmicas. A distorção da função hidrológica e a migração de peixes que traria a represa conduziriam à perda de muitas dessas espécies. Além disso, o esquema de desvio da água da represa implica a alteração de uma outra bacia hídrica (a do rio Xe Bang Fai).

Todas as ONGs internacionais que trabalharam no planalto reconhecem a enorme importância da área do ponto de vista da conservação. Existe a possibilidade de cuidar da biodiversidade e das formas de sustento locais existentes no planalto de Nakai, mas é necessário desenvolvê-la através da colaboração da população local com o governo, com o pessoal da área sob proteção e com organizações conservacionistas. Isso não aconteceu ainda. As atividades da passada década, como a exploração madeireira e a construção de infra-estrutura para uma represa que, talvez, jamais seja construída, já trouxeram conseqüências ecológicas e econômicas negativas de longo alcance. Dizer que a causa de tamanho transtorno no planalto de Nakai é a solução, evidentemente, é um erro. Não é possível mitigar aquilo que está em risco de se perder, tanto em termos ecológicos quanto culturais. A represa Nam Theun 2 não é inevitável. O povo do Laos e a comunidade conservacionista não têm obrigação de aceitar como inevitável esse projeto de energia hidroelétrica que somente deixará restos ecológicos, para eles se virarem como puderem; no planalto de Nakai existem oportunidades positivas bem mais atraentes.

O WWF também faz notar que o fundamento dado para a represa Nam Theun 2 não é claro. A viabilidade econômica do projeto é duvidosa, e a futura demanda de energia, produto da represa, é altamente questionável, se levarmos em conta que prevê-se uma queda na demanda de energia na Tailândia (mercado para o qual seria exportada a energia produzida pela NT2). Além disso, existem importantes fontes de energia alternativa, tanto na Tailândia quanto no Laos, incluindo energia renovável e conservação da energia. Estas foram ignoradas e não foram avaliadas de maneira suficiente.

Em síntese, os impactos negativos do projeto nos ecossistemas locais são claros, mas a justificação para a represa e sua superioridade em relação a outras alternativas disponíveis não são. Por esse motivo, o WWF-Tailândia é contra a construção.

Por: WWF-Tailândia, correio eletrônico: wwfthai@wwfthai.org