No ano passado, supostamente numa tentativa por melhorar sua embaçada imagem, o Banco Mundial publicou um chamativo folheto: "10 coisas que você nunca soube sobre o Banco Mundial". O item número sete da relação é a afirmação: "O Banco Mundial é líder na luta contra a corrupção no mundo inteiro". O folheto acrescenta: "O Banco Mundial está trabalhando para atingir a total integração das medidas de bom governo e de luta contra a corrupção a seu trabalho operacional e de planejamento. O Banco também assumiu o compromisso de assegurar que os projetos que financia estejam livres de corrupção".
Lamentavelmente, na sua participação na proposta represa Nam Theun 2 de 1.000 MW, o Banco parece ter esquecido sua luta contra a corrupção. O Banco financiou uma série de estudos sobre este projeto de US$ 1,5 bilhões, e sem a garantia de risco parcial de US$ 100 milhões do Banco Mundial, os financiadores comerciais não se arriscarão a emprestar seu dinheiro ao projeto Nam Theun 2. O Banco adiou por muitos anos sua decisão de outorgar ou não essa garantia.
Apesar de que quiçá a barragem não se construa nunca, já foram talados os bosques na área do reservatório. Desde inícios dos anos 90, a companhia Bolisat Phathana Khet Phoudoi (BPKP - Mountainous Region Development Corporation) administrada pelo exército de Laos tem se beneficiado da concessão para talar a área de 450 km2 do reservatório no planalto de Nakai.
Uma vez desaparecidos os bosques, o governo de Laos revogou a concessão de processamento industrial da madeira da BPKP e a companhia colapsou. Em 14 de janeiro de 2003, o governo designou um novo diretor interino para a BPKP, Sisaleuay Khounbathao, quem anteriormente tinha sido Sub-Diretor de Melhoramento Comercial do Escritório do Primeiro Ministro. Sisaleuay substituiu o Bounmy Chithphanya, diretor da BPKP durante os últimos cinco anos. Embora a companhia deva afrontar dívidas importantes, Bounmy declarou ao jornal Vientiane Times: "Ainda não demos falência porque temos o apoio do Partido e do Estado".
Os bosques do planalto de Nakai foram vendidos ao melhor POSTOR, e a companhia que vendeu os troncos está fortemente endividada e só poderá sobreviver através do apoio do governo.
Mas o colapso da BPKP não deveria surpreender ninguém no Banco Mundial.
Em 1997, a organização International Rivers Network (IRN) escreveu ao Banco Mundial questionando a participação do Banco no projeto Nam Theun 2. Na carta, IRN refere-se a um Estudo de impacto econômico realizado pela firma consultora Louis Berger, que tinha sido financiado pelo Banco. No relatório salienta-se que BPKP funciona principalmente fora do controle do governo central e recomenda: "Como empresa estatal autônoma, BPKP deveria ter uma Diretoria e uma contabilidade fiduciária que prestasse contas ao Ministério das Finanças, para facilitar o controle das suas atividades".
Nenhuma das recomendações de Louis Berger foi levada em conta, até este ano. Sob a direção de Sisaleuay Khounbathao, o diretor que acaba de ser nomeado, há planos em andamento para que a empresa estabeleça um conselho diretor, uma diretoria, departamentos e grupos e filiais de BPKP.
O relatório de 1997 de Louis Berger também afirmava que "os interesses comerciais de BPKP continuarão orientando-se para a manutenção de quotas de processamento industrial da madeira mais altas que as adequadas para um regime de colheita sustentável, e para a abertura de acesso a áreas previamente intocadas".
Isso é justamente o que fez BPKP. Segundo relatório do ano 2001 sobre manejo de bosques em Laos realizado pelo Banco Mundial, Suécia e Finlândia: "As últimas missões do Banco Mundial avaliaram a extensão do processamento industrial da madeira não autorizado, ilegal, não planejado e ilícito em Áreas Nacionais de Conservação de Biodiversidade (NBCA, por sua sigla em inglês) e na área da bacia de Nam Theun 2, onde o processamento industrial da madeira está proibido". O relatóiro também salienta a existência de "infrações graves de processamento industrial da madeira nas NBCA de Nakai Nam Theun e outras áreas que o governo de Laos tinha declarado como áreas protegidas contra o processamento industrial da madeira".
Além do processamento industrial da madeira da área do reservatório, BPKP realizou reassentamentos relacionados com o projeto e construiu casas para os povoadores reassentados. O relatório de 1997 de Louis Berger salienta que a empresa tinha se apresentado à concorrência pública de contratos relacionados com o projeto da barragem, quando, ao mesmo tempo, era membro da comissão do governo de Laos que decidiria sobre a adjudicação dessas concorrências. Em novembro de 1997, a diretora do Banco Mundial em Laos nesse momento, Ngo Zi Okanjo Iwella declarou a Power in Asia: "BPKP terá que concorrer com outras empresas privadas em concorrências públicas relacionadas com o projeto". O problema do conflito de interesses de BPKP não foi levado em conta.
Iwella confirmou a Power in Asia que era consciente de que havia "assuntos governamentais" relacionados com o projeto Nam Theun 2. Porém, com relação a BPKP, Iwella declarou: "Em experiências passadas em atividades rurais regionais tivemos uma relação construtiva com BPKP. Mas também sabemos que há assuntos conflitivos associados com essa companhia no passado e devemos assegurar que esses problemas não se repitam de futuro".
A "relação construtiva" do Banco com BPKP serviu de pouco para evitar que a companhia acumule enormes dívidas enquanto tala vastas áreas de bosque. Já há muito tempo que se espera uma revisão de contas públicas e pormenorizada das operações de BPKP, centrada especialmente nas suas operações relacionadas com o Banco Mundial e o projeto Nam Theun 2.
A publicação estatal Vientiane Times informou recentemente que: "O Banco Mundial e o Governo da República Popular Democrática de Laos, estão trabalhando de comum acordo para estabelecer que os benefícios do Projeto que receba o Governo da República Popular Democrática de Laos, sirvam em forma efetiva ao desenvolvimento no longo prazo do país".
As receitas obtidas pelo processamento industrial da madeira da área do reservatório são benefícios do projeto. Se os planos para a represa Nam Theun 2 não existissem, também não existiria a concessão de BPKP para talar os bosques do planalto de Nakai. Os povoadores do planalto de Nakai, que presenciaram como BPKP lhes rouba seus bosques, têm direito a saber aonde foi dar o dinheiro.
Por: Chris Lang, correio eletrônico: chrislang@t-online.de