Uma equipe de 7 pesquisadores realizou uma avaliação das certificações da empresa V&M (Vallourec&Mannesman) Florestal Ltda., que teve em 1999 toda sua área de 235.886 hectares certificada pelo FSC através da certificadora SGS, bem como da Plantar Reflorestamentos S.A., que teve uma área de 13.287 hectares certificada pela SCS. Com a certificação, a V&M Florestal se tornou a empresa com a maior área certificada no Brasil. De toda sua área, 128.326 hectares são plantadas com eucalipto enquanto o restante, 107,560 hectares, são áreas de plantios abandonados e áreas de cerrado, a vegetação nativa da região. A Plantar têm cerca de 280.000 hectares, significando que somente certificou 4,8% das suas terras. Portanto, trata-se de duas mega-empresas do setor de plantio de eucalipto no Brasil, para a produção de carvão vegetal.
O eucalipto plantado pela V&M Florestal se destina, na sua quase totalidade, para a produção de tubos de aço na fábrica da V&M do Brasil. Ambas empresas de um só proprietário, de capital majoritário francês-alemão. Já a Plantar S.A., uma empresa de capital brasileiro, destina seu eucalipto para a produção de ferro gusa, com exceção da área certificada pelo FSC cuja madeira é destinada para a produção de carvão para churrasco. A Plantar pretende também entrar no "mercado de carbono", vendendo bônus para seus plantios. As principais atividades das empresas avaliadas são, portanto, o plantio e a extração de eucalipto, e a produção de carvão.
Verificamos que as empresas certificadoras SGS e SCS cometeram uma série de negligências no processo de certificação:
- não fizeram uma análise profunda do contexto no qual as empresas de plantio de eucalipto estão inseridas, menosprezando uma série de aspectos sociais, econômicos e ambientais relevantes;
- ouviram poucos e apenas os "stakeholders" acríticos. E, mais importante, não ouviram "stakeholders" extremamente relevantes, de forma que não obtiveram informações fundamentais sobre uma série de problemas graves envolvendo as empresas;
- não ficou evidente que os condicionantes e recomendações de fato reverteram os evidentes descumprimentos de determinados princípios e/ou critérios do FSC, e se os condicionantes e recomendações estão sendo bem monitorados;
- não divulgaram o resumo público da certificação para a sociedade civil local e regional, incluindo órgãos públicos; a SGS nem disponibilizou na internet uma versão do resumo público em português, a língua oficial do Brasil.
Seguem alguns dos principais descumprimentos, por parte das empresas, dos Princípios e Critérios do FSC, verificados durante a pesquisa:
- foi observada a inexistência, tanto na empresa V&M Florestal, como na Plantar, de um Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), exigência legal para a implementação de qualquer empreendimento que cause potenciais impactos ambientais no Brasil. Como verificado, existe um impasse entre, por um lado, os técnicos do órgão estadual responsável, o Instituto Estadual de Florestas (IEF), que exigem este estudo, e, por outro lado, a V&M Florestal que não quer que se realize tal estudo.
- Existem fortes indícios que boa parte das terras das empresas eram devolutas, ou seja, eram terras de uso comum e por isso pertenceram ao Estado. Portanto, essas não poderiam ter sido adquiridas pelas empresas. Mesmo assim, em busca de terras, as empresas conseguiram arrendar essas áreas do governo ditatorial nos anos 70, através de contratos com a agência estatal Ruralminas, por um prazo de 20 anos. Nos últimos anos, estes contratos começaram a vencer, ameaçando a continuidade da posse.
- Existem conflitos pela terra com proprietários locais que têm plantios de eucalipto da empresa nas suas propriedades.
- A partir de setembro de 2002, as empresas V&M Florestal e Plantar S.A. foram alvos de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instalada na Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, para investigar as condições de trabalho dos profissionais que atuam na indústria extrativa de Minas Gerais. Ambas empresas foram autuados pela Delegacia Regional de Trabalho (DRT) em março de 2002, por descumprirem a lei trabalhista brasileira. Atualmente ambas estão sendo processadas pelo Ministério Público do Trabalho, através de uma Ação Civil Pública, sob a acusação de praticas ilegais na terceirização, de trabalho degradante e precário.
- A maioria dos trabalhadores que trabalham nas áreas certificadas são terceirizados, tendo significativamente menos direitos e benefícios que os trabalhadores próprios das empresas; ressaltamos que o caráter das atividades de trabalho é extremamente pesado e perigoso; conforme o Ministério Público de Trabalho, existe uma "lista negra" nas duas empresas avaliadas, indicando que as empresas perseguem seus trabalhadores e lideranças, descumprindo as convenções 87 e 98 da OIT.
- As plantações de eucalipto não geram benefícios sociais, ambientais e econômicos para as comunidades vizinhas. As áreas de cerrado, sempre utilizado pelas comunidades locais por sua extraordinária biodiversidade, foram cercadas pela empresa, impedindo o uso coletivo dessas terras pelas comunidades locais. O cerrado sempre ofereceu todas as condições para um uso e manejo sustentável, gerando trabalho e renda.
- O desmatamento do cerrado e o plantio de eucalipto pelas empresas secou rios e nascentes, diminuiu a flora e fauna na região, estimulou a erosão e envenenou trabalhadores, a fauna e os recursos hídricos existentes com agrotóxicos. A empresa V&M Florestal continua utilizando uma herbicida, a oxyfluorofen, definida como tóxico e persistente pelo próprio FSC em 2000, conforme o relatório de monitoramento da SGS de 2001.
- Cerca de 25% do plantio de eucalipto da V&M Florestal acontece numa região onde chove cerca de 1000 mm por ano, quantidade desaconselhável para este tipo de plantio em larga escala, mostrado pelos rios, córregos e várzeas secos na região.
- As empresas têm um plano de manejo implementado somente para as áreas de eucalipto e não para as demais áreas. No caso da V&M Florestal, 46% da área certificada não tem um plano de manejo implementado. Após ter recebido a certificação, essa empresa começou a apresentar levantamentos da flora e fauna e planos de monitoramento para essas áreas, objetivando um plano de manejo, que até hoje não está implementado.
- A empresa V&M do Brasil, a empresa-irmã que compra toda sua carvão da V&M Florestal, continua comprando carvão de cerrado para abastecer seu alto-forno não tendo informações sobre a cadeia de custódia, ou seja, não há garantia de que o carvão certificada seja realmente proveniente das Unidades de Manejo Florestal certificadas.
O relatório conclui que é preciso que o FSC separe seu selo em dois novos: um para o manejo de floresta nativa, e outro para o manejo de plantações. Fica evidente através destes estudos de caso que os Princípios de 1 a 9 foram feitos para o manejo de florestas nativas e são em sua grande maioria absolutamente inadequados para plantações de monoculturas de árvores, cujas características específicas, são totalmente distintas das de uma floresta nativa, diversificada e heterogênea. Além do mais, aumentaria em muito a transparência e credibilidade do FSC perante o consumidor, se este soubesse diferenciar de onde vem o produto que ele compra: de uma plantação "industrial" realizada por uma mega-empresa com plantios exóticos, instalados em meio ao cerrado; ou de uma cooperativa de comunidades locais que manejam de forma sustentável o cerrado e suas espécies endógenas e próprias.
Para "construir" um novo selo para a certificação de plantações, que tenha credibilidade, é preciso que se discuta princípios e critérios específicos, a partir de um debate profundo, que envolve, necessariamente, as comunidades locais, para garantir que as futuras plantações certificadas ofereçam benefícios sociais, culturais, ambientais e econômicos. Isso significaria introduzir um mínimo de diversidade de espécies em cada talhão, garantindo o uso múltiplo e o aproveitamento dos produtos florestais pelas comunidades locais, a estabilidade ecológica no local, e uma melhor adaptação da plantação a seu ambiente.
O FSC, portanto, tem dois caminhos: continuar a certificação de milhões de hectares de plantações, perdendo cada vez mais sua credibilidade e prejudicando comunidades locais, ou rever a certificação de grandes plantações, entrando num novo rumo, respeitando e querendo beneficiar as comunidades locais e seu ambiente, além de aumentar sua credibilidade e, consequentemente, sua confiança perante o consumidor.
Por: Marco Antônio Soares dos Santos André, Rosa Roldan, Fábio Martins Villas, Maria Diana de Oliveira, José Augusto de Castro Tosato, Winfried Overbeek, Marcelo Calazans, correio eletrônico: fasees@terra.com.br
O WRM preparou um relatório sobre esse estudo de caso está disponível (em português e inglês) em http://www.wrm.org.uy/actors/FSC/index.html#stop