A cidade de Esquel, nas margens do arroio Esquel, está cercada por morros cujas encostas formam um impressionante anfiteatro, realçado por florestas laterais da região de florestas subantárticas e, em particular, da chamada Floresta Valdiviana, na província de Chubut, no oeste da Patagônia argentina. Seus 31 mil habitantes vivem e desfrutam de um entorno que eles próprios descrevem como uma cidade cuja natureza surpreende o viajante todas as estações do ano, pelas paisagens de inusitada beleza, árvores milenárias, rios e centenas de espelhos de água protegidos por enigmáticas florestas. Seus habitantes orgulham-se de anunciar que cultivam o respeito e o cuidado pela natureza. Pertencem a uma comarca onde "aqueles que a habitamos aspiramos a que nossos filhos e netos possam desfrutá-la".
Ao que parece, esse sentimento não tem grande relevância para aqueles que promovem a instalação de uma planta de tratamento de minério com cianeto, para exploração do ouro, a apenas cinco quilômetros água acima dessa bela cidade. Infelizmente, esse seria apenas o primeiro de muitos outros projetos de extração de minério que atingirão a região andino-patagônia toda e, de modo geral, toda a cordilheira dos Andes argentina e chilena, em virtude dos privilégios concedidos às multinacionais, através do Tratado de Integração Mineira firmado em dezembro de 1997.
A extração do ouro é uma das atividades mais nocivas e poluentes. A de Esquel, em particular, seria altamente devastadora, pois seriam dinamitadas 42 mil toneladas de rocha por dia, das quais 3 mil seriam reduzidas a pó, para, depois, tratá-las com cianeto de sódio diluído em água. Como conseqüência, de modo imediato, aumentaria o consumo de água, sem que tenha sido estudado o potencial esgotamento de arroios, lagoas e vertentes utilizadas no campo e na cidade. Paralelamente, surgiriam problemas sonoros, devido às explosões, e haveria nuvens de pó, em especial durante o verão, e risco de acidentes de todo tipo durante o transporte e uso dessas enormes quantidades de cianeto, considerado como um dos venenos mais potentes de que se tenha conhecimento, além do ácido sulfúrico e outros compostos letais. A qualidade de vida dos moradores ficaria fortemente afetada, como afirma um recente relatório elaborado pela Rede Nacional de Ação Ecológica, RENACE, cujo texto na íntegra pode ser lido em (em espanhol):
http://www.wrm.org.uy/paises/Argentina/esquel.html. Além disso, ficaria irremediavelmente comprometido o potencial turístico da região, conhecida internacionalmente por sua ainda prístina natureza.
Fazendo uso das facilidades e privilégios concedidos pelo governo -como, por exemplo, a isenção total de pagamento de impostos-, a Meridian Gold, multinacional de capitais canadenses, dona de 90% do pacote acionário da empresa argentina El Desquite S.A., obteria lucros que superariam o bilhão de dólares, "em troca de umas dúzias de postos de trabalho e regalias praticamente inexistentes", como afirma, também, o relatório da RENACE.
A empresa não poupou medidas para convencer a população local de que não haveria nem poluição nem fugas tóxicas, fazendo alarde do mito da responsabilidade ambiental das empresas canadenses. Não obstante, sabe-se que isso é apenas um mito, já que "as piores repercussões sociais e ecológicas dos últimos 15 anos podem ser imputadas a algumas das maiores empresas do Canadá, respaldadas por suas respeitadíssimas instituições privadas, financeiras e governamentais", como afirma o relatório do WRM, sobre empresas canadenses de mineração, disponível em (em espanhol): http://www.wrm.org.uy/publicaciones/mineria.html .
Em ambos relatórios, podem ser encontrados exemplos da irresponsabilidade com que vêm atuando as empresas e os desastres ambientais que ela produz. No entanto, as empresas servem-se de todo tipo de método, para que a população não reaja enquanto elas "esvaziam as montanhas": levam-na de visita a outros países, proferem palestras para a comunidade e ameaçam quem se opuser.
Em Esquel, repete-se o mesmo esquema. Convidado pela empresa, um grupo de vizinhos viajou recentemente para Antofagasta, no norte do Chile, a fim de visitar um empreendimento mineiro realizado no meio do deserto mais árido do mundo, impossível de ser comparado com essa região, vizinha do Parque Nacional Los Alerces, onde existem florestas (de Fitzroya cupressoides) com mais de dois mil anos de idade, um verdadeiro sacrário natural.
Por outro lado, o auditório municipal de Esquel foi cenário de uma indecorosa conferência -pela infinidade de erros e inexatidões- proferida por um representante da Dupont, uma das empresas que possivelmente venda o cianeto, enquanto representantes locais da Diretoria de Minas distribuíam folhetos da Dupont e o próprio diretor ajudava a projetar as imagens.
Para completar o panorama, a Dra. Silvia González, docente e pesquisadora da Universidade Nacional da Patagônia, recebeu ameaças telefônicas, depois de apresentar, em escolas da cidade, um trabalho científico sobre os efeitos do cianeto.
Apesar de tudo, essa comunidade, como a de Tambogrande no Peru, a de Los Encuentros no Equador, a de Plananlto na Colômbia e a de San Carlos na Costa Rica, resolveu defender suas terras e florestas e sua qualidade de vida, e exigir das autoridades nacionais que elas não permitam o saqueio.
Artigo elaborado a partir de informação fornecida por Silvana Buján, correio eletrônico: ecosil@speedy.com.ar , Relatório preparado pela RENACE, Rede Nacional de Ação Ecológica, http://www.esquelonline.com/esquel.htm ,
http://www.rebelion.org/ecologia/esquel071102.htm