Várias nações independentes têm demonstrado bem pouco interesse em revitalizar os sistemas de autoridade locais, destruídos propositadamente pelos regimes coloniais. As novas nações independentes, da mesma forma que os regimes coloniais do passado, não aprovam a idéia de as forças políticas locais questionarem sua legitimidade. Por esse motivo, muitas florestas tornaram-se propriedade do Estado, como acontece na Tanzânia. O Estado tanzaniano assumiu essa responsabilidade, apesar da pressão de outros problemas urgentes, como políticas de boa gestão, desenvolvimento econômico, confiança nas próprias forças e estabilidade política. Grande parte dos escassos recursos existentes destinou-se a essas questões; o manejo de florestas não foi considerado prioritário e, assim, as mesmas se deterioraram.
Boa parte da atenção dedicada à reforma do manejo de recursos naturais, como as florestas, concentrou-se no aumento dos poderes e competências do governo, ou na privatização. Quase nunca a atenção esteve voltada para o manejo dos recursos por parte das comunidades, ou para seu manejo como propriedade comunitária. As comunidades podem atingir essa meta com a ajuda --mais do que com o policiamento-- do governo. Essa é a idéia proposta na nova política florestal: se possível, a responsabilidade pelo manejo dos recursos florestais ficará nas mãos das comunidades, com o caráter de propriedade comunitária.
A ampla participação da população no manejo florestal, sendo as florestas propriedade comunitária, é a idéia predominante por onde atualmente transita o manejo florestal. Entende-se por propriedade comunitária um tipo especial de direito de propriedade, pelo qual um grupo de usuários dos recursos compartilha direitos e obrigações para com esses recursos. Portanto, o termo se refere a instituições sociais, e não a uma condição natural ou física inerente ao recurso.
Nesse marco, um grupo de indivíduos compartilha os direitos sobre um dado recurso, por exemplo, uma floresta. Os direitos de uso são comuns a um grupo específico de indivíduos, não a todos. Assim, a propriedade comunitária não implica o acesso aberto a todos, mas um acesso limitado a um grupo específico de usuários, titulares de um direito comum. Quando o grupo de indivíduos e os direitos de propriedade que compartilham são bem definidos, a propriedade comunitária deve ser classificada como uma forma de propriedade privada compartilhada. Sob o regime de propriedade comunitária, os direitos de propriedade podem ser definidos de modo claro; por definição, são exclusivos dos co-proprietários (membros do grupo de usuários); trata-se de direitos garantidos, desde que recebam o apoio legal apropriado do governo.
Pode-se perceber que o governo da Tanzânia e as agências internacionais superestimaram a sua própria capacidade para manejar as florestas, ao passo que subestimaram o valor das boas políticas locais de manejo desses recursos. As comunidades locais, que dependem das florestas para obter numerosos bens e serviços básicos, e não apenas madeira, são mais conscientes do seu papel de protetoras e da grande variedade de bens fornecidos pelas florestas, quando elas são manejadas de forma sustentável. Porém, quando os governos revogam os direitos tradicionais de uso, as comunidades locais e as famílias não podem impedir a invasão devastadora ou a superexploração das florestas, ficando até mais propensas a isso. Na realidade, essas florestas, legalmente de propriedade do Estado, tornam-se, de fato, abertas a todos. A degradação ambiental acontece quando existe um crescente divórcio entre a comunidade e seu meio ambiente natural, sendo a solução implícita a restauração da harmonia na relação entre a sociedade e o meio ambiente.
A restituição ou outorga desses direitos aos grupos locais estimularia eles a equacionar as possibilidades produtivas das florestas no longo prazo. A sustentabilidade das florestas depende das normas locais, dos modelos de uso e dos incentivos fornecidos pelas instituições internacionais, regionais, nacionais e locais. Na verdade, sendo as condições ecológicas as mesmas, as diferenças estruturais e biológicas relevantes entre as diversas áreas de floresta podem derivar quase totalmente das normas e modelos de uso humano.
Quanto aos problemas ambientais, as declarações de intenção da Cúspide da Terra, entre elas a Agenda 21 e a Convenção para o Combate à Desertificação, propõem decididamente como solução a esses problemas a combinação de vários fatores: a descentralização do governo; a restituição da responsabilidade pelos recursos naturais, com caráter de bem comum, às comunidades locais; e a participação da comunidade.
Segundo a nova política florestal, a fim de abolir o livre acesso às terras públicas na Tanzânia, as quais totalizam mais de 19 milhões de hectares, faz-se necessário determinar claramente a propriedade de todas as florestas e árvores dessas terras. Serão promovidas a dotação de florestas e a responsabilidade pelo manejo aos povoados, pessoas físicas ou o governo. Os governos centrais, locais e dos povoados poderão demarcar e criar novas reservas florestais.
As comunidades estão melhor preparadas para administrar e regular o uso dos recursos, principalmente, por estes quatro motivos:
1. O poder de uma comunidade para administrar e regular o uso de um recurso diminui a pressão sobre o mesmo, pois o simples fato dele pertencer a uma determinada comunidade implica que não terá mais acesso aberto. Em potencial, existem vários usuários de um recurso, por exemplo, de uma floresta, sendo que se um grupo detém o uso exclusivo, existe uma alta probabilidade de serem implementadas práticas mais sustentáveis.
2. Uma comunidade que habita perto de um recurso e que dele depende para sua sobrevivência, ciente de que usufruirá dos benefícios do recurso por longo tempo, é mais propensa a reformular um marco de uso inadequado. As pessoas com raízes numa localidade que elas chamam de lar utilizarão esse recurso com maior cuidado, pois, caso o esgotarem, não terão aonde ir. Elas são diferentes das corporações comerciais, as quais sempre estão se movimentando e para as quais o esgotamento do recurso de um lugar significa se transferir para outro e continuar com a mesma tendência.
3. Os limitados recursos dos governos, em termos de mão-de-obra e verba para supervisionar os recursos, indicam que esse trabalho fica em melhores mãos se for realizado pelos povos locais, os quais o farão em seu próprio benefício, sem que o governo deva pagar por isso.
4. Os usuários tradicionais de um recurso biótico provavelmente desenvolveram técnicas que permitem utilizar esse recurso de maneira sustentável. Outros grupos ou empresas, com menor conhecimento do recurso, provavelmente o explorarão até esgotá-lo, visando lucro no curto prazo.
Retirado de: "Forest policy changes in Tanzania: towards community participation in forest management", Vincent B.M.S. Kihiyo, Sokoine University of Agriculture, correio eletrônico: isinika@sua.ac.tz , http://srdis.ciesin.org/cases/tanzania-009.html