O que têm em comum as lutas das mulheres contra a apropriação de terras no México, em Serra Leoa e na Indonésia?

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No mês do Dia Internacional das Mulheres, o WRM relança o podcast A luta das mulheres pela terra, com histórias de coletivos de mulheres da costa de Chiapas, no México; da Chefia de Malen, em Serra Leoa; e da área do rio Kapuas, em Kalimantan Central, na Indonésia. Embora suas histórias pareçam bem diferentes à primeira vista, encontramos muitos pontos em comum e uma forte conexão entre elas.

Histórias diferentes, mesmos padrões de opressão

As mulheres de todos os três coletivos têm uma experiência em comum: empresas tentaram se apropriar de milhares de hectares de suas terras e transformá-las em plantações de dendê. Na Indonésia, as mulheres também enfrentaram um projeto de carbono florestal e outro agrícola, de grande porte, que também vêm ameaçando seus espaços vitais. Em todas essas situações, as empresas por trás dos projetos prometeram uma vida melhor e benefícios econômicos para as comunidades.

As mulheres contam como as empresas assumiram o controle e restringiram o acesso às terras e florestas que elas usam; elas falam sobre como essas empresas destruíram e poluíram florestas e fontes de água. A maneira como as mulheres descrevem os impactos das apropriações de terras por empresas geralmente difere da forma como os homens falam sobre esse tema. Para as mulheres que contaram suas histórias, ter acesso à terra é fundamental, porque elas têm muitas responsabilidades reprodutivas e de cuidado relacionadas à terra. As mulheres dependem dos territórios para plantar suas sementes e fazer suas roças, obter remédios tradicionais e coletar materiais para produzir ferramentas e artesanato. No episódio da Indonésia, ouvimos sobre a importância das florestas não apenas como lugar para plantar ou coletar remédios, mas como um território a ser cuidado e respeitado em rituais e cerimônias.

O episódio sobre a Indonésia também aborda outra questão: como as empresas proíbem as mulheres de entrar nas florestas, houve uma perda do conhecimento tradicional sobre como plantar arroz nessas áreas.


Enquanto isso, para as mulheres de Serra Leoa, poder acessar seus dendezeiros tradicionais é uma preocupação constante quando empresas assumem o controle das terras comunitárias. Essas plantações tradicionais de dendê são fundamentais para as mulheres em toda a África Ocidental e Central. As mulheres geram um amplo leque de produtos a partir de dendezeiros tradicionais, que lhes proporcionam uma renda essencial. Essa renda é o que ajuda as mulheres a pagar a escola de seus filhos.

Outro tema comum em todos os três episódios é o dos impactos causados ​​pela aplicação em grande escala de fertilizantes e agrotóxicos nas plantações e a liberação de águas residuais das indústrias de dendê. As consequências incluem poluição e redução da disponibilidade de água, bem como a necessidade de mulheres e meninas caminharem por distâncias maiores e perderem mais tempo para obter água para as necessidades de suas famílias. No episódio do México, as mulheres contam que a água não pode mais ser usada para lavar roupas, muito menos para beber.

Esses impactos revelam um padrão de opressão e violência contra mulheres negras e indígenas na Indonésia, em Serra Leoa e no México. Isso não é mera coincidência. A exploração e a opressão das mulheres fazem parte da lógica capitalista sob a qual operam essas empresas, que não apenas se beneficiam, mas também reforçam as estruturas patriarcais, racistas e coloniais de opressão e desigualdade.


No episódio do México, ouvimos sobre outra forma de exploração por empresas. Além de invadir as terras que as mulheres usam, as empresas invadem os corpos dessas mulheres. O modus operandi empresarial capitalista é construído não apenas sobre a exploração da terra, mas também sobre o controle pelas empresas, a violência contra os corpos das mulheres e a exploração de seu trabalho e sua mão de obra. As mulheres do México contam que sua carga de trabalho aumenta muito quando as empresas assumem o controle das terras das comunidades. Enquanto isso, as mulheres de Serra Leoa dizem que não ter terra significa não ter dinheiro. Uma delas se pergunta como poderá pôr comida na mesa para seus filhos se não tem acesso à terra. Também ouvimos sobre a violência física e a invasão dos corpos das mulheres inseridas no modelo empresarial de plantações. Ao andar por essas plantações, elas enfrentam abuso, violência, estupro e (falsas) acusações de coletar dendê deixado para trás pelos trabalhadores da colheita de frutas nas plantações industriais.

Nos três episódios, ouvimos mulheres falando sobre ser excluídas dos processos de decisão sobre a terra, o que mostra a forma como o capitalismo se alimenta do patriarcado e do colonialismo. No episódio de Serra Leoa, ouvimos como os homens que são chefes e líderes excluíram as mulheres das decisões sobre a terra. Não importa o quanto as mulheres dependam da terra, as reuniões onde seu uso é discutido costumam ser “só para homens”. As empresas exploram essa “tradição” patriarcal, sabendo que geralmente são as mulheres que fazem as perguntas difíceis e que podem impedir as comunidades de assinar um contrato para entregar suas terras.

Resistência

Mulheres de todo o mundo começaram a reagir, e as maneiras como elas fazem isso são diferentes, como também revelam as histórias de México, Serra Leoa e Indonésia. A resistência é diversificada e específica em relação a cada contexto, refletindo as várias maneiras como mulheres negras, indígenas e outras de comunidades de base se organizam. Embora essas mulheres não descrevam suas lutas como lutas feministas, experiências como as delas são expressões diversas do feminismo popular.

Seus testemunhos enfatizam a importância de se unirem e criarem coletivos de mulheres para nutrir a resistência. Elas falam sobre o quão essencial é ter espaços seguros onde as mulheres possam contar o que está acontecendo em suas casas, suas comunidades e seus territórios. Compartilhar suas experiências com outras mulheres é uma parte importante do reconhecimento de que a violência e a opressão enfrentadas pelas mulheres são sistêmicas, de que as empresas tiram vantagem da exclusão das mulheres, por parte dos homens, de decisões importantes sobre a terra e de que as mulheres enfrentam a mesma violência e opressão onde quer que as empresas de plantação tomem conta de territórios comunitários. Em Serra Leoa, as mulheres estão exigindo que suas terras lhes sejam devolvidas e insistem em participar integralmente das decisões sobre terras comunitárias. As mulheres da Indonésia estão expressando seus direitos e esperam que eles sejam respeitados. Elas começaram a organizar ações para interromper os projetos empresariais que as prejudicam.

As mulheres que compartilham suas histórias neste podcast estão preocupadas não apenas com suas vidas, mas também com as vidas de outras mulheres. Em solidariedade a outras comunidades que enfrentam a mesma ameaça, mulheres mexicanas viajaram a essas comunidades e alertaram as moradoras locais para não caírem na armadilha de acreditar nas falsas promessas das empresas e para estarem cientes dos impactos negativos do dendê industrial. Da mesma forma, as mulheres da Indonésia convidaram jovens mulheres de suas aldeias para se juntar ao grupo, compartilhando suas experiências e as motivando a continuar a luta.

As conversas do podcast dão muito o que refletir. As mulheres que compartilham suas histórias não estão apenas lutando contra as monoculturas de dendê e as empresas que se apropriam de terras. Por meio de suas lutas, elas também estão expondo e denunciando a opressão sistemática das mulheres. Elas estão lutando contra decisões tomadas sobre o uso de seus territórios, que impactam fortemente seus corpos, famílias e comunidades. Este podcast destaca as várias maneiras pelas quais as mulheres estão lutando para defender não apenas seus territórios, mas seu direito de ter voz nas decisões que afetam profundamente suas vidas.

Março 2025, Secretariado Internacional do WRM

Ouça o podcast no YouTube ou Spotify. Disponível dublado em português, inglês, espanhol, francês e bahasa indonésio.