A Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) é um pacto de livre comércio e investimento que está sendo negociado entre os governos da América do Norte, América Central, América do Sul e o Caribe, com exceção de Cuba. O modelo é o mesmo do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN) entre os Estados Unidos, Canadá e México. O objetivo da ALCA é criar uma área de livre comércio e investimento, do norte do Canadá ao extremo sul do Chile. Como no TLCAN, "livre comércio e investimento" significa rebaixar as exigências do governo às empresas, abrir os mercados para a concorrência estrangeira e ampliar o comércio para todos os produtos, entre eles os produtos oriundos das florestas.
Esse pacto representa um risco para a integridade das florestas e dos ecossistemas, porquanto implica um estímulo ao desmatamento causado pela atividade madeireira industrial e um enfraquecimento das normas que visam evitar a propagação de espécies invasoras e organismos transgênicos (manipulados geneticamente). Além disso, ele deixa os países de mãos atadas para servir-se de diversas políticas voltadas para a conservação de seus recursos naturais, entre as quais estão os esforços nacionais para proteger as florestas e promover o manejo sustentável das mesmas. Entre as medidas de proteção das florestas que poderiam perigar estão a proibição de exportar troncos sem processar, de territórios federais e da maior parte dos territórios estaduais, que visa proteger as pequenas serrarias locais e reduzir a atividade madeireira; as leis de contratação, federais e estaduais, de natureza ecológica, como, por exemplo, as que exigem o uso de papel reciclado; as leis de certificação e etiquetagem ecológicas, que servem para identificar produtos ecologicamente apropriados, como madeira obtida de forma sustentável; e as leis de proteção contra a propagação de espécies invasoras.
Caso decida adotar os elementos mais problemáticos, do ponto de vista ecológico, do TLCAN e da Organização Mundial do Comércio (OMC) --e se entrar num novo âmbito de comércio internacional e investimento estrangeiro--, a ALCA poderia causar esses impactos ambientais, em seus esforços por subordinar a integridade das florestas e dos ecossistemas das Américas aos objetivos da liberalização do comércio e do investimento.
O capítulo do rascunho intitulado Acesso aos mercados implica um aumento da pressão da atividade madeireira sobre as florestas nativas, em especial, a conversão de florestas primárias em plantações de árvores, como resultado da eliminação de tarifas sobre os produtos florestais. Além disso, o capítulo Agricultura cogita a redução e, em última instância, a eliminação de tarifas sobre produtos agrícolas, como a carne de boi e a soja. Isso promoverá a conversão de florestas nativas a usos agrícolas voltados para a exportação, exercendo novas pressões sobre as florestas, em especial a Floresta Amazônica, porquanto obrigará a população sem terra a se embrenhar ainda mais em áreas não-intervindas.
A ALCA ainda impediria que as autoridades do governo protegessem as florestas ou criassem normas, incentivos ou restrições quantitativas que visam garantir o manejo sustentável das florestas, porquanto as reputaria de obstáculos "não-tarifários" ao comércio ou à concorrência. As empresas estrangeiras poderiam ter o direito de entrar na Justiça contra os governos, toda vez que acharem que estão sendo lesados seus interesses.
Segundo o capítulo sobre Serviços (artigo 7), os países ficariam impedidos de adotarem medidas apropriadas para a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais no "setor de serviços", cuja vasta definição inclui energia, água, turismo e eliminação de resíduos. Assim, os governos ficariam impossibilitados para aprovar "limitações ao número de fornecedores de serviços" para infra-estrutura de resíduos perigosos, atividades ligadas ao petróleo e ao gás, veículos mecanizados usados nas áreas de intenso turismo e fornecedores de água. Como resultado, os legisladores locais, estaduais e federais perderiam a capacidade de fixar limites específicos à quantidade de infra-estrutura para essas indústrias, o que, potencialmente, traria como conseqüência a perda de florestas, recifes de coral e banhados, a distorção dos padrões migratórios, prejuízos à flora e à fauna e forte poluição localizada.
Um outro aspecto do texto proposto é que ele implica a perda de democracia e participação da cidadania. Por causa das disposições sobre resolução de conflitos, os governos poderiam ter que deixar nas mãos de tribunais internacionais que eles não escolheram a decisão sobre as medidas de proteção das florestas. De forma ampla, isso é aplicável não só à legislação e prescrições respeitantes à proteção de florestas em que a ALCA se considere "prejudicada" ou "frustrada", mas, também, "... quando uma Parte julgar que uma medida existente, [ou proposta] pela outra Parte, é incompatível com as obrigações do Pacto da ALCA [ou, mesmo não sendo incompatível, se levar à anulação ou menoscabo de qualquer benefício que uma Parte pudesse, razoavelmente, esperar em virtude deste Pacto...]". É possível que não seja permitida a participação das organizações não-governamentais nos tribunais da ALCA, apesar inclusive das decisões obrigatórias dos "painéis neutrais" não serem sujeitas a apelação e favorecerem a anulação da legislação ambiental caso ela vá de encontro à ALCA.
A aprovação das medidas sanitárias e fitossanitárias propostas pelo Pacto implicaria um maior obstáculo à aplicação de medidas precautórias que visam evitar a propagação de animais e vegetais invasores, nocivos do ponto de vista ecológico e econômico. Os países-membros da ALCA teriam a obrigação de apresentar dispendiosas provas científicas para justificar essas medidas, caso as salvaguardas nacionais excedam as normas internacionais adotadas por organizações quase-governamentais influenciadas pela indústria e relativamente fechadas à avaliação pública.
Se os países da ALCA aceitarem o rascunho do pacto, será exigido deles que admitam a patente de organismos manipulados geneticamente, inclusive de espécies de árvores e plantas vasculares transgênicas que podem alterar os ecossistemas nativos.
Artigo baseado em informação obtida em: "Impact of the Free Trade Area of the Americas on Forests. A forest-specific analysis of the draft text of the FTAA" (o relatório em inglês pode ser consultado em: http://www.tradeandforests.org/documents/2001/ftaa_forests.pdf ), Jason Tockman, International Trade Program of American Lands Alliance, correio eletrônico: tockman@americanlands.org; "The Free Trade Area of the Americas: Hemispheric Forest Threat", American Lands Alliance, correio eletrônico: wafcdc@americanlands.org, http://www.americanlands.org
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