Colômbia: Compensações Ambientais, legitimando o extrativismo

A Colômbia foi um dos primeiros países da América Latina a criar e implementar regras e regulamentações específicas sobre compensação por perda de biodiversidade. Além do Artigo 50 da Lei 99 de 1993, a Resolução 1503 de 2010 e a Lei 1.450 de 2011 estabelecem a necessidade de padronizar mecanismos de compensação ambiental. Posteriormente, em 2012, o Ministério do Meio Ambiente aprovou a Política Nacional de Gestão Integrada de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (PNGIBSE), que estabelece como um dos seus eixos estratégicos “fortalecer as atividades e a instituicionalidade relacionadas a avaliação de impactos ambientais, recuperação de passivos ambientais e atribuição de compensações ambientais por perda de biodiversidade, ligadas a projetos ambientalmente licenciáveis, em níveis nacional, regional e local” (1).

Mais tarde, no mesmo ano, o Manual para a Atribuição de Compensações por Perda de Biodiversidade (MACPB) foi adotado por meio da Resolução 1517, com o apoio de ONGs transnacionais, como WWF e The Nature Conservancy. A aplicação desse manual é obrigatória para os candidatos a licenças ambientais nos setores de mineração, hidrocarbonetos, infraestrutura, eletricidade, marítimo e portuário. Sua aplicação considera a determinação e a quantificação das compensações desde a etapa de planejamento dos projetos licenciáveis ​e deve incluir três aspectos: quanta área, onde e como compensar, com um enfoque de “perda líquida zero”, no qual a diminuição da diversidade em um local pode ser compensada em outro que tenha “equivalência ecológica” – ou seja, adições e subtrações enganosas.

A Lei de 2011 e o Manual foram ambos criticados por setores ecologistas colombianos. Uma das principais críticas se devia ao fato de o punhado de ONGs transnacionais envolvidas manter laços estreitos e ser financiado pelas mesmas grandes empresas que precisam de compensação para manter e aumentar os seus níveis de destruição. Ignorou-se a consulta a vários atores colombianos, como universidades e organizações nacionais e locais (2).

Com base nesses regulamentos e no discurso que promove a redução da pegada de carbono, a Corporação Autônoma Regional das bacias dos rios Negro e Nare-Cornare (3) propõe a criação de “BanCO2” para a implementação de planos de compensação por perda de biodiversidade através de uma parceria com Bancolombia, Aliança Clima e Desenvolvimento (CDKN, na sigla em Inglês), WWF e Fundação Natura.

O BanCO2 foi lançado em 2013 pela Cornare e foi rapidamente adotado por outras Corporações Autônomas e Regionais. Ele está sendo implementado através de uma suposta cooperação ou pagamento a famílias rurais, com base no apoio das Corporações Autônomas Regionais (atualmente 20) e no investimento de empresas, como AngloGoldAshanti Colombia e  Antioquia Gold, a fábrica de cimento Argos, a companhia industrial pública EPM, entre outras. Essas empresas são listadas como “compensadoras”, ou seja, pagam uma taxa para supostamente compensar sua degradação ambiental. Assim, o pagamento pela conservação de uma determinada área em alguma parte da Colômbia permite que essas empresas sigam com suas indústrias extrativas em outra (s).

Três exemplos de BanCO2:

- No leste do departamento de Antioquia, no município de San Roque, o projeto Gramalote, da mineradora multinacional AngloGoldAshanti Colombia, paga 15 famílias camponesas pela proteção de 215 hectares. No entanto, esse projeto de extração de ouro cobre uma área de mais de 9.413 hectares em seis municípios, afetando potencialmente 50 mil pessoas. Além disso, enquanto o BanCO2 tem uma plataforma perfeita para que a AngloGold Ashanti se apresente como “cuidadora do meio ambiente”, essa multinacional sul-africana tem 504 licenças de mineração na Colômbia e outras 3.074 solicitações com potencial para deslocar e afetar milhares de famílias no país (Censat Agua Viva, 2016).

- A Empresas Públicas de Medellín (EPM) é uma multinacional colombiana que atualmente está construindo o megaprojeto hidrelétrico Hidroituango, para o qual cortou mais de 4.500 hectares da floresta tropical seca, um dos ecossistemas mais ameaçados da Colômbia. A compensação da empresa por seus enormes danos ambientais através do BanCO2 foi paga a 56 famílias e chega a 1.209 milhões de pesos colombianos em três anos (cerca de 421.482 dólares norte-americanos). O lucro da EPM em 2016 foi de 1,86 trilhões de pesos colombianos (cerca de 619.392.994 dólares) (Gómez & Echeverry, 2017).

- O “Florestas da Paz” é um programa do Ministério do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável que, através da resolução 0470 de 2017, propõe formular atividades produtivas “com o objetivo de gerar bens e serviços comercializáveis ​​e contribuir para a conservação...”. Com base nele, serão investidos na cidade de Granada 3,5 bilhões de pesos (cerca de 1.172.409 dólares) em práticas agroflorestais em 1.200 hectares de floresta (4). O objetivo é criar 150 Florestas da Paz em todo o território colombiano com o plantio de cerca de 8 milhões de árvores nos próximos dois anos, acompanhado por estratégias de compensação ambiental como o BanCO2 (5).

Com a implementação do BanCO2, abre-se uma verdadeira disputa pelos direitos de uso dos territórios camponeses. Embora não mude o proprietário, quando os agricultores se inscrevem no BanCO2, muda quem exerce poder sobre a finalidade de uso de um determinado território. A família camponesa perde seu poder de decisão sobre seu território e o outorga a empresas regionais, que ficam encarregadas da verificação do cumprimento desses compromissos, a serviço do mercado.

Além disso, mais recentemente, a estratégia “Banco Habitat” foi criada através do Decreto 2.099 de 2016, lançado publicamente em 2017 pelo Ministério do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. O Banco Habitat começará com um investimento privado de 1,5 milhão de dólares para a restauração e a conservação de 605 hectares no município de San Martin, no departamento de Meta. Esse programa “busca que as empresas que têm obrigação de compensar os impactos negativos que geram no meio ambiente possam fazê-lo através dessas terras destinadas a conservação e restauração”. Ela possui um investimento privado de 1,5 milhão de dólares, financiado pelo Fundo Multilateral de Investimentos (FOMIN) e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) (6).

Como vemos, os projetos conservacionistas de compensação nos quais se apela à “responsabilidade social e ambiental” das empresas são uma manobra hábil que lhes rende dupla vantagem. A legitimação de suas políticas se traduz em preços maiores das ações e em uma espécie de aval para continuar expandindo. As empresas pretendem construir uma imagem de redentoras dos territórios, com foco em medidas compensatórias altamente divulgadas, mas cujas credenciais ecológicas são, no mínimo, questionáveis.

Marcela Gómez, clima@censat.org

Andrea Echeverri, comunicaciones@censat.org

CENSAT Agua Viva, Colômbia, http://censat.org/

Referências

Censat Agua Viva, 2016. Lavado de imagen corporativa + negocio financiero = BanCO2 http://censat.org/es/analisis/lavado-de-imagen-corporativa-negocio-financiero-banco2

Gómez e Echeverry, 2017. BanCO2 o el premio a la contaminación. Em Revista de Ecología Política Nº 53, em revisão.

(1) Ministerio de Ambiente y Desarrollo Sostenible. Política Nacional para la Gestión Integral de la Biodiversidad y sus Servicios Ecosistémicos http://www.humboldt.org.co/images/pdf/PNGIBSE_espa%C3%B1ol_web.pdf

(2) http://blogs.elespectador.com/actualidad/conspirando-por-un-mundo-mejor/665-2

(3) A Corporações Autônomas Regional (CAR), são “entidades empresariais públicas, integradas pelas autoridades locais, encomendado por lei para administrar -dentro da área de sua jurisdição- ao ambiente e dos recursos naturais renováveis, e trabalham para o desenvolvimento sustentável do país", http://www.minambiente.gov.co/index.php/component/content/article/885-plantilla-areas-planeacion-y-seguimiento-33

(4) http://www.eltiempo.com/colombia/medellin/nuevo-bosque-de-paz-en-granada-antioquia-76834

(5) www.minambiente.gov.co/index.php/noticias/2975-las-compensaciones-ambientales-son-el-motor-de-un-nuevo-modelo-de-desarrollo-sostenible-para-colombia

(6) http://www.elespectador.com/noticias/medio-ambiente/colombia-estrena-el-primer-banco-de-habitat-de-latinoam-articulo-677536