Neste mês, em que é comemorado o Dia Internacional dos Direitos Humanos, é urgente salientar os casos de duas comunidades de países aparentemente muito distantes, mas que têm muito em comum. Tanto em Honduras quanto na Índia, as comunidades levam anos de luta contra o novo colonialismo de poderosos grupos econômicos vinculados com a plantação de palma e a extração de ferro, respectivamente.
Com base num modelo industrial extrativista, em grande escala e exportador, estas empresas são responsáveis pela violação de direitos humanos nas comunidades em que se instalaram. A obtenção de lucro está acima de tudo e justifica qualquer meio para silenciar as vozes de resistência e assim conseguir uma produção em grande escala destinada a países com alto consumo de óleo de dendê e ferro no mercado global.
Sejam nacionais sejam transnacionais, siderúrgicas ou agrícolas, as empresas chegam com grandes promessas de desenvolvimento, bem- estar e emprego para a comunidade, mas no curto prazo fica em evidência a realidade de seus negócios de caráter capitalista, que nada tem a ver com as promessas realizadas nem com os interesses das comunidades locais.
As comunidades locais organizadas reagem informando- se, denunciando irregularidades, reivindicando seu direito à terra e ao território- seu meio de vida e sustento- e resistindo não apenas à apropriação e destruição de ecossistemas mas também à violação de direitos humanos.
A resposta das empresas, diante da oposição a seus empreendimentos, não demora a chegar. É assim que, com o apoio do governo, criminalizam os movimentos camponeses, o que supõe ameaças, referências na imprensa desprestigiando os líderes locais ou as denúncias realizadas pelas comunidades, prisão por causas desconhecidas, juízos injustos, repressão policial e/ ou militar, e até assassinatos.
Índia: Dirigente do movimiento anti-POSCO sequestrado pela administração Orissa
A empresa coreana POSCO tenta instalar em Orissa, no leste da Índia, uma planta siderúrgica com uma capacidade de produção de quatro milhões de toneladas, necessitando para isso 1.500 hectares de terra (vide boletins 147, 155, 157, 163 do WRM).
Do total mencionado, 1.200 hectares são florestas- a empresa está negociando a obtenção de uma autorização do governo de Orissa para limpar a área, e assim abrir espaço para a instalação da planta- e “apenas” 60 hectares (conforme declara o governo) correspondem a terrenos privados. O que não se diz é que este “apenas” representa duas comunidades com mais de 600 famílias, que seriam deslocadas.
O movimento de pescadores e camponeses das comunidades de Dhinkia e Gobindpur leva vários anos de resistência contra as tentativas do governo de Orissa, bem como da multinacional POSCO, de destinar essas terras ao projeto de extração de ferro que inclui a construção de uma estrada de acesso ao local da planta.
Apesar de o governo dizer que o programa de compra de terras é pacífico, manifestantes e ativistas afirmam que o governo os coage para que cedam, espalhando uma enorme quantidade de policiais na área. Abhay Sahoo, um dos líderes do PPSS (Movimento de resistência anti- POSCO) se pergunta o que é que tanto incomoda o governo. O que as comunidades defendem é sua economia baseada no betel (Areca catechu), os peixes e o arroz; alimentos que permitem que eles garantam o bem- estar das futuras gerações “sem nenhum desses projetos que só prometem destruir todo nosso entorno”, declara à agência IPS (vide http://ipsnoticias.net/nota.asp?idnews=98519).
Em decorrência da resistência do movimento, o ativista Abhay Sahoo foi preso em finais de novembro perto da área proposta para desenvolver o projeto e está em prisão preventiva já que a petição de fiança foi rejeitada. Isso ocorre depois que os habitantes de Dhinkia e Gobindpur resistiram heroicamente- sob o agoniante calor do verão e por mais de dois meses- os ataques da polícia, chamando a atenção de todo o país sobre a ameaça a sua próspera economia e os ecossistemas. Também ocorre no contexto das denúncias realizadas ao ministério do ambiente sobre a autorização para desmatar em favor do projeto, que é considerada imoral e sem o aval da população local- referindo-se a uma recente proposta de lei que exige o consentimento de 80% da população.
A situação piorou nos últimos dias, quando mais de 500 homens armados- uma espécie de milícia privada- , com o apoio da polícia e do governo, chegaram à manifestação não violenta do PPSS em que umas 2000 pessoas entre homens, mulheres e crianças deitaram-se sobre a terra para impedir o acesso da empresa ao local. A milícia, com bombas e armas atacou os manifestantes, ferindo a mais de oito pessoas, uma delas com lesões graves.
As comunidades de Dhinkia e Gobindpur precisam de nossa solidariedade. A repressão contra o movimento PPSS, a prisão do líder Abhay Sahooy, o ataque à manifestação pacífica destas duas comunidades locais devem receber a condena da comunidade internacional, da mesma forma que o projeto da empresa POSCO que, além de ser socialmente injusto e economicamente destrutivo, é responsável pela violação de direitos humanos em Orissa (acesse aqui a uma carta modelo para ser encaminhada ao governo e à comissão de Direitos Humanos da Índia http://www.wrm.org.uy/India/letter12-2011.html).
Honduras: apelo urgente de solidariedade com o Movimento Camponês do Bajo Aguán
O Movimento Camponês da região do Bajo Aguán, no norte de Honduras, divulgou recentemente uma carta aberta na qual denuncia que “É urgente deter o massacre no Bajo Aguán!”. Esta voz de alerta é, por sua vez, um pedido de apoio para a comunidade internacional- povos, governos e instituições- diante da situação extrema em que se encontram. (vide http://movimientocampesinodelaguan.blogspot.com
/2011/11/llamamiento-urgente-de-solidaridad-con.html)
Os camponeses e camponesas vivem em contínuo perigo, com “presença militar e policial fortemente intensificada nos últimos tempos- que é apontada reiteradamente por sua responsabilidade na repressão”, afirma a carta.
“A gravidade do problema foi denunciada no último dia 24 de outubro, no contexto do 143º Período de Sessões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em que foi documentado o aumento de assassinatos- 42 assassinados/as filiados a organizações camponesas entre setembro de 2009 e outubro de 2011-, perseguições, ameaças e intimidações contra aproximadamente 3.500 famílias camponesas que reclamam seu direito à terra e à alimentação, e encontram- se em total indefensibilidade diante da criminal repressão e saqueio da oligarquia hondurenha, ligada fundamentalmente à produção de palma na região e estreitamente vinculada ao regime político instaurado após o golpe de estado de 2009. A esses assassinatos acrescentam-se os processos judiciais contra mais de 160 camponeses- iniciados até julho de 2011-, os despejos forçados e a destruição das moradias e meios de vida de povos inteiros.
Segundo relatórios e denuncias públicas disponíveis, no país há mais de 600 mil famílias que não possuem terras, sem que exista por parte do Estado hondurenho uma estratégia agrária para solver a grave problemática social. O conflito agrário em Honduras está polarizado por causa da Lei de Modernização Agrícola do ano 1992, que permitiu ultrapassar os limites existentes em relação à posse da terra, dando lugar a enormes plantações concentradas, no Bajo Aguán, nas mãos de latifundiários como Miguel Facussé, Reynaldo Canales e René Morales Carazo.”
“As famílias camponesas exigem a terra porque não têm o que comer. Necessitamos semear nossos alimentos e também contribuir para a economia local e nacional. A monocultura é uma das razões que nos levaram a este conflito agrário e não podemos continuar reproduzindo este modelo” relata um líder camponês a um jornalista da Rel- UITA. (vide “Dendezeiro e direitos humanos. A água e o óleo” em http://www.rel-uita.org/agricultura/palma_africana/index.htm)
A carta aberta diz que “enquanto a morte e o terror continuam percorrendo os campos do Bajo Aguán, e o regime criminaliza a luta camponesa e aprofunda a militarização do território, seu titular Porfirio Lobo garante que avança o processo de pacificação e reconciliação do país, conseguindo assim que a Organização de Estados Americanos (OEA) e outras instâncias internacionais reincorporaram o Estado de Honduras como membro ativo com plenos direitos. Também dão rédea larga aos planos ambiciosos de investimento, endividamento e ocupação territorial do país a fim de aprofundar o saqueio e a depredação. Longe de atingir essa pacificação e reconciliação, o povo hondurenho sofre os embates de um sistema colapsado.”
“A partir de junho deste ano e com o comparecimento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco Mundial, os Estados Unidos e outros, com a justificativa de uma nova iniciativa Regional Centro- americana de Segurança que se supõe indicada para melhorar o combate ao narcotráfico e outras formas de crime organizado, está se consolidando um forte apoio e abastecimento justamente aos setores mais implicados nele. Esta nova transnacionalização de um muito particular conceito de segurança, sempre sob o domínio dos Estados Unidos, já tem muitos antecedentes no país e na região, incluindo o ‘capítulo de segurança' incorporado ao NAFTA, cujos resultados no México estão a olho nu. Também não podem ignorar-se seus vínculos com as políticas de investimento, endividamento e controle territorial que no Bajo Aguán e as áreas costeiras Garífunas, entre outras partes de Honduras, buscam impor seus projetos de saqueio reverdecidos- ‘energia renovável', ‘reflorestamento ecológico' e ‘ turismo sustentável'- por sobre a resistência das comunidades, cujas possibilidades de vida estão cada vez mais violentadas.”
O Movimento Camponês solicita, entre outros temas, que: “a Organização de Estados Americanos proceda com urgência a nomear uma Comissão de Verificação da situação do Bajo Aguán, com apoio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)”. Também exorta “Instituições Financeiras Internacionais, investidores e ‘doadores' internacionais a que suspendam toda operação que afeta a região, até sua necessidade e legitimidade sejam comprovadas sob a perspectiva dos direitos das comunidades afetadas”.
Concluindo a carta aberta, faz- se especial ênfase nas exigências às autoridades hondurenhas, que devem respeitar os compromissos assumidos diante da comunidade internacional de: zelar pelos direitos humanos terminando com a criminalização dos movimentos camponeses; deter os despejos forçados, impedindo o avanço da agroindústria sobre a soberania alimentar e territorial e a desmilitarização da região.
Fazemos um apelo à solidariedade da comunidade internacional com o povo hondurenho e a estar alerta diante da situação de grave perigo que se apresenta neste país e especialmente na região do Bajo Aguán.
Estes dois casos são representativos de outros muitos que ocorrem na América Latina, África e Ásia, em que os responsáveis de implementar um modelo industrial extrativista em grande escala e de promover o consumo excessivo segundo as regras do capitalismo global, respondem com criminalização, repressão, militarização e morte àqueles que se opõem a entregar sua terra, territórios, cultura e formas tradicionais de produção em favor de uma feroz mercantilização da natureza.