No México, o desmatamento avança em ritmo acelerado, ao compasso de diversos megaprojetos: a rápida expansão de monoculturas industriais de dendezeiros e plantações de jatrofa para a produção de biocombustível; a construção de barragens; as concessões mineiras; a criação de centros de reassentamento de complexos pré- fabricados em locais estratégicos de extração de recursos e reconversão da terra; o turismo em grande escala; as estradas, que viabilizam os projetos.
O chamado “desenvolvimento" embrenha-se não apenas na floresta mas em territórios indígenas e comunidades camponesas cuja resistência à expulsão- definida como "cultural e física”- tem sido violentamente reprimida, deixando um saldo dramático de detentos, feridos e mortes.
A expansão dos negócios aproveita agora o grave problema da mudança climática, uma de cujas causas- embora não seja a primeira- é o desmatamento.
Os interesses que lutam com todas as forças para não modificar um sistema econômico que confluiu para esta ameaça mundial, tentaram encontrar a virada do problema e criaram- entre outros vários subterfúgios- o mecanismo denominado REDD (redução de emissões por desmatamento e degradação de florestas). Esta estratégia, que atribui valor financeiro ao carbono- expressado em "créditos de carbono"- contido nas árvores, conta com o argumento de ser um incentivo econômico para que os países em desenvolvimento considerem mais rentável proteger as florestas do que cortá-las.
A outra face da moeda é que, por um lado, os países ricos que compram os créditos de carbono podem continuar poluindo, e por outro lado, as comunidades que dependem das florestas são expulsas e têm o acesso negado a locais que até agora consideravam suas terras.
O governo mexicano está filiado à concepção mercantil das florestas, consideradas como meros reservatórios de carbono, e tem acolhido com entusiasmo a estratégia REDD. Como documenta Gustavo Castro Soto (1), o estado de Chiapas “toma a dianteira na corrida pelo negócio da mudança climática, colocando suas florestas, selvas e plantações de monoculturas a serviço do mercado de carbono. Mais uma vez, o subsídio do estado às empresas é moldado no negócio da crise climática com a participação de ONGs conservacionistas empresariais, transnacionais, a serviço do lucro ambiental... Assim, desde 2009, o governo de Chiapas iniciou a construção do Programa de Ação diante da Mudança Climática em Chiapas (PACCCH) financiado pela embaixada britânica e Conservação Internacional (CI) como ator chave para seu desenvolvimento".
O relatório informa que os projetos- piloto que tem Conservação Internacional para 2011 em Chiapas- onde existe um milhão 300 mil hectares considerados reservas naturais, das quais quase 50 por cento estão na selva Lacandona- entram no esquema do acordo assinado em novembro de 2010 entre os governadores da Califórnia, Arnold Schwarzenegger; de Chiapas, Juan Sabines Guerrero; e do Acre- Brasil, Arnóbio Marques de Almeida Junior, no contexto da Terceira Cimeira Global de Governadores diante da Mudança Climática celebrada na Califórnia, Estados Unidos. Esse acordo estabelece as bases para iniciar um mercado de compra e venda de bônus de carbono, integrando REDD e outras atividades de carbono florestal aos quadros reguladores dos Estados Unidos e outras partes.
Isso implica que as autoridades de Chiapas devem gerar as condições para a compra de bônus de carbono.
Daí o convênio que em dezembro de 2010 subscreveu o governador de Chiapas com as comunidades da Selva Lacandona, que, como anuncia o mencionado relatório, serão usadas pelo governo “para confrontar-se com outras organizações e comunidades indígenas e camponesas ao promover sua expulsão inclusive com violência”. Nesse sentido, o governador de Chiapas arengou os comuneiros com estas palavras: “vocês vão comprometer-se a cuidar das reservas, (a) que ninguém entre nelas, a cuidar que ninguém retire as árvores, a cuidar que ninguém entre para caçar, vão cuidar dela para todo o planeta, para todo Chiapas, para todo o México, para toda a humanidade vocês vão cuidar dela.” Contudo, para as regiões contíguas excluídas da área destinada à venda de carbono, o governo garantiu que continuará a expansão das agroindústrias, dos complexos turísticos, das plantações industriais de dendezeiro, entre outros empreendimentos.
O projeto REDD tem como cenário uma região onde as comunidades camponesas, como descreve Jeff Conant em um exaustivo relatório do percurso recentemente realizado pela área (2), têm convivido com a selva abrindo espaços produtivos para plantarem milho e feijão, mas resistindo aos empreendimentos destrutivos da agroindústria: pecuária, desmatamento ilegal de madeiras preciosas, exploração petroleira.
A resposta das autoridades foi a aplicação de programas arbitrários de “proteção florestal”. Criaram reservas excludentes, como a Biosfera Montes Azules, e expropriaram diversas áreas contíguas. Contudo, o movimento camponês em defesa de seu território, recursos e cultura indígena iniciado pelas comunidades de Amador Hernández- área núcleo da Reserva de Montes Azules, e outras dezenas das regiões vizinhas, conseguiu deter em 2008 a execução da expropriação.
Mas as pressões têm sido fortes. Os investidores do projeto REDD+ ,incentivado pelo governo estatal e federal para ser apresentado em Cancun na COP16, exigiam a certeza jurídica sobre o território. Diante disso, segundo denuncia o COMPITSCCH (Conselho de Organizações de Médicos e Parteiras Indígenas Tradicionais pela Saúde Comunitária em Chiapas) (3), em abril de 2010, sem aviso prévio nem explicação, o governo retirou o pessoal médico e suspendeu o fornecimento de medicamentos e os traslados aéreos para os casos urgentes na região Amador Hernández. Com certeza, isso foi com o intuito de punir e dobrar uma região com histórico de resistência. Esta medida, em um contexto de histórica medicalização indiscriminada e falta de ações de promoção e educação para a saúde, disparou a morbidade. E foi por esta fenda de dependência- a saúde regional medicalizada- por onde se tentou dobrar, por morte e doença, os rebeldes, as crianças e idosos primeiramente.
Conforme relata o COMPITSCCH, “As crianças, carentes de vacinas, têm adoentado às centenas e dezenas deles tiveram que ser transladados de emergência a centros hospitalares, como o hospital San Carlos no município vizinho de Altamirano. As febres não recuam e mantêm elevados picos febris durante semanas; alguns deles apresentam quadros de asfixia e de dedos azulados, outros desenvolvem uma persistente tosse seca típica da tosse ferina. Há casos de convulsões por dificuldades respiratórias, e ocasionais desmaios, mas nestes casos parece que a causa estaria em um mar de parasitas que entopem as vias altas".
No início deste mês, a assembléia comunitária de Amador Hernández enviou uma carta aberta (4) a autoridades do governo federal reclamando o restabelecimento do serviço de saúde e exigindo ao governo de Chiapas, entre outras coisas: “que suspenda o projeto REDD+ estatal na Comunidade Zona Lacandona por constituir um plano de contra insurgência que promove o confronto com as comunidades vizinhas" e "que deixe de enganar os povos indígenas sobre o objetivo climático do projeto REDD+ em Chiapas e declare seu propósito real: conservar e recuperar a biodiversidade das áreas mais ricas para entregá-las ao controle e exploração transnacionais".
Esta carta foi apoiada e transmitida como alerta de ação internacional por varias organizações sociais de diferentes países do mundo, que chamaram a firmá-la e enviar nome, afiliação institucional (se tiver), país, e endereço de correio electrônico para: contact@globaljusticeecology.org
A assembleia da comunidade Amador Hernández de Chiapas tem claro o significado do projeto REDD+:“Para os povos indígenas que livre e com valentia tem decidido caminhar seu destino em um caminho diferente do regime político e sistema econômico aquele que tuvo volta mercadoria e lixo, o mal governo envia doença e morte lentas, e projetos que fortaleçam sua confrontação intercomunitária, hojr pagada com os recursos do REDD+. E tudo planejado em nome e ao serviço da humanidade.”
Artigo elaborado en base à informação obtida de:
(1) “EnREDDar a Chiapas”, El Escaramujo, Gustavo Castro Soto, Otros Mundos AC/Amigos de la Tierra México, http://www.otrosmundoschiapas.org/index.php/component/content/article/118-el-escaramujo/897-el-escaramujo-enreddar-a-chiapas.html
(2) A Broken Bridge to the Jungle: The California-Chiapas Climate Agreement Opens Old Wounds”, by Jeff Conant, Communications Director at Global Justice Ecology Project, correo electrónico: jefeconant@gmail.com, http://climate-connections.org/2011/04/07/a-broken-bridge-to-the-jungle-the-california-chiapas-climate-agreement-opens-old-wounds/ ,
(3) “La salud como instrumento de represión y exterminio: El caso de la región Amador Hernández, Reserva de la Biosfera de Montes Azules”, pronunciamiento del Consejo de Organizaciones de Médicos y Parteras Indígenas Tradicionales por la Salud Comunitaria en Chiapas (COMPITSCCH), http://wrm.org.uy/paises/Mexico/COMPITSCCH.pdf
(4) “Alerta de acción: Retiro de Servicios de Salud en Amador Hernández, Chiapas, en avance del REDD +”; http://www.globaljusticeecology.org/connections.php?ID=544