Moçambique: plantações industriais de árvores prometem lucros para investidores, deixando impactos negativos para comunidades camponesas

A cifra oficial da área de plantações industriais de monocultivos de árvores em Moçambique é de 62 mil hectares em 2010, conforme a FAO, a organização da ONU para agricultura e alimentação. No entanto, Moçambique está na mira de financiadores que querem multiplicar esta área várias vezes. Vindos da Europa, Estados Unidos, Brasil e África do Sul, eles pretendem financiar uma ampliação para cerca de 1,4 milhão de hectares, sobretudo com eucaliptos e pinus, mas também com dendê, conforme um estudo sobre a concentração de terras (land grabbing) no país, realizado pela organização camponesa UNAC e a Justiça Ambiental/Amigos da Terra Moçambique em 2011. (1)

Para orientar investidores, a Poyry, empresa finlandesa de consultoria “florestal”, afirmou em 2011 que existe um interesse crescente de investidores no continente africano porque há terras disponíveis, a mão de obra é barata e as árvores crescem de forma competitivamente rápida. A consultora afirma ainda que as plantações podem servir para atender à crescente demanda de biomassa para energia na Europa, mas também abastecer mercados de celulose e madeira na Ásia e servir para desenvolver mercados locais. Segundo a Pöyry, são todas ”oportunidades atrativas para investidores florestais”. A empresa avisa ainda que, pelo valor de 7 mil libras, cerca de 11 mil dólares, potenciais investidores podem adquirir o estudo completo com informações detalhadas de 24 países, inclusive Moçambique. (2)

Dos países nórdicos da Europa – Noruega, Suécia e Finlândia –, com grandes empresas no setor de plantações de árvores e na indústria de processamento da madeira, está vindo uma boa parte dos investimentos em plantações para Moçambique, através de empresas e fundos. Por exemplo, a empresa norueguesa Green Resources – “Recursos Verdes” – promete investir em cerca de 180 mil ha de plantações de pínus e eucaliptos, através de plantios próprios e de terceiros, com fins diversos, inclusive para “armazenar e vender carbono” através de mecanismos como MDL e REDD, nas províncias de Nampula, Cabo Delgado e Niassa. A estratégia é garantir um lucro máximo e de longo prazo a seus acionistas, prometendo margens de lucro superiores às prometidas por outros investidores. Entre os acionistas da Green Resources, a empresa de investimentos estadunidense Phaunos Timber é o principal, com 29,5% (3). A Phaunos Timber detém em torno de 0,519 bilhão de dólares em títulos de investimentos em diferentes empresas com atividades relacionadas a madeira e plantações florestais, chamados, em inglês, de investimentos do tipo “timberland” (4 e 5). O outro investidor principal na Green Resources também é um fundo de investimentos chamado NewAfrica Ltd., com 20.7%; além disso, há outros investidores com menor participação acionária, vindos da Europa, por exemplo, uma das principais empresas de seguros da Noruega, a Storebrand.

O interesse nórdico em Moçambique se expressa também através do Global Solidarity Forest Fund (GSFF), um fundo de investimento com sede na Suécia e que conta com recursos da Igreja Luterana da Suécia e da Igreja Luterana da Noruega, através da chamada Norwegian Lutheran Church Endowment (OVF). Outro investidor na GSFF é o fundo de pensão holandês para funcionários públicos e o setor de educação, a ABP. Este fundo de pensão é um dos três maiores do mundo e entrou no negócio de plantações em Moçambique afirmando que: “Fizemos este investimento [no GSFF] pelo potencial de retornos atrativos”, ou seja, pelos lucros que podem ser obtidos. Este Fundo detém um volume de ativos total de nada menos do que US$ 362 bilhões (6).

Também há empresas de outros países atuando, como a New Forest Company (NFC) do Reino Unido, que investiu em Mozambique através da Fundação Malonda, uma agência estatal do governo Moçambicano que busca fomentar o desenvolvimento rural na província de Niassa, dando atenção especial à expansão das plantações e tendo estabelecido diferentes empresas como a Chikweti. O projeto é plantar 40 mil ha de monocultivos de árvores, dos quais 3.200 ha foram de fato plantados entre 2007 e março de 2011. Esta empresa também oferece “lucros atrativos” para seus investidores. (7) De acordo com a OXFAM, a NFC tem atraído investidores como o Banco Europeu de Investimentos e a Agri-Vie, esta última, um fundo de investimentos voltado ao agronegócio com foco na África. Entre outros, a Agri-Vie conta com recursos do IFC, o braço do Banco Mundial para financiar o setor privado, e do Banco transnacional HSBC. (8) Da vizinha África do Sul, com grandes empresas no setor de plantações industriais de árvores, chegou a Komatiland Forests Ltd, que comprou 80% da iniciativa estatal IFLOMA em Manica, em 2004, conforme a empresa, uma localização considerada ideal para servir o mercado sul-africano, apesar de que também aponta Zimbábue e Moçambique como potenciais mercados. (9)

Há alguns investimentos previstos também na monocultura de dendê, por exemplo, da Medenergy Global, uma empresa com sede no Reino Unido, mas que pertence a uma família Italiana que fez fortuna no setor de energia, com um projeto de 10 mil ha na província de Cabo Delgado (1), enquanto um projeto anunciado em 2011 pela transnacional VALE, do Brasil, e a EMBRAPA, a empresa estatal brasileira de pesquisa na área agrícola, pretende plantar 30 mil ha de dendê no país (10). A VALE, uma das principais empresas de mineração do mundo, já está envolvida em plantações de dendê no Brasil com o objetivo de produzir combustível “verde” para seus trens que carregam o minério de ferro no Pará, na Amazônia, para os portos de exportação.

Por último, a SIDA, a agência Sueca de cooperação internacional para o desenvolvimento, também tem financiado a Fundação Malonda, em Niassa, visando incentivar as plantações de árvores. Niassa é, sem dúvida, uma das províncias mais visadas para a expansão das plantações nos anos recentes. A expansão de pínus e eucalipto nesta região já têm causado diversos impactos negativos, sobretudo conflitos pela terra entre as comunidades e empresas como a Chikweti, que se apropriaram de áreas indispensáveis para a produção de alimentos dessas comunidades. Portanto, a expansão das plantações causa ameaças à soberania alimentar e tende a aumentar as desigualdades da região em um país onde 64% da população são rurais e 55% vivem abaixo da linha de pobreza; há, também, conflitos entre trabalhadores e empresas em relação às condições de trabalho.

Conforme afirma a SIDA, o país é um dos principais para sua cooperação internacional, devido ao “trabalho metódico do governo de Moçambique em relação ao combate à pobreza”. (11) No entanto, organizações como a de camponesas e camponeses moçambicanos, UNAC, têm denunciado que os investimentos em plantações de árvores em grande escala tendem a causar exatamente o contrário: o aumento da pobreza. Enquanto, na Suécia, o setor de plantações para produção de madeira para celulose/papel e outros usos se tornou um dos principais setores da economia, em Moçambique, conforme afirma a UNAC na sua última assembleia, este tipo de investimento pode ter um efeito muito diferente: “A insistência e incidência do Governo por mega projectos vai beneficiar, desproporcionalmente, os grandes poderes corporativos transnacionais, pondo em causa a essência da nossa vida como camponeses. Algumas pessoas e determinadas instituições confundem que os mega projectos vão reduzir a pobreza, mas a UNAC entende que enquanto os rendimentos dos mesmos não resultarem numa distribuição nacional equitativa da renda, com vista a dinamizar outros sectores como a agricultura familiar (produção de alimentos), o efeito poderá ser precisamente o contrário, pois os mega projectos poderão alienar e aprofundar a precarização dos camponeses”. (12)

Esta breve descrição do financiamento para plantações em Moçambique mostra que existe uma grande participação de diversos tipos de fundos de investimento, de forma direta – e indireta – que, com autorização do governo Moçambicano, vêm aplicando milhões de dólares e euros em aquisição de terras e plantio de monoculturas de árvores no país. No entanto, é preciso um diagnóstico mais detalhado para saber com precisão quais são exatamente esses fundos, quem está por trás e como operam. O que é possível concluir e o que une todos os investidores é a busca por “retornos atrativos”, ou seja, a perspectiva de lucros, o motivo principal para os investidores se envolverem nos projetos, e a mensagem e a promessa principais que a empresa de consultoria finlandesa Pöyry faz a todos eles.

No entanto, para o povo Moçambicano do campo, que em nenhum momento é consultado sobre se quer ou não esse tipo de investimento que está aumentando a área ocupada por plantações de monoculturas de árvores no entorno das suas comunidades, essa expansão tem resultado, na prática – por exemplo, em Niassa – em uma série de impactos negativos muito graves. Como prevê também a UNAC, mais expansão das plantações em grande escala promete dificultar ainda mais a luta árdua das camponesas e dos camponeses moçambicanos pela sobrevivência.

Fontes: (1) http://www.unac.org.mz/index.php/publicacoes/35-os-senhores-da-terra-analise-preliminar-do-fenomeno-de-usurpacao-de-terra-em-mocambique ; (2)http://www.poyry.co.uk/sites/www.poyry.co.uk/files/162.pdf e http://www.poyry.com/sites/default/files/imce/files/africanplantationforestry_-_june2011-lfwp-br.pdf; (3)http://www.greenresources.no ; (4) http://www.phaunostimber.com/profile.html ; (5)http://www.wrm.org.uy/boletim/182/opiniao.html ; (6) http://www.wrm.org.uy/publicaciones/EJOLT_POR.pdf ; e http://en.wikipedia.org/wiki/Stichting_Pensioenfonds_ABP (7) http://www.newforests.net/ ; (8)http://www.oxfam.org/en/grow/policy/new-forests-company-and-its-uganda-plantations-oxfam-case-study; (9)http://www.safcol.co.za/index.php?option=com_content&view=article&id=41&Itemid=13; (10)http://cade.cocolog-nifty.com/file/Mozambique-GRAIN.pdf; (11) http://www.sida.se/English/Countries-and-regions/Africa/Mozambique/Our-work-in-Mozambique/ ; (12) http://www.unac.org.mz/