O modelo de concessão no Sudeste Asiático: fechando o círculo?

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Land cleared in preparation for a Vietnamese rubber plantation, southern Laos Miles Kenney-Lazar, 2009.

Uma plantação é uma máquina que reúne terra, trabalho e capital em grandes quantidades com o objetivo de produzir monoculturas para um mercado mundial. É intrinsecamente colonial, baseada no pressuposto de que as pessoas da região são incapazes de produzir com eficiência. Assume o controle da vida: espaço, tempo, flora, fauna, água, produtos químicos, pessoas. É de propriedade de uma grande empresa e administrada segundo linhas burocráticas.

Tania Li, Plantation Life, Duke University Press, 2021

 

As lutas pela terra cumpriram um papel importante nos movimentos anticoloniais de meados do século XX no Sudeste Asiático. Em alguns casos (por exemplo, no norte do Vietnã), os alvos eram principalmente proprietários locais que se beneficiavam de sua associação com o regime colonial. Eles tinham propriedades de uns poucos hectares, no máximo. Em outros lugares, no entanto, foram os proprietários de plantações muito maiores (franceses na Indochina, holandeses na Indonésia, britânicos na Birmânia e na Malásia, e estadunidenses nas Filipinas) que se tornaram alvo do ímpeto independentista, e sua associação com a desigualdade acentuada levou os movimentos de independência para a esquerda.

Diante desse histórico, há claras ironias na retomada do modelo de concessões no século XXI, principalmente porque países com histórico de reformas agrárias socialistas parecem ter aplicado o modelo com especial entusiasmo. Pequenos agricultores no Camboja, no Laos, em Mianmar e no Vietnã vivenciaram expropriação de terras por meio de apropriações disfarçadas de concessões. Em países como Filipinas, Indonésia e Tailândia, que decretaram reformas redistributivas preventivas para compensar a agitação rural, as concessões fazem parte de uma reconcentração da propriedade da terra. Isso levanta questões sobre as razões para essa volta do modelo de latifúndio em grande escala e seus impactos sobre os pequenos proprietários e as florestas da região.

Essencialmente, o modelo de concessão envolve uma agência do governo que dá a uma empresa comercial o direito de extrair recursos em grande escala e/ou usar a terra para cultivos perenes ou anuais, geralmente na forma de arrendamentos de longo prazo. As concessões incluem não apenas plantações agrícolas, mas também outras atividades como silvicultura (florestamento e plantações de árvores de rápido crescimento), mineração, pedreiras, energia hidrelétrica, turismo e desenvolvimento industrial – este último muitas vezes nas chamadas zonas econômicas especiais, que têm leis trabalhistas e ambientais diferentes das do resto do país em questão. Muitas concessões no Sudeste Asiático, mas longe de serem todas, são para empresas de países vizinhos. Na parte continental dessa região, os governos dos países menos industrializados – Camboja, Laos e Mianmar – celebraram contratos de concessão principalmente com empresas da China, da Tailândia e do Vietnã. Empresas de Cingapura e da Malásia investem no dendê indonésio.

São muitas as consequências sociais e ambientais do modelo de concessões. A terra que é concedida para monoculturas muitas vezes faz parte de sistemas agrícolas extensivos, às margens de planaltos, em terras que costumavam ser cultivadas em sistema de cultivo itinerante por minorias étnicas. As áreas em pousio dentro desses sistemas são classificadas como “terras devastadas” pelas autoridades. As concessões também estão implicadas no desmatamento generalizado, em uma região onde a perda ou a degradação florestal foram mais rápidas do que em qualquer outra parte do mundo.

Existe uma ligação estreita entre as concessões florestais e as concessões de terras. Na Tailândia, até 1989, grande parte das terras florestais do país fora dos parques nacionais e santuários de vida selvagem eram dadas como concessões madeireiras. Naquele ano, a preocupação com os impactos ambientais e humanos da exploração madeireira levou ao cancelamento dessas concessões, muitas das quais abriram áreas florestais para infraestrutura rodoviária e trouxeram mão de obra que resultou no desmatamento de áreas que haviam sido derrubadas por pequenos proprietários. Após o cancelamento das concessões madeireiras, o Real Departamento Florestal deu concessões a grandes investidores para o plantio de culturas arbóreas, incluindo eucalipto e seringueira, em nome do reflorestamento. O polêmico Plano de Ação de Florestas Tropicais (TFAP) do Banco Mundial, de final da década de 1980, estava implicado nessa política de concessões. O resultado foi anos de conflito entre essas plantações e os pequenos proprietários, principalmente pobres, cujas terras não tituladas foram confiscadas, alguns dos quais não tiveram outra opção a não ser desmatar ainda mais para sobreviver. Entre eles, estavam as etnias lao e khmer, no nordeste da Tailândia, e grupos indígenas das terras altas, como os karen, ao norte. No Camboja, o cancelamento das concessões madeireiras na década de 1990 foi seguido pela concessão de terras para fins econômicos, que em princípio seriam usadas para cultivo comercial. Na verdade, grandes extensões de terra foram desmatadas para criar essas fazendas, mas elas nunca foram plantadas, pois o lucro principal estava na madeira e não nas plantações em terras muitas vezes marginais. Um processo semelhante ocorreu em Kalimantan, na Indonésia.

No Camboja, que perdeu mais de um quarto de suas florestas desde 2000, estudos sugerem que uma combinação de concessões florestais e de terras para atividades econômicas é responsável por 30% do desmatamento ocorrido no mesmo período. Além disso, outra parte significativa é o desmatamento feito por aqueles que foram deslocados pela concentração de terras nas mãos de atores econômicos maiores. Na província de Ratanakiri, no nordeste do país, a paisagem outrora florestada foi essencialmente transformada em apenas duas décadas, pois as terras indígenas foram perdidas para as concessionárias que cultivavam árvores, como seringueira e cajueiro. Muitos membros da etnia khmer que ficaram sem terras se mudaram das terras baixas para cultivar plantações em pequenas propriedades que foram escavadas em áreas antes florestadas ou que faziam parte de ciclos de pousio de indígenas que praticavam o cultivo itinerante.

Por que os governos dessa região, que chegaram ao poder em parte com base em reinvindicações de terras contra regimes anteriores, estavam tão dispostos e capazes de empregar o modelo de concessão, desapropriando seus próprios cidadãos? Para responder a essa pergunta, é necessário examinar os legados dos sistemas socialistas, a ideologia desenvolvimentista, as estruturas político-econômicas e os padrões transnacionais de investimento.

À medida que adotaram a produção voltada ao mercado, os países que historicamente aplicaram os modelos e princípios socialistas de posse da terra mantiveram o controle estatal sobre grandes partes dos territórios nacionais. Vietnã, Laos e Camboja experimentaram uma combinação de coletivização e agricultura, silvicultura e extração de madeira sob controle do Estado. Na década de 1980, as reformas voltadas ao mercado levaram à retomada da pequena agricultura, mas grandes áreas foram reservadas sob a gestão do Estado. Isso facilitou a concessão de arrendamentos de longo prazo a investidores nacionais ou estrangeiros sobre áreas de milhares de hectares. Em Mianmar, a organização socialista da agricultura foi implementada principalmente por meio de políticas de compras estatais, em vez de controle estatal direto ou coletivo, mas dentro desse sistema, os agricultores eram informados sobre quais culturas plantar e obrigados a entregá-las a preços abaixo do mercado. À medida que o país se abriu economicamente a partir da década de 1990, os militares se juntaram a indivíduos ricos no que muitas vezes é chamado de apropriação de terras entre compadres, com base na continuidade da propriedade estatal segundo a constituição do país e na aplicação do modelo de concessões.

A economia política de cada país molda os caminhos e padrões das concessões. No Camboja, o partido no poder conquistou e se apropriou do poder político por meio do clientelismo, no qual têm se destacado as concessões sobre os recursos florestais e terrestres do país. Muitas dessas concessões, portanto, estão nas mãos de poderosos atores domésticos, mas investidores vietnamitas, tailandeses e chineses também receberam grandes concessões para cana de açúcar, seringueiras e outras culturas, bem como para o turismo e atividades industriais.

O modelo de concessão se encaixa bem nas ideologias de modernização, principalmente na era neoliberal globalizada em que políticas como a “transformação da terra em capital” do governo do Laos deveriam catalisar um movimento de “retrocesso” para práticas agrícolas modernas. Por trás dessa ideologia, no entanto, estão muitas suposições altamente questionáveis, incluindo a eficiência relativa de propriedades maiores em comparação com as plantações das mesmas culturas por pequenos proprietários; dos benefícios que a agricultura lucrativa liderada por investidores deve trazer para o bem-estar rural; e a restauração de terras supostamente degradadas por meio do modelo de concessões. O que não deixa dúvidas é que o modelo atende aos interesses de investidores empresariais e de funcionários públicos envolvidos na outorga de concessões. Isso ocorreu à custa não apenas da cobertura florestal remanescente do Sudeste Asiático, mas também dos pequenos proprietários da região, cujo deslocamento e rupturas de meios de subsistência terão impactos duradouros.


Philip Hirsch
Professor Emérito de Geografia Humana, Universidade de Sydney