Os grandes projetos de infraestrutura em florestas: construindo uma base sem fundamento

Se pedirmos a alguém para listar algumas das principais causas de desmatamento das florestas tropicais, é comum ouvir falar, por exemplo, em mineração,  extração de madeira, petróleo e gás, pecuária extensiva ou agricultura industrial.  No entanto, é muito menos comum ouvir falar em projetos de infraestrutura, transporte e energia. São projetos  indispensáveis para escoar, armazenar e/ou exportar o minério, a madeira, o petróleo, a soja, a carne, a eletricidade, etc. para fora das áreas de florestas e para fora do país, rumo a grandes centros de produção e consumo.

O WRM decidiu dedicar este boletim especial ao tema infraestrutura e florestas, devido a essa relação fundamental entre infraestrutura e atividades causadoras da destruição florestal. Se infraestrutura significa a base ou o fundamento de um sistema, podemos concluir que esse sistema,  ao qual a infraestrutura está servindo, é destrutivo porque deixa um lastro de floresta arrasada. Isso ocorre não só através de minas a céu aberto ou grandes áreas de pastagens, mas também pela própria construção da infraestrutura no meio da floresta: estradas, gasodutos e oleodutos, linhas de transmissão de eletricidade, etc., formando uma verdadeira rede interligada de destruição.

Os conflitos entre empresas construtoras de grandes obras de infraestrutura e comunidades que dependem das florestas afetadas por essas obras já são grandes e tendem a aumentar.  As previsões futuras das atividades de mineração, gás e petróleo, pecuária e agricultura industrial em áreas de florestas tropicais falam em duplicação ou até triplicação nas próximas décadas (veja Boletim 188 do WRM), significando também um aumento proporcional em termos de grandes hidrelétricas, redes rodoviárias e fluviais, e portos. Para piorar, nós contribuímos de alguma forma para essas obras através de dinheiro de nossos impostos, transformados em empréstimos subsidiados para esse tipo de projeto, concedido por bancos públicos de desenvolvimento nacionais ou multilaterais. Há, também, fundos de pensão e outros fundos de investimento que fazem parte do sistema do capital financeiro e que investem em infraestrutura.

 

Muitas comunidades buscam resistir arduamente à “ofensiva” de projetos destrutivos, inclusive os de infraestrutura. Neste boletim, procuramos oferecer alguns elementos para que vocês possam ter uma visão geral dos planos de infraestrutura em nível das principais regiões e países com florestas tropicais na América Latina, na África e na Ásia. Além disso, buscamos analisar algumas tendências como a de crescente financeirização e privatização dos projetos de infraestrutura, que buscam, por um lado, mais lucratividade para acionistas das empresas que participam dos empreendimentos e investidores ligados aos mercados financeiro e, por outro,  acelerar ainda mais a implementação dos projetos.

Nessa conjuntura pouco animadora, nos parece relevante travar um debate sobre qual infraestrutura queremos e para quem? O que representa infraestrutura para comunidades que vivem nas florestas? Às vezes, elas são convocadas para um evento sobre o tema, como nas chamadas audiências ou “consultas” públicas sobre um oleoduto, uma nova estrada ou uma hidrelétrica. No entanto, esses projetos já costumam ser definidos de antemão em termos de sua implementação, inviabilizando a realização de uma consulta séria. Mas é ainda muito mais raro o governo chegar junto a essas mesmas populações para ouvir o que pensam de infraestrutura, ou seja, do que elas precisam para fortalecer as bases, os fundamentos que de fato ajudem a melhorar suas vidas. Por exemplo, em relação a economia, saúde, educação, transporte, energia e comunicação. Raramente os governos estão preocupados em saber dos problemas que as comunidades enfrentam e atender a demandas formuladas a partir das suas realidades, mas cumprem com todo o rigor as agendas de construção da infraestrutura desejada e exigida pelas grandes empresas.

Os planos elaborados a partir das demandas e junto com as comunidades provavelmente serão bons planos, que buscam melhorar a qualidade de vida porque partem da realidade local, e dificilmente terão um custo que chegue perto do valor das grandes obras bilionárias de infraestrutura a serviço dos donos das empresas de minério, petróleo, gás, madeira, do agronegócio, etc. Essas obras deixam dívidas que todos, nos países onde elas se realizam, terão que pagar futuramente, sem falar do lastro de destruição deixado na floresta. Esse tipo de obra de infraestrutura não cria nenhuma base e não constrói nenhum fundamento sólido para a população que depende da floresta, porque inviabiliza perspectivas de futuro.

 

Esperamos que comunidades afetadas por essas grandes obras, cada vez mais informadas, consigam se organizar, se articular e resistir cada vez mais para que suas lutas contra os projetos destrutivos, inclusive os de infraestrutura, se fortaleçam, e suas visões e propostas sobre a infraestrutura que realmente desejam possam começar a prevalecer. E que nós as apoiemos nisso!