Os projetos de carbono são projetos de morte

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Reunião comunitária sobre REDD e projetos de carbono. Amazônia brasileira, junho de 2024.


De 9 a 11 de julho de 2024, membros de povos indígenas, camponeses, tradicionais e afrodescendentes da região amazônica e da América Central se reuniram na Terra Indígena Alto Turiaçu, no estado brasileiro do Maranhão. O encontro foi promovido e organizado pelo Povo Ka’apor, por meio do seu sistema ancestral de organização, denominado Tuxa Ta Pame.

O objetivo era compartilhar experiências e discutir projetos de carbono florestal, muitas vezes chamados de REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal). Esse tipo de projeto aumentou muito em número nos últimos anos, não apenas na América Latina e na Amazônia, mas também na África e na Ásia.

Essa reunião no território Ka’apor foi diferente de outros encontros sobre o mesmo tema. Ela foi um espaço de e para ativistas e grupos comunitários, no qual eles compartilharam experiências, prioridades, preocupações e lutas de resistência, sem a presença de promotores de projetos de carbono.

Os participantes da reunião também decidiram fazer uma declaração coletiva. Nela, eles começaram esclarecendo que, quando falam sobre REDD, também estão incluindo projetos “criados seguindo a mesma lógica do REDD (por exemplo, quando se fala de projetos de carbono florestal, projetos de soluções baseadas na natureza ou programas jurisdicionais de REDD implementados por governos estaduais ou provinciais e governos nacionais, entre outros)”.

Eles prosseguem analisando como os promotores de projetos e programas de carbono florestal não são diferentes de outras empresas e atores que promovem o extrativismo. Na verdade, o REDD faz parte do mesmo modelo que há muito tempo vem se apropriando dos seus territórios e destruindo seus meios de subsistência, com o apoio do Estado. Os defensores do REDD usam as mesmas táticas de quem promove outros tipos de extrativismo, e com o mesmo objetivo: lucrar. Neste caso, a sua “commodity” são os “créditos de carbono”.

Os “créditos de carbono”, por sua vez, alimentam a perpetuação do modelo extrativista, por isso é mais correto chamá-los de “créditos de poluição”. De acordo com a declaração, os projetos de REDD – que incluem programas de “REDD jurisdicional” ou “REDD governamental” financiados por governos do Norte, como Noruega, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos – “busca[m] maiores benefícios econômicos para seus negócios [de REDD] e incentiva[m] o desmatamento, pois quanto mais desmatamento, mais negócios para as empresas que vendem créditos de carbono”. A declaração prossegue dizendo que “como outras falsas soluções para a catástrofe climática, chamadas de ‘exploração de petróleo não convencional’, ‘biocombustíveis’, ‘mineração responsável ou ouro verde’, ‘transição energética’, [o REDD] é uma maquiagem verde que permite que as empresas continuem seus negócios e poluindo”.

Devido a essa situação, os participantes da reunião chamaram os projetos e programas de carbono florestal de “projetos de morte”, em contraste com o “projeto de vida que é levado adiante pelos povos e comunidades, através do respeito e cuidado com nossos territórios”.

Os artigos deste boletim destacam diversas regiões onde a expansão dos projetos de carbono se tornou parte integrante do extrativismo. Considerando-se que esse modelo vem destruindo os territórios e meios de subsistência das pessoas há muito tempo, compartilhamos artigos sobre formas antigas e novas de extrativismo nos territórios das comunidades.

Por exemplo, no departamento de Vichada, na Colômbia, os impactos da mineração, das monoculturas e de outras formas de extração estão sendo agravados pela introdução de projetos de carbono, incluindo plantações estabelecidas com esse objetivo.

Atualmente, a terra de Papua é uma importante fronteira global para a expansão industrial do dendezeiro e o desmatamento. Mas também é território de centenas de Povos Indígenas. Um artigo deste boletim descreve a resistência de um desses grupos e a forma como o governo indonésio está permitindo não só uma grande expansão do dendezeiro, mas também que as empresas usem parte das suas áreas de concessão para vender créditos de carbono.

Em Corrientes, na Argentina, a comunidade luta contra os impactos geradas pelas serrarias que cercam suas casas, resultado da existência de milhares de hectares de monocultura de eucaliptos e pinos na região. Um levantamento realizado pela comunidade sobre os impactos dessas serrarias na sua saúde da comunidade mostra a inviabilidade mantê-las perto das casas, além de denunciar outra vez do próprio modelo de monocultura de árvores, imposto sobre a região pelas empresas como todo o apoio do Estado.

Outro artigo relata a importante vitória das comunidades de Edéa em Camarões, que se mobilizou para evitar que a empresa SOCAPALM que promove plantações de monocultura do dendê na região, fizesse o replantio nas áreas do entorno das comunidades. Numa declaração, uma associação de mulheres de Edéa afirma que “nos não aceitamos ficar na miséria pelos próximos 50 anos. Somos determinados para lutar para libertar nossa terras e conseguir espaços de vida para nossas crianças, as gerações atuais e futuras”.

Outro artigo relata uma luta camponesa no estado brasileiro do Pará, onde acontecerá a conferência anual da ONU sobre o clima em 2025. O governo do estado está aproveitando essa etapa para promover a ideia de uma “bioeconomia” ou “economia da vida” como solução para as crises do clima e do desmatamento. No entanto, essa “bioeconomia” – que se baseia em plantações industriais de dendê para biodiesel e outros produtos – está, na verdade, destruindo os territórios e os meios de subsistência das comunidades camponesas. E isso está ocorrendo em conluio com o governo do Pará.

Este último exemplo sintetiza as palavras finais da referida declaração, que aqui destacamos: “Estão nos matando desde a colonização. Atualmente, os projetos de petróleo, mineração, agronegócio, hidrelétricas e outros projetos de infraestrutura e projetos de compensação de carbono, como o REDD, juntamente com as políticas de Estado, continuam com o etnocídio de nossos povos, matando nossas culturas, idiomas, identidades, conhecimento e sabedoria. Nós dizemos Basta! Não ao REDD!”