A Costa Rica, atualmente, é reconhecida em nível mundial pelo esforço que realiza na conservação das florestas. Esse “êxito” é atribuído principalmente ao programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), predecessor do mecanismo de REDD na Costa Rica.
O PSA é um sistema de incentivos financeiros a cargo do Fundo Nacional para o Financiamento Florestal (FONAFIFO), um órgão do Ministério de Ambiente e Energia. Está orientado a proprietários(as) e detentores(as) da posse de florestas e plantações de árvores, a quem se paga pelas funções que cumprem suas florestas ou plantações, às quais se denomina “serviços ambientais”, entre os quais se reconhecem: mitigação de emissões de gases do efeito estufa; proteção da água para uso urbano, rural ou hidrelétrico; proteção da biodiversidade para sua conservação e uso sustentável, científico e farmacêutico, de investigação e melhoramento genético; proteção de ecossistemas e formas de vida e da beleza paisagística natural para fins turísticos e científicos.
Entretanto, o sistema apresenta graves debilidades ao se concentrar apenas nos chamados serviços ambientais, deixando de lado valores culturais, espirituais e sociais da floresta e da biodiversidade, bem como os respectivos impactos dessas omissões sobre comunidades locais e povos indígenas. Tampouco questiona as causas da degradação ambiental nem o consumismo depredador. Como concede apenas um pagamento por um período de tempo determinado, não oferece uma solução a aspectos como a redução da pobreza.
Além disso, este mecanismo não impediu que as florestas fossem ameaçadas por atividades como o turismo em grande escala ou o monocultivo de abacaxi e dendê. Mais do que isso, possibilitou que grandes empresas produzam madeira sob um conceito mercantilista, concentrando incentivos – como o PSA – para o estabelecimento de plantações monocultoras e abrindo a exploração de madeira da floresta e de outros agroecossistemas segundo critérios estreitos de rentabilidade e mercado.
No caso específico dos territórios indígenas, o PSA negocia os contratos com as Associações de Desenvolvimento Integral (ADI) inscritas no Conselho Nacional Indígena (CONAI), que é uma instituição de caráter oficial encarregada da gestão tanto dos assuntos indígenas quanto de sua relação com as instituições públicas. O governo mostra a distribuição de pouco mais de nove milhões de dólares entre todos os territórios indígenas do país como uma conquista do PSA. Apesar de haver casos exitosos, nos quais esses recursos foram usados de forma planejada e/ou distribuídos de maneira equitativa, em muitos territórios, essas verbas geraram tensões, pois alguns grupos se apropriaram desses fundos e os administraram de maneira subjetiva, favorecendo as famílias mais próximas ao seu entorno. Em territórios da etnia ngöbe, por exemplo, foram distribuídos vários milhões de dólares de PSA durante os últimos cinco anos. Mesmo assim, até o momento, não se conhece qualquer caso onde o uso desses fundos tenha servido para consolidar seus territórios, já que grande quantidade de terras ainda está em mãos de pessoas não indígenas. Isto é de fundamental importância, pois há territórios ngöbe onde mais de 60% da terra estão em mãos de pecuaristas não indígenas, que provocam desmatamento.
Como se mencionou anteriormente, o PSA é um antecedente do REDD no país. Segundo a estratégia que o governo da Costa Rica está implementando e que se publicou em finais de 2010, um dos principais atores desse processo são os territórios indígenas, principalmente porque ali se conserva uma parte importante das florestas do país. Com a implementação do REDD, o governo pretende consolidar ao menos 600 mil hectares que estão sob o atual sistema de PSA e agregar outros 750 mil hectares, além de recuperar a cobertura florestal em 12% do território nacional que se encontra em usos distintos de sua vocação florestal. Também se propõe a manter o Sistema Nacional de Áreas Protegidas.
Quaisquer políticas e mecanismos relacionados aos povos indígenas no país devem passar por um processo de consulta, com o objetivo de favorecer sua autonomia. Foi assim que a FONAFIFO contatou um grupo de indígenas de diversos territórios para que participem do processo oficial. O grupo inclui a Rede Indígena Bribri e Cabecar (RIBCA), formada por representantes de oito territórios indígenas da zona Atlântica da Costa Rica. Este grupo participou da elaboração de um plano nacional de consulta sobre o tema do REDD+ entre os Povos Indígenas, com apoio econômico da GIZ (Agência de Cooperação Alemã). O Plano de Consulta, segundo a RIBCA, foi elaborado com representantes dos quatro blocos regionais onde se agrupam os 24 territórios indígenas da Costa Rica. Em uma reunião no último mês de janeiro, a proposta do plano foi apresentada a representantes indígenas, que aprovaram seu marco geral. Nesse plano, é estabelecido, entre outras coisas, o sistema organizativo e de interlocução sobre o REDD+ com os Povos Indígenas, o qual é de conhecimento da FONAFIFO e da GIZ, mas não das comunidades.
Assim, no último mês de setembro, representantes de Associações de Desenvolvimento Indígena (ADIs) e organizações indígenas comunitárias, regionais e nacionais, deram a conhecer à Coordenadora deste tema na FONAFIFO, assim como a funcionários do Banco Mundial encarregados do tema, uma série de anormalidades e danos potenciais que a iniciativa de REDD+ acarretaria aos Povos Indígenas.
Segundo o Boletim da Mesa Nacional Indígena da Costa Rica, nessa reunião se propôs que, antes de implementar uma estratégia de REDD no país, é necessário superar alguns temas como: 1) a aprovação do Projeto de Lei 14.352, de Desenvolvimento Autônomo dos Povos Indígenas; 2) a segurança territorial: recuperação da terra, território e recursos naturais e da biodiversidade; 3) um plano consensual nacional de desenvolvimento para os Povos Indígenas; e 4) políticas públicas e programas específicos consensuais para os Povos Indígenas. Também se enfatizou que já existem mecanismos para a realização da consulta de REDD+, que foram reconhecidos, aceitos e aplicados pelo próprio Estado, e são os que se aplicaram na elaboração do Projeto de Lei de Desenvolvimento Autônomo dos Povos Indígenas. Portanto, enfatizaram que uma iniciativa como o REDD+ não pode ser decidida exclusivamente por um grupo das chamadas ADIs.
Da mesma forma, afirma-se que o governo tenta impor sua agenda política mesmo que os indígenas tenham a sua própria e que o Estado costarriquenho nunca tenha se preocupado com a recuperação de terras indígenas, apesar de haver uma Lei Indígena desde 1977. Segundo Pablo Nájera, indígena de Terraba, “no REDD+, simplesmente tratam de utilizar mal os indígenas, para avalizar o processo. Os indígenas nas comunidades não sabem nada sobre REDD+. Qual foi a grande participação indígena na definição da estratégia? Que processos se devem iniciar e por que agora? O REDD+ vai fazer parte da política indígena? A quem se venderá? Quem financia? Por quê?” Igualmente, AntonioNájera, do mesmo território, denuncia que sua família conserva há 30 anos uma propriedade que se dedica a fins educativos e à investigação científica, nunca recebeu apoio da FONAFIFO, e só agora ficou sabendo o que querem fazer com o REDD+, o que indica que não foi dada a mais mínima informação prévia às comunidades.
Embora seja verdade que na Costa Rica ainda não existe um acordo sobre REDD, o povo bribri – situado no Atlântico sul – sofre seus impactos. Membros da comunidade de Alto Durigna, dentro do território bribri, denunciaram a implementação do REDD em seus territórios. Esta comunidade indígena está alarmada com a intenção da FONAFIFO de aplicar esse mecanismo em cerca de mil hectares de florestas dentro de seu território, que, além disso, circunda os locais considerados sagrados pela cultura bribri. FilidencioCubillo, indígena bribri, manifestou:
“As florestas destas partes, não são apenas simples florestas; elas são locais sagrados para o nosso povo. Um deles, Surayo, é a origem da criação, da semente. Eles foram designados pelo próprio Sibu para dar vida à sua semente. O mesmo acontece com o cerro Namasol. É por esta razão que o mundo de fora não entende nossa maneira de ver, de sentir e de expressar a nossa espiritualidade. O mundo de fora vê tudo apenas pelo dinheiro, tudo é mercadoria para eles. Assim, expressamos nosso rechaço a este projeto que pretende conservar, entre aspas, parte dessas florestas. Dizem que são mil hectares, mas não sabemos quanto será. Defenderemos estas florestas. É a própria comunidade que se manifesta, e não gente de fora que vem nos fazer esquentar a cabeça”.
Se realmente se quisessem ajudar as comunidades locais e os povos indígenas, a solução deveria ser a promulgação de políticas públicas integrais que favoreçam o controle comunitário do território e os bens da Natureza, fortalecendo iniciativas já existentes, como a governança comunitária da floresta e a biodiversidade, garantindo as condições necessárias para um exercício real de seus direitos históricos e coletivos, como a autonomia e o controle de suas terras e dos territórios sob sua cosmovisão.
Mariana Porras Rozas, COECOCeiba-AT, Costa Rica, mariana@coecoceiba.org