Ao analisar a questão das áreas protegidas, é imprescindível conhecer a opinião daqueles que as habitam, já que a criação dessas áreas geralmente acarreta impactos nas populações locais. Nesse sentido, transcrevemos passagens da declaração dos Povos Indígenas da Mesoamérica perante o Primeiro Congresso Mesoamericano de Áreas Protegidas (março de 2003), a qual exprime com clareza seus pontos de vista e reivindicações. Nos considerandos, a declaração diz:
Boletim Nro 73 - Agosto 2003
Áreas protegidas e comunidades locais
O TEMA CENTRAL DESTE BOLETIM: ÁREAS PROTEGIDAS E COMUNIDADES LOCAIS
De 8 a 17 de setembro de 2003, terá lugar em Durban, África do Sul, o V Congresso Mundial de Parques. Dado que é um evento celebrado a cada dez anos e que, segundo os organizadores, “constitui o fórum mundial mais importante para definir a agenda das áreas protegidas”, dedicamos o presente boletim todo à polêmica questão das áreas protegidas e sua relação com as pessoas.Boletim WRM
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Agosto 2003
LUTAS LOCAIS E NOTÍCIAS
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19 Agosto 2003Hoje existe abundante documentação evidenciando como as comunidades indígenas são fortemente discriminadas na sociedade, como são exploradas por outros setores e como o seu direito a recursos de que dependem para garantir o sustento é praticamente ignorado. Além disso, muitos desses grupos moram em áreas onde organizações conservacionistas locais, nacionais e internacionais têm fortes interesses. No Congresso Mundial de Conservação de 1992, foram definidos novos princípios em matéria de conservação para projetos que afetam as comunidades indígenas, estabelecendo, assim, padrões e diretrizes de aplicação a serem promovidos pela Comissão Mundial sobre Áreas Protegidas, o WWF e a UICN. Alguns conceitos básicos contidos nesses princípios são:
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19 Agosto 2003O oleoduto Chade-Camarões estende-se ao longo de mil quilômetros de terras áridas e florestas equatoriais até o litoral africano. Ao chegar ao oeste dos Camarões, corre adjacente a uma antiga reserva de vida silvestre em que por séculos milhares de “pigmeus” indígenas Bagyeli dependeram da floresta para caçar e conseguir remédios. Como “compensação” por possíveis perturbações, o Banco Mundial, o governo holandês e o grupo internacional de conservação Tropenbos uniram-se, em 1999, para criar o gigantesco Parque Nacional Campo Ma’an. O objetivo declarado era proteger a floresta, mitigar a pobreza e permitir pesquisas científicas.
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19 Agosto 2003No final deste século, os parentes mais próximos do gênero humano, os grandes símios africanos, terão desaparecido em seu estado silvestre. As pressões combinadas da perda de hábitat e a caça de animais para consumo estão levando-os à extinção. A menos que se reduzam logo essas pressões parece que há poucas esperanças de que as povoações cada vez menores de gorilas-das-montanhas que moram nas matas, gorilas de terras baixas, chimpanzés e bonobos (chimpanzés pigmeus) possam manter-se por mais tempo.
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19 Agosto 2003Sem dúvida, a idéia de uma série de áreas naturais protegidas unidas por áreas adjacentes amortecedoras onde realizar atividades de baixa intensidade é atraente. Eventualmente, seria um esquema capaz de garantir a continuidade da paisagem ou hábitat, evitando a fragmentação provocada por atividades industriais como a agricultura e o florestamento em grande escala, a urbanização ou obras como estradas e barragens. Isso é o que apregoa a letra do projeto denominado Corredor Biológico Mesoamericano (CBM).
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19 Agosto 2003Para grande parte da população hondurenha, a Reserva de Biosfera de Rio Plátano é motivo de orgulho nacional, já que, à beleza da região, soma-se a sua riqueza biológica e cultural, cuja conservação estaria garantida para as futuras gerações. No entanto, uma outra parte da população – a mais importante – não acha a mesma coisa.
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19 Agosto 2003Ocupando cerca de 7.584.331 km2 (*), a grande Amazônia possui a floresta tropical úmida mais extensa do mundo, com flora e fauna que, por si só, constituem mais da metade da biota mundial, formada por centenas de milhares de plantas e milhões de animais, muitos ainda não identificados pela ciência ocidental. Ao mesmo tempo, as suas águas representam entre 15% e 20% de toda a reserva de água doce do planeta Terra, sendo que somente o grande rio Amazonas despeja 15,5% de águas não salgadas no oceano Atlântico.
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19 Agosto 2003Nas alturas dos Andes peruanos está sendo levada a cabo uma iniciativa única de conservação a cargo de indígenas, que procura preservar a grande variedade de batatas domésticas, que são um dos elementos mais importantes da biodiversidade da região. O “Parque da Batata” foi uma idéia de uma organização gerida por indígenas, denominada “Asociación Andes” (Associação Cultural Quíchua – Aimará - ANDES) e está sendo implementado por uma associação de seis povoados quíchua nas montanhas ao sul de Pisac no Vale Sagrado dos Incas.
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19 Agosto 2003Tombado pela Unesco como Patrimônio Natural da Humanidade em 1997, o Sundarban é o maior mangue não fragmentado do mundo. Hoje, no entanto, ele está prestes a ser destruído (ver os boletins 44, 66 e 72 do WRM), apesar da firme e ousada resistência – inclusive, até à morte – da população local à ação destrutiva de negócios que só visam ao lucro, principalmente da indústria de criação do camarão (ver o boletim 51 do WRM), bem como das atividades de exploração das companhias de petróleo e gás (ver os boletins 15 e 72 do WRM).
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19 Agosto 2003O Parque Nacional Kayan Mentarang, localizado no interior de Kalimantan Oriental, no Bornéu indonésio, limita com Sarawak, no oeste, e com Sabah, no norte. Com 1,4 milhão de hectares assim declarados, é a maior área de floresta tropical protegida do Bornéu e uma das mais vastas do sudeste asiático.
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19 Agosto 2003As Filipinas são consideradas um dos países mais ativos e progressistas da Ásia em termos de políticas e leis que reconhecem os direitos dos povos indígenas e garantem sua participação na tomada de decisões e no manejo das áreas protegidas. No entanto, são os próprios povos indígenas os que estão procurando o caminho adequado para garantir a conservação e o respeito por seus direitos.
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19 Agosto 2003Jordan Ryan, diretor, no Vietnã, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), está muito interessado no desenvolvimento sustentável. Em maio de 2002, foi lançada publicamente uma parceria entre agências de ajuda, ONGs e ministérios do governo, para proteger o meio ambiente no Vietnã. Nessa ocasião, Ryan anunciou que: “Se formos bem-sucedidos, um dia se dirá desta nova parceria que ‘fez do desenvolvimento sustentável uma realidade no Vietnã’”. Poucas semanas depois, desta vez, durante a assinatura de um projeto de 2 milhões de dólares denominado Vietnã Agenda 21, Ryan declarou: “O desafio é tornar real o desenvolvimento sustentável no Vietnã”.
NOSSO PONTO DE VISTA
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19 Agosto 2003Setembro de 2003 é um mês decisivo para o movimento ambientalista mundial. Nesse mês, terá lugar, em Cancun, México, uma nova rodada de negociações sobre comércio mundial, patrocinada pela Organização Mundial do Comércio. As organizações sociais e ambientalistas estão planejando fortes protestos contra a forma como as instituições de Bretton Woods continuam empurrando o mundo ladeira abaixo, em direção a mercados desregrados, um comércio internacional sem equidade e uma liberalização sem limites. Um processo dessa natureza, sem controle nem equilíbrio, sem a introdução de melhoras na gestão dos governos, sem regulamentação ambiental e empoderamento das comunidades locais, somente pode levar ao aumento da pobreza e à destruição ambiental.
GERAL
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19 Agosto 2003Trata-se com certeza de uma das evasões da realidade mais descaradas que já tenha sido pintada. O quadro “The Cornfield” (o campo de milho), de John Constable, finalizado em 1826 e que agora faz parte da nova exposição “Paraíso” da Galeria Nacional de Londres, evoca, no momento culminante do processo de cercado de terras, uma perfeita campina bucólica. Justamente no momento em que os camponeses eram expulsos de suas terras, seus cultivos eram destruídos, suas casas eram arrasadas e os opositores eram expulsos ou supliciados na forca, Constable conjura a Arcádia inglesa perfeita. Um cão acompanha um rebanho de ovelhas para a sombra profunda do bosquete em um dia de verão. Um rubente moço camponês bebe de um riacho que brilha no sol, enquanto os asnos pastam tranqüilamente atrás.
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19 Agosto 2003Passaram-se quase 30 anos desde que a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) reconheceu pela primeira vez, em seu 12° congresso, em Kinshasa, a necessidade de respeitar os direitos dos povos indígenas a suas terras ao estabelecer áreas protegidas. A resolução exortava governos e entidades de conservação a reconhecerem o valor das formas de vida dos povos indígenas e a idear formas para que os povos indígenas pudessem transformar suas terras em áreas de conservação sem terem de renunciar a seus direitos ou serem deslocados.
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19 Agosto 2003Coincidindo com o Congresso Mundial de Parques, o Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais e o Forest Peoples Programme estão lançando um novo livro: “Natureza cercada: povos indígenas, áreas protegidas e conservação da biodiversidade”. Escrito por Marcus Colchester, diretor do FPP, o livro traz uma revisão detalhada da experiência dos povos indígenas com áreas protegidas e faz contundentes recomendações sobre como é possível superar os atuais conflitos entre ambos, os quais, hoje, infelizmente, são a regra.
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19 Agosto 2003O primeiro “parque” do mundo, em Yosemite, Serra Nevada, Califórnia, era, na verdade, o lar da nação Miwok. As surpreendentes paisagens de Yosemite, resultado, em grande parte, dos sistemas indígenas de uso da terra, foram propostas para a conservação pelos próprios colonos e mineiros que doze anos antes tinham lutado, na “Guerra Índia da Borboleta”, contra os Miwok, os índios da região. Nessa luta desigual, as forças autorizadas pelo governo dos Estados Unidos perpetraram repetidos ataques contra os assentamentos indígenas. Os povoados indígenas foram totalmente queimados, para forçar os índios a abandonarem a área e os subjugar por meio de fome ou frio.
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19 Agosto 2003A Resolução 1.49 (Os povos indígenas e a UICN) exorta seus membros a considerarem a adoção e aplicação dos objetivos da Convenção 169 da OIT e a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), e a respeitarem o espírito do Rascunho da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. A Resolução 1.50 (Povos indígenas, direitos de propriedade intelectual e diversidade biológica) reconhece os direitos dos povos indígenas a suas terras, territórios e recursos naturais, bem como sua função na gestão, uso e conservação dos mesmos, como condição básica para atingir os objetivos da Convenção sobre Diversidade Biológica.