As Filipinas são consideradas um dos países mais ativos e progressistas da Ásia em termos de políticas e leis que reconhecem os direitos dos povos indígenas e garantem sua participação na tomada de decisões e no manejo das áreas protegidas. No entanto, são os próprios povos indígenas os que estão procurando o caminho adequado para garantir a conservação e o respeito por seus direitos.
A Lei de Sistema Nacional de Áreas Protegidas Integradas (SNAPI) foi aprovada em 1992, com o objetivo de criar um amplo sistema de áreas protegidas e incluir a participação das comunidades indígenas e locais na tomada de decisões e na gestão das áreas protegidas. A abordagem participativa é para ser aplicada, em grande parte, através do Conselho de Manejo de Áreas Protegidas (CMAP), integrado por funcionários do governo, ONGs e representantes das comunidades locais.
Os direitos dos povos indígenas começaram a ser reconhecidos, de forma mais explícita, no ano 1993, com a emissão da Ordem Administrativa N° 2 (OA2), do Departamento de Meio Ambiente e Recursos Naturais (DMARN), facultando a demarcação de domínios ancestrais e a entrega às comunidades indígenas do Certificado de Reclamação de Domínio Ancestral (CRDA) e do Certificado de Reclamação de Terra Ancestral (CRTA). Embora esses certificados não sejam títulos de propriedade, eles permitem que os titulares indígenas tenham certo controle sobre o que vai acontecer em seus territórios. Essas disposições baseadas nos direitos foram fortalecidas em outubro de 1997, com a promulgação da longamente esperada Lei de Direitos dos Povos Indígenas (LDPI), do Presidente Ramos. Uma das características da LDPI é que dá direito coletivo à terra, através do Certificado de Título de Domínio Ancestral (CTDA), e direitos individuais, através do Certificado de Título de Terra Ancestral (CTTA).
Desde que essas leis foram aprovadas, vêm sendo apontados os pontos fortes e fracos. Em muitos casos, a lei de SNAPI melhorou a participação das comunidades indígenas e locais na tomada de decisões e no manejo das áreas protegidas. No entanto, várias ONGs e organizações de base comunitárias chamam a atenção para o fato de o Conselho de Manejo de Áreas Protegidas não ter funcionado de forma efetiva, devido a diversas limitações que vão da falta de documentos em línguas locais, e de recursos para reuniões e oficinas, até o fato de o presidente do Conselho ser um funcionário do governo, sendo que os moradores locais geralmente são tímidos ao expressarem suas preocupações diante de funcionários do governo, o que faz com que o poder de tomar decisões continue estando, em grande parte, nas mãos do governo.
Quanto à Lei de Direitos dos Povos Indígenas, embora ainda considerada por muitos grupos indígenas como um instrumento legal que eles podem utilizar para fazer valer seus direitos, outros grupos estão exigindo a sua anulação. Afora as ambigüidades teóricas e práticas da lei, uma das principais críticas é que a Comissão Nacional dos Povos Indígenas (CNPI), na verdade, não representa os povos indígenas, já que vários dos comissionados foram nomeados pelo Presidente sem consulta adequada e – em especial, sob a administração de Estrada – eram corruptos ou ineficientes, ou ambas as coisas. No ano 2001, a CNPI foi submetida a uma restruturação radical, e, em meados desse ano, foi instituído um novo grupo de comissionados, eleitos através de um processo mais participativo no nível provincial, regional e nacional.
Com renovado entusiasmo, a Presidenta Gloria Magapagal-Arroyo anunciou, em seu discurso presidencial à nação, que todo ano seriam entregues Certificados de Título de Domínio Ancestral para 100 mil hectares. Porém, devido à falta de recursos orçamentários e a outras falhas internas, somente foram entregues dois CTDA antes do fim do ano 2002. No início de 2003, o presidente da Comissão foi substituído novamente. Embora ainda haja esperança entre os povos indígenas filipinos de que a Comissão Nacional dos Povos Indígenas vai trabalhar no interesse dos povos indígenas, existe também o sentimento de que é necessário resolver problemas pendentes e fortalecer a CNPI, dotando-a de recursos humanos, institucionais e financeiros.
O caso da ilha Coron, nas Ilhas Calamianes, em Palawan Norte, é particularmente ilustrativo da forma como pode ser utilizada a LDPI, e, ao mesmo tempo, do possível conflito entre a Lei de SNAPI e a Lei de Direitos dos Povos Indígenas.
A nação Tagbanwa, da ilha Coron, mora numa belíssima ilha de pedra calcária, cercada de água outrora rica em recursos marinhos, a principal fonte de sustento. Para meados da década de 1980, não tendo a posse legal garantida de seu meio ambiente, e com a crescente invasão de pescadores imigrantes, empresários do turismo, políticos querendo fazer negócio com a terra e órgãos do governo interessados em controlar vários recursos da ilha, essa nação já tinha começado a perder o controle sobre seus recursos terrestres e marinhos, a ponto de sofrer falta de alimentos.
Reagindo a essa situação, em 1985, eles criaram a Fundação Tagbanwa da Ilha Coron e solicitaram um Acordo de Administração Comunitária da Floresta (AACF). Em 1990, foi ajustado o acordo, abrangendo a ilha toda, além da pequena ilha vizinha de Delian (um total de 7.748 hectares).
No entanto, pouco tempo depois, eles perceberam que a principal fonte de sustento, a água em torno da ilha, estava sendo degradada em ritmo alarmante pela pesca com dinamite, cianeto e outros métodos de pesca ilegais e nocivos. Em 1998, através da OA2, do DMARN, e com a ajuda da Philippine Association for Inter-cultural Development (PAFID), uma ONG nacional, eles conseguiram o primeiro CRDA do país, para um total de 22.284 hectares, incluindo águas terrestres e marinhas. Fizeram um mapeamento de alta qualidade de seu território, um Plano de Manejo Sustentável de Domínio Ancestral, e realizaram um acompanhamento bem-sucedido da LDPI, usando-a para conseguir um CTDA no início do ano 2001. Porém, em meados do ano 2001, a CNPI foi reestruturada e todos os CTDA ficaram sujeitos a revisão, incluído esse título.
O CRDA e o CTDA foram utilizados logo que a ilha Coron foi selecionada como um dos oito lugares incluídos no Programa Nacional de Áreas Protegidas Integradas (PNAPI). A intenção final do Departamento de Meio Ambiente e Recursos Naturais era (e ainda é) tombar a ilha toda como área protegida, mas isso ainda não aconteceu porque os Tagbanwa receiam perder, mais uma vez, o controle da ilha. Tendo conseguido um título de domínio sobre a ilha, eles preferem ficar com sua abordagem de manejo dos recursos baseada nos direitos a aceitarem uma abordagem participativa incerta, através do Conselho de Manejo de Áreas Protegidas. Um dos principais motivos mencionados pelos Tagbanwa para rejeitar o PNAPI foi o fato da ilha Coron ter sido selecionada como um dos oito lugares para o projeto sem eles terem sido previamente informados e consultados. Várias outras comunidades indígenas de outras regiões do país estão tentando conseguir um CTDA sobre terras e águas, como ferramenta para garantir seu direito aos recursos terrestres e marinhos.
Esse caso ilustra perfeitamente os conflitos potenciais entre o Sistema Nacional de Áreas Protegidas e a Lei de Direitos dos Povos Indígenas. Na verdade, o caso da ilha Coron também poderia ser considerado como o uso por uma comunidade indígena de uma lei baseada nos direitos para apoiar uma Área Conservada pela Comunidade (ACC), contra o uso pelo Departamento de Meio Ambiente e Recursos Naturais de uma lei de áreas protegidas participativas para promover a criação de uma área protegida segundo declaração estatal. Isso coloca perguntas importantes quanto à política de conservação: como podem ser reconhecidos e apoiados os esforços de conservação das comunidades locais (como as ACC)? É necessário o reconhecimento legal? Como podem complementar as áreas protegidas mais convencionais, tombadas pelo Estado, ou, em certos casos, ter preferência?
O caso dos Tagbanwa da ilha Coron demonstra que, quando uma comunidade indígena tem a firme decisão de proteger seus recursos naturais e seus direitos, e conta com o apoio adequado (como leis aprovadas e ONGs que a apoiam), ela pode realizar ações efetivas para conseguir o reconhecimento de seus direitos e proteger os ecossistemas de que depende. Também demonstra que, para os povos indígenas, é bem mais proveitoso investir tempo numa abordagem baseada nos direitos para o manejo da biodiversidade para, assim, conseguir um título de comunidade privada, através da LDPI, do que aceitar uma abordagem participativa como a que propõe o SNAPI, onde a questão de quem detém realmente o poder dentro do acordo participativo coloca sérios problemas. Esse caso também ilustra a dicotomia entre áreas protegidas oficiais (tombadas pelo Estado) e áreas conservadas pela comunidade.
Os Tagbanwa utilizaram uma lei inovadora que reconhece o direito de propriedade dos povos indígenas e a lei consuetudinária (apesar de suas limitações) numa iniciativa que poderia ser definida, num sentido amplo, como uma área conservada pela comunidade, e rejeitaram um plano do governo para tombar a ilha como área protegida (AP). Na realidade, é um caso de conflito entre ACC e AP, o qual poderia ser evitado ou resolvido se o governo começasse a reconhecer e aceitar o valor das ACC e a considerá-las como uma abordagem complementar válida para as AP convencionais.
Por Maurizio Farhan Ferrari, Forest Peoples Progamme, correio eletrônico: mfferrari@pd.jaring.my , e Dave de Vera, PAFID, correio eletrônico: pafid@info.com.ph