O Parque Nacional Kayan Mentarang, localizado no interior de Kalimantan Oriental, no Bornéu indonésio, limita com Sarawak, no oeste, e com Sabah, no norte. Com 1,4 milhão de hectares assim declarados, é a maior área de floresta tropical protegida do Bornéu e uma das mais vastas do sudeste asiático.
A história da paisagem natural do parque está inexoravelmente ligada à história de seu povo. Cerca de 16 mil Dayak moram dentro desse parque nacional, ou nas cercanias. As comunidades que moram dentro e em torno do parque ainda se regem, em grande medida, pela lei consuetudinária, ou “adat”, para resolver problemas cotidianos e para o manejo dos recursos naturais em seu território tradicional. O chefe tradicional (kepala adat) administra a lei consuetudinária com a ajuda do Conselho Tradicional (lembaga adat). Todos os funcionários eleitos no nível do povoado e os líderes destacados da comunidade integram um conselho tradicional. Existem áreas de floresta tradicional sob proteção, ou sob regime de manejo estrito. “Tana ulen”, por exemplo, é terra com acesso restringido, limitado. É uma extensão de floresta primária rica em recursos naturais, como vime (Calamus spp), folhas de mangue (Licuala sp), madeira de lei para a construção (por exemplo, Dipterocarpus spp, Shorea spp, Quercus sp), peixes e animais de caça, tudo com alto valor de uso para a comunidade local.
Fundada em 1980, a Reserva Natural criava a categoria “proteção estrita”, implicando a proibição de atividades humanas dentro da área protegida. O Fundo Mundial para a Natureza (WWF), juntamente com o Instituto Indonésio de Pesquisas (LIPI) e os moradores locais, desenvolveu um programa de pesquisa em ciências sociais a longo prazo (“Cultura e conservação”, 1991-1997) e fez um mapeamento comunitário experimental, para provar que as comunidades dependiam dos recursos da floresta e que tinham direitos legítimos sobre as terras. Os resultados forneceram as provas necessárias para que, em 1994, fosse recomendada uma mudança de categoria, de Reserva Natural para Parque Nacional (onde é permitido realizar atividades tradicionais).
A questão dos direitos sociais, em especial, a falta de segurança em termos de posse da terra, foi identificada pela equipe do WWF como uma questão decisiva e prioritária a ser tratada no período 1996-2000. Embora os Dayak tivessem morado na área e utilizado os recursos florestais por séculos, a floresta que habitavam e manejavam era uma “floresta estatal” de livre acesso, motivo pelo qual o Estado podia outorgar direitos de exploração, ou criar uma área de conservação, sem necessidade do consentimento prévio das comunidades locais. Bem pouco era o poder das comunidades ao tentarem defender a floresta ou proteger sua fonte de sustento econômico contra os interesses das empresas madeireiras, a exploração de minas ou aqueles que vinham de fora para colher produtos da floresta.
Nessas circunstâncias, o projeto WWF Kayan Mentarang desenvolveu uma estratégia e um programa de atividades de campo que levariam ao reconhecimento legal das reivindicações e direitos “adat”, para permitir que as comunidades indígenas pudessem continuar utilizando e manejando os recursos da floresta na área de conservação. Essas atividades incluíram: mapeamento comunitário; avaliações qualitativas do uso e disponibilidade de recursos florestais com valor econômico; oficinas para o reconhecimento da categoria “tana ulen”, ou floresta sob manejo consuetudinário tradicional; planejamento participativo para as recomendações de zonificação e o novo traçado dos limites externos do parque; redação de normas “adat”, ou tradicionais, para o manejo do parque nacional; fortalecimento das organizações locais e desenvolvimento institucional.
Depois de várias reuniões e debates entre os dez líderes “adat” das terras tradicionais em torno da área do parque, foi criada a Aliança dos Povos Indígenas do Parque Nacional Kayan Mentarang (FoMMA), formalmente estabelecida no dia 7 de outubro de 2000. Seu principal objetivo é a criação de um fórum onde transmitir as aspirações das comunidades indígenas e debater questões respeitantes ao manejo do parque nacional e dos recursos naturais nas terras tradicionais do parque. A FoMMA trabalha para garantir a proteção da floresta e o uso sustentável dos recursos naturais ali contidos, para a proteção dos povos indígenas, se preocupando, também, com o aumento da prosperidade econômica deles. Atualmente, representa legalmente os povos indígenas na Junta de Políticas do Parque, uma nova entidade criada para presidir o manejo do Parque. A Junta de Políticas inclui representantes do governo central (órgão do governo para a Proteção da Floresta e a Conservação da Natureza), dos governos provincial e distrital, e da FoMMA. Os princípios operacionais da Junta enfatizam a importância da coordenação, da competência, das responsabilidades compartilhadas e da parceria igualitária entre todos os atores. A Junta foi criada formalmente em abril de 2002, através de um decreto do Ministério de Florestas, o qual também explicita que o parque ficará sob um sistema de manejo de natureza colaborativa (pela primeira vez na Indonésia).
Após décadas de marginalização e espoliação, os últimos acontecimentos no Parque Nacional Kayan Mentarang permitem às comunidades indígenas de Kalimantan ter esperança. É cada vez mais evidente que os objetivos de conservação quase nunca podem ser atingidos ou mantidos através da imposição de políticas e projetos que provocam impactos negativos nos povos indígenas e comunidades locais. As abordagens alternativas e progressistas, que levam genuinamente em conta as necessidades e direitos dos moradores locais e garantem a sua plena participação no manejo da biodiversidade e na tomada de decisões, oferecem uma plataforma mais sólida para a proteção ecológica e a melhoria das forma de sustento dos povos. Há esperança em que o acordo de manejo conjunto que está sendo aplicado em Kayan Mentarang atingirá esses objetivos.
Por Cristina Eghenter, WWF Indonesia Kayan Mentarang Project, awing@samarinda.org ; Martin Labo, Alliance of the Indigenous People of Kayan Mentarang National Park (FoMMA), dolvina@indo.net.id , e Maurizio Farhan Ferrari, Forest Peoples Programme, mfferrari@pd.jaring.my