Em um mundo caracterizado pela informação, há assuntos que têm sido invisibilizados de tal maneira, que a grande maioria das pessoas desconhecem sua existência. É o caso dos povos indígenas que vivem em isolamento voluntário. As pessoas nem sequer estão a par de que alguns desses povos ainda não foram contatados pela sociedade predominante e que em outros casos se resistem à integração apesar –ou em decorrência- de terem sido contatados.
Boletim Nro 87 - Outubro 2004
Povos Indigenas Em Isolamento Voluntário
O TEMA CENTRAL DESTA EDIÇÃO: POVOS INDIGENAS EM ISOLAMENTO VOLUNTÁRIO
Muitas pessoas ignoram que ainda existem indígenas que voluntariamente vivem em isolamento – tanto contatados quanto não contatados – principalmente nas regiões tropicais. As pessoas também desconhecem o impacto produzido pelo contato forçado ou livre destes indígenas com o mundo exterior. Para gerar conhecimento e apoiar sua condição, nós focalizamos o boletim todo nesse assunto, em colaboração com o Forest Peoples Programme e com outras organizações e indivíduos que trabalham para proteger os direitos desses indígenas.Boletim WRM
87
Outubro 2004
NOSSO PONTO DE VISTA
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27 Outubro 2004Quando os primeiros conquistadores viajaram pelo Amazonas no século 16, acharam assentamentos populosos, supremacias hierárquicas e sistemas agrícolas complexos ao longo do rio principal. Informaram que os “índios” criavam tartarugas em lagoas de água fresca, tinham vastos estoques de peixes dessecados, faziam sofisticada cerâmica esmaltada e tinham grandes jarros, cada um deles capaz de conter cem galões. Também perceberam que esses povos tinham flotilhas de canoas e que comerciavam para acima com a área dos Andes e para baixo com a área da foz do grande rio. Seu numerosos guerreiros portavam cacetes de madeira e grossos escudos de couro feitos com as peles dos crocodilos e manatis.
CASOS REGIONAIS
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27 Outubro 2004Os Mbya Guaraní são um povo antigo e selvático de raízes amazônicas. Em Misiones, uma província do nordeste da Argentina, há 74 comunidades e uma população total, aproximada, de 3.000 pessoas. Sua cultura é tão rica quanto a biodiversidade da floresta Paranaense que sempre foi utilizada e protegida.
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27 Outubro 2004Os índios Baka, com uma população entre 30.000 e 40.000, moram no sul e sudeste da República dos Camarões. Eles estão associados, entre outras comunidades locais, aos Bagando Bakwele, os Knonbemebe, os Vonvo, os Zime e aos agricultores Dabjui. Cerca de 4.000 Bagyeli e Bakola moram no sudoeste e estão associados aos Bulu, os Nggoumba, os Fang e os Bassa. A maioria dos Baka, Bagyeli e Bakola ainda dependem da caça e da colheita para garantir sua subsistência., embora alguns realizem culturas anuais, habitualmente nas terras dos Bantu, a maioria ainda depende da floresta. Muitas comundades locais os reconhecem como “gente da floresta” que seus ancestrais encontraram quando chegaram.
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27 Outubro 2004Os Pigmeus Mbendjele Yaka vivem no norte do Congo-Brazzaville. Os Mbendjele alegam ter antepassados comuns com outros grupos de caçadores-coletores das florestas da região, como por exemplo os Baka, os Mikaya, os Luma ou os Gyeli. Os Mbendjele chamam todos esses grupos povo Yaka. Os estranhos freqüentemente se referem a esses grupos como Pigmeus, e às vezes membros desses grupos também. São caçadores-coletores que vivem na floresta e são considerados os primeiros habitantes da região por eles mesmos e por seus vizinhos agricultores, os Bilo. Cada Mbendjele se associa a si mesmo com um território de caça e colheita ao que se referem como “nossa floresta”.
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27 Outubro 2004Seria importante, em primeiro lugar, definir claramente do que estamos falando quando nos referimos a povos ou populações em “isolamento voluntário”. Este termo e seus assemelhados (tais como “arredios”, “isolados”, “autônomos”) procuram descrever “uma situação ou um contexto histórico”. O pano de fundo ou a base comum de todo eles é que buscam definir povos (idealmente) ou populações (o que talvez esteja mais perto da realidade) que têm pouco ou nenhum contato sistemático com os agentes ocidentais (via de regra, empresas econômicas ou missionárias). Ou seja, que não “dependen” do nosso sistema econômico para sobreviverem – e muito menos do simbólico.
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27 Outubro 2004Os Nukak são um povo nômade da Amazônia colombiana, contatados oficialmente em 1988. A população atual é estimada em 390 pessoas distribuídas em 13 grupos locais, localizados no interflúvio do Médio Guaviare e o Alto Inírida. A língua Nukak é inteligível como a dos Kakua ou bara do Vaupés colombiano e as duas são classificadas como parte da família lingüística Makú-Puinave.
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27 Outubro 2004A cultura e a sociedade Huaorani é reconhecida pelo seu desejo de isolamento voluntário. Muito pouco é conhecido de seu passado, exceto que por centenas de anos constituíram um grupo nômade, autárquico, que com ferocidade rejeitaram todo tipo de contato, comércio e intercâmbio com seus poderosos vizinhos, tanto os indígenas quanto os colonizadores mestiços. Desde seu trágico encontro com os missionários americanos em 1956, os Huaorani ocuparam um lugar especial no imaginário popular e no dos jornalistas como “Os últimos selvagens do Equador” . Apesar dos esforços “civilizadores” dos missionários, os Huaorani mantiveram fortemente seu jeito particular de entender o mundo.
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27 Outubro 2004Os Ayoreo vivem numa área de seu território ancestral chamada Amotocodie. Em nosso mapa moderno é uma vasta área de floresta virgem cujo centro marca as coordenadas 21° 07´ S e 60° 08´ W, aproximadamente 50 Km. ao sul do Cerro León. Podem ser 50 pessoas, subdivididas em vários grupos. Raras vezes se aproximam ao estanque de água de alguma fazenda para beber água e é possível que algum peão os veja de longe. Às vezes algum caçador branco acha suas pegadas na mata ou aparecem buracos nas árvores onde tiraram mel. Em 1998, um grupo de seis guerreiros protagonizou um ataque de advertência contra uma fazenda. Em 3 de março de 2004, um dos grupos, composto de 17 pessoas, entrou em contato com a sociedade envolvente e se assentou à beira de seu hábitat ancestral.
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27 Outubro 2004Em 1990 o estado peruano estabeleceu a Reserva Kugapakori/Nahua com o fim de proteger as vidas, direitos e territórios dos povos indígenas no Sudeste do Peru, evitando ou limitando estrictamente seu contato com a sociedade nacional. Apesar da proteção desses territórios no papel, desde sua criação a Reserva tem estado continuamente ameaçada pelo corte ilegal de árvores e há dois anos foi aberta para a extração de gás natural como parte do Projeto de Gás de Camisea (Vide “Projeto de gás de Camisea vulnera direitos dos povos indígenas”. Boletim do WRM No. 62, setembro de 2002).
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27 Outubro 2004Estranhos estão invadindo a reserva da isolada tribo Jarawa nas Ilhas Andaman, na Índia, e estão roubando a caça da que dependem para sua sustentação. Há um crescente número de denúncias de exploração sexual das mulheres Jarawa. Apesar da ordem da Suprema Corte à administração das ilhas de fechar a rodovia que atravessa a reserva, ela continua aberta, o que traz doenças e dependência.
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27 Outubro 2004Na região Banten de Java ocidental, Indonésia, existe uma comunidade indígena em pequena escala que tem podido em grande medida evitar o avanço da globalização da tecnologia moderna e outras influências do mundo exterior, incluindo a degradação ambiental. O povo Baudy é um grupo tribal retirado que tem vivido um estilo de vida relativamente imperturbado e tradicional, numa sociedade fechada por mais de 400 anos até a recente invasão de pressões econômicas e sociais do mundo exterior. Apesar de que vivem numa área isolada de floresta tropical de montanha, a apenas 100 quilômetros ao sudoeste de Jakarta, a capital da Indonésia, os Baduy têm sido capazes no passado de fechar efetivamente sua comunidade para o resto do mundo.
CONTATOS FORÇADOS
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27 Outubro 2004Os 21.000 Yanomami que vivem nos 360 assentamentos amplamente espalhados nas montanhas e colinas com florestas entre a Venezuela e o Brasil estiveram sem contato com os ocidentais por muito tempo, até metade do século 20. Em seus mitos os Yanomami lembram uma época bem distante quando viviam ao longo de um grande rio “antes de sermos afugentados para as terras altas”, mas para o momento em que sua existência é registrada pela primeira vez na metade do século 18, já estavam bem estabelecidos na Serra Parima entre o Rio Branco e o Alto Orinoco.
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27 Outubro 2004O povo indígena “pigmeu” Twa da região dos Grandes Lagos da África Central é originalmente um povo caçador-coletor das montanhas, que habita as florestas de grande altitude que rodeiam os Lagos Kivu, Albert e Tanganyika, áreas que agora fazem parte de Ruanda, Burundi, Uganda e o leste da República Democrática do Congo (RDC). Estima-se a população atual de Twa está entre 82.000 e 126.000 pessoas.
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27 Outubro 2004Os Malapantaram são uma comunidade nômade de aproximadamente 2000 pessoas que moram nas florestas altas das Montanhas Ghat no sul da Índia. Os primeiros escritores as descreviam como “povos selvagens” e como “montanheses errantes incertos” e tendiam a percebé-los como isolados sociais, como sobreviventes de alguma cultura da floresta prístina. Mas desde épocas remotas os Malapantaram têm uma história de contato e inter-relação com comunidades de casta vizinhas das planícies e têm feito parte de uma economia mercantil mais ampla e ainda são primariamente coletores de importantes produtos da floresta tais como madeira de sândalo, gengibre, cardamomo, resina de dâmar, mel e várias plantas medicinais.
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27 Outubro 2004Quando no final da Primeira Guerra Mundial os australianos assumiram o controle da colônia alemã da Nova Guiné de acordo com um mandato da Liga de Nações para proteger os povos nativos, acreditava-se que a Nova Guiné tinha apenas uma população escassa, cuja maioria estava ao longo da costa. Acreditava-se que o interior montanhoso era uma mistura de colinas tropicais quase vazias e impenetráveis. No entanto, agora se sabe que os vales montanhosos da Nova Guiné têm estado por muito tempo entre as áreas agrícolas mais densamente povoadas do mundo.