O direito de os povos indígenas viverem em isolamento voluntário

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Em um mundo caracterizado pela informação, há assuntos que têm sido invisibilizados de tal maneira, que a grande maioria das pessoas desconhecem sua existência. É o caso dos povos indígenas que vivem em isolamento voluntário. As pessoas nem sequer estão a par de que alguns desses povos ainda não foram contatados pela sociedade predominante e que em outros casos se resistem à integração apesar –ou em decorrência- de terem sido contatados.

A esse desconhecimento junta-se outro: que a própria existência desses povos está seriamente ameaçada pelo avanço destrutivo do "desenvolvimento". As rodovias que se introduzem na floresta para extrair madeira, petróleo, minerais ou para promover a colonização agrícola e pecuária, podem ser catalogadas como as rodovias da morte para esses povos. Elas transportam não só doenças desconhecidas para as quais seus corpos não estão preparados, como também a destruição da floresta que é a fornecedora do sustento, a poluição das águas que usam para beber, tomar banho e pescar, os enfrentamentos com quem pretende apropriar-se de seu territorio, a morte de suas culturas milenares.

Para entender o problema, é necessário nos despirmos de nossas "verdades" e tentarmos ver o fato sob o ponto de vista deles. Todos nós vivemos em territórios com limites bem precisos. Também eles. Todos nós somos custódios zelosos de nossas fronteiras diante de potenciais ou reais agressões externas. Também eles. Todos nós temos nosso sentimento de nacionalidade, com uma língua, uma cultura e um conhecimento particulares. Eles também.

O que nós fariamos se um conjunto de estrangeiros armados ingressasse em nosso território sem nossa autorização? A mesma coisa que eles: resistir de todas as formas possíveis, incluída a resistência armada. Porém, enquanto nós seríamos considerados como "patriotas heróicos", eles são catalogados como "selvagens". Por quê? Porque somos nós que adjetivamos a resistência.

É importante enfatizar que esses povos nunca foram perguntados se queriam ser brasileiros, ou equatorianos, ou peruanos, ou congoleses ou camaroneses ou indonésios ou malasianos. Simplesmente cada governo (colonial ou nacional) desenhou um mapa e determinou que todos os territórios incluídos dentro de suas fronteiras "pertenciam" ao país ou colônia correspondente. Não importou que esses povos estivessem vivendo nesses territórios antes da própria criação dos estados nacionais ou da colonização estrangeira. Eles foram "nacionalizados" de fato.

Novamente a pergunta: o que nós faríamos em face de uma situação similar? Nós aceitaríamos a mudança de nacionalidade imposta ou resistiríamos? Com certeza, faríamos tudo quanto fosse possível por continuarmos sendo o que somos e queremos ser.

A diferença é que estes povos se encontram em total inferioridade de condições para resistirem o avanço avassalador da sociedade predominante. É por isso que todos os que acreditamos na justiça temos a obrigação de oferecer a eles, de múltiplas formas, o apoio que necessitam –embora não seja pedido- para defender seus direitos e para deter o genocídio silencioso e invisível ao que estão expostos.

Nesse sentido, a primeira providência que podemos tomar é informar o mundo a respeito de sua existência, como passo inicial a caminho de um objetivo de somar vontades para a defesa de seu direito a viver em seus territórios da forma que eles determinarem, incluído o direito a não se integrarem a uma sociedade à que não desejam pertencer.

Junto a isso, devemos fazer tudo o que for possível para proteger seus territórios de invasões externas vinculadas a atividades tais como a atividade madeireira, a mineração, a exploração petroleira e a colonização. Quer dizer, em primeiro lugar conseguir o reconhecimento legal de seus direitos por parte do Governo e o estrito cumprimento das disposições legais frente a possíveis invasões não autorizadas. E além disso fazer com que o Governo exclua explicitamente esses territórios de seus programas de desenvolvimento.

Na realidade, não deveria chamar nossa atenção que houvesse povos que não queiram ser integrados a uma sociedade como a que temos atualmente, que empurra milhões à pobreza e à fome e que destrói tudo o que toca (clima, florestas, pradarias, áreas alagadas, solos, ar). Estes povos nem são pobres nem ignorantes. São diferentes e estão mostrando uma enorme sabedoria ao querer manter seu isolamento. Em um mundo em que tantas pessoas sonham con viver em uma ilha tropical idílica, eles estão tentando algo muito parecido. Porém, cada vez é mais difícil para eles se defenderem da agressão externa. Vamos ajudá-los a viver em sua própria ilha até o dia em que decidam por sua própria vontade, –se isso acontecer, integrar-se à sociedade predominante.

Ricardo Carrere