Muitas são as razões pelas quais é imprescindível se opor às árvores transgênicas: por seus impactos sobre as florestas, a biodiversidade, os territórios e os povos que os habitam. Uma delas é que a contaminação através do pólen transgênico dessas árvores é realmente incontrolável. Este argumento, que deveria servir para proibi-las, é usado por seus defensores para promover outro pesadelo: a chamada tecnologia Terminator, projetada originalmente para fazer “sementes suicidas”.
A contaminação com pólen de cultivos agrícolas transgênicos – que são plantados e colhidos a cada estação – já é um problema grave no planeta, e tem um amplo leque de consequências, que vão desde impactos biológicos e sobre os ecossistemas até problemas econômicos, sociais, culturais. Além disso, essa contaminação é ainda mais corrosiva quando se trata de cultivos em seus centros de origem e diversificação, como está acontecendo com ou milho e ou arroz.
Esse tipo de contaminação pode produzir, por exemplo, deformações nas plantas que rejeitam o material transgênico estranho à espécie, como aconteceu com o milho. Por outro lado, a contaminação transgênica, por ser feita com genes patenteados (1) motivou centenas de ações contra as vítimas, que são processadas pelas transnacionais por uso “indevido” de suas patentes. Esses são apenas alguns dos problemas que ela acarreta; há muito mais e a realidade mostrou de forma cabal que é impossível conter a contaminação transgênica.
Embora a semeadura comercial de cultivos transgênicos só seja permitida em 27 países do mundo, e 98% dela se concentrem em apenas dez países, foram encontrados em torno de 400 casos de contaminação transgênica em mais de 60 países (2). Isso mostra que a contaminação, seja pelo pólen disseminado pelo vento e os insetos, seja por outras vias de transporte e mercado, é condição inerente a todos os cultivos transgênicos, um fenômeno que excede amplamente as fronteiras e os limites dos campos onde eles são permitidos.
Se isso acontece com cultivos sazonais, colhidos a cada ano, imagine o que pode acontecer com o pólen de árvores transgênicas, que o emitem por décadas e que, além disso, pode chegar a muitos quilômetros de distância.
Em função de sua grande duração e das enormes distâncias que pode alcançar, não é possível prever os impactos da contaminação transgênica de árvores sobre as florestas e a biodiversidade, e sua interação com espécies cultivadas e naturais. Nem sequer existem métodos de análise que possam prever o dinamismo dos fatores em jogo e a contínua transformação natural – ou não natural – dos ecossistemas.
Essa deveria ser uma razão determinante para não permiti-los, já que se introduz intencionalmente na natureza uma bomba-relógio autorreplicante, impossível de rastrear em toda sua dispersão, e muito menos de deter.
“Terminator”: sementes sem futuro
Paradoxal e cinicamente, a gravidade desse tipo de contaminação transgênica, em lugar de gerar a proibição das árvores transgênicas, é um argumento usado por seus promotores no Brasil para pressionar pela legalização de outra perigosa tecnologia. A chamada tecnologia Terminator, que cria plantas suicidas, com sementes que, após crescer e dar frutos, tornam-se estéreis.
Essa tecnologia transgênica – que, na ONU, se conhece como tecnologia de restrição genética de uso (GURT, na sigla em inglês) – foi projetada originalmente pelo Departamento (ministério) de Agricultura de Estados Unidos (USDA) e a empresa Delta & Pine, de propriedade da corporação Monsanto, para impedir que os agricultores voltassem a semear com suas próprias sementes.
A Terminator é o “sonho” de todas as transnacionais do agronegócio, porque significa que os agricultores teriam necessariamente que voltar a comprar sementes a cada ano. Em muitos casos, os que atualmente usam híbridos já os compram a cada estação, mas muitos outros agricultores familiares e camponeses usam sementes híbridas, mas as cruzam com suas próprias sementes e fazem novas variedades. Com a Terminator, as opções não existirão: eles terão que comprá-las a cada ano, tornando-se totalmente dependentes das empresas.
Por isso, não só a Monsanto, mas também a Syngenta e outras empresas que controlam os agrotransgênicos em nível global, têm patentes sobre essa tecnologia da morte. Contudo, elas ainda não puderam aplicá-la. A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) da ONU estabeleceu, em 2000, uma moratória internacional contra a experimentação, a semeadura e a liberação da tecnologiaTerminator, pelos impactos potenciais sobre a biodiversidade e a segurança alimentar.
O Brasil transformou a moratória da ONU em lei nacional e, atualmente, o uso dessa tecnologia está proibido por sua lei de biossegurança. Mas, sendo o Brasil o segundo produtor mundial de transgênicos e um país onde as empresas transnacionais do agronegócio pressionam de muitas maneiras para obter benefícios e liberar tecnologias, sementes e insumos proibidos em outros países, há anos existe uma campanha para reverter essa proibição contra a Terminator. A atual ministra da agricultura, Kátia Abreu, conhecida defensora de latifundiários e empresas do agronegócio, foi quem, sendo deputada, apresentou o primeiro projeto de lei para legalizar essa tecnologia no país.
Se permitisse a tecnologia Terminator, o Brasil violaria, na prática, a moratória internacional da ONU, o que teria um impacto negativo muito forte sobre outros países cujos governos veriam nisso um exemplo a seguir. Seria desencadeado um efeito dominó que abriria a caixa de Pandora da liberação de plantas e tecnologias nocivas. Algo semelhante ocorreria caso se permitisse a liberação comercial de eucaliptos transgênicos – a primeira na América Latina – que está em discussão na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança do Brasil (CNTBio).
A tecnologia Terminator é uma reação genética em cadeia que é ativada por um indutor químico – mas também pode ser desencadeada por fatores de estresse ambiental. É uma tecnologia complexa e não provada. Há estudos científicos apresentados à CDB que mostram que, em uma porção significativa de plantas, os genes inseridos não funcionarão ou serão “silenciados”, o que significa que a contaminação ocorrerá de qualquer maneira. Pior ainda, esses genes “silenciados” podem estar contaminando outras plantas, e a ação de esterilidade pode não se desencadear até ser ativada por um fator externo, químico ou ambiental. Portanto, os impactos se multiplicam porque se produz esterilidade e/ou porque se transmitem genes “silenciados” que podem ser ativados mais tarde.
Portanto, em que pese a propaganda industrial, a Terminator não resolverá o problema da contaminação transgênica em cultivos, árvores ou qualquer outro organismo. Pelo contrário, em função de seus múltiplos e incontroláveis impactos, as árvores transgênicas e a Terminator são duas propostas cujo único objetivo é incrementar os lucros das empresas, em detrimento das populações locais e da biodiversidade, com altos impactos sociais, econômicos e ambientais, e que, portanto, devem ser proibidas.
Em março de 2015, a ação de protesto de centenas de mulheres do MST e da Via Campesina, bem como campanhas internacionais (3), conseguiu deter a aprovação da primeira semeadura comercial de árvores transgênicas para produção de madeira na América Latina. Necessitamos continuar e aumentar a resistência, com a solidariedade de todas partes do mundo.
Mais informações sobre árvores transgênicas: wrm.org.uy e stopgetrees.org
Mais informações sobre a tecnologia Terminator: www.etcgroup.org
Silvia Ribeiro, silvia@etcgroup.org
Grupo ETC, www.etcgroup.org/es
(1) as patentes sobre genes e construções genéticas – solicitadas em sua vasta maioria por empresas biotecnológicas e agroquímicas – concedem direitos exclusivos de propriedade industrial sobre os genes usados para fazer organismos transgênicos. Dez multinacionais controlam 76% do mercado mundial de sementes. A maioria dos recursos genéticos conhecidos procedentes dos países do Sul já se encontra nos bancos genéticos e em jardins botânicos dos países do Norte.
(2) GeneWatch e Greenpeace, 2014,
http://www.gmcontaminationregister.org/
(3) Ver, stopgetrees.org