Grande parte das pesquisas em engenharia genética de árvores é direcionada aos vários desejos das indústrias: árvores que cresceriam mais rápido, conteriam mais celulose, seriam resistentes a herbicidas, insetos e fungos, resistiriam a secas e baixas temperaturas e não floresceriam. As árvores também estão sendo cobiçadas por sua capacidade de armazenar carbono, como uma suposta solução para as mudanças climáticas. Indústrias e conglomerados empresariais estão ansiosos para expandir seus lucros (1). Os governos da China e da Malásia estão promovendo a expansão das monoculturas, enquanto avançam na pesquisa sobre árvores transgênicas. Isso representa uma grave ameaça às suas florestas remanescentes, suas fontes de água e seus territórios locais, ao mesmo tempo em que intensifica os conflitos com as populações que vivem nas florestas e delas dependem.
China: árvores transgênicas cruzam a muralha
A China é o único país do mundo a ter aprovado o plantio comercial de árvores transgênicas e tem o segundo maior número de experimentos de campo em todo o mundo, depois dos Estados Unidos. Durante a última década, mais de um milhão de álamos transgênicos resistentes a insetos foram plantados no país. Genes dessas árvores já apareceram em variedades naturais que crescem nas proximidades, e surgiram novas pragas de insetos que eram desconhecidas em álamos não transgênicos (2). Em 2008, álamos transgênicos, projetados para tolerar solos salinos, foram plantadas (3).
Enquanto isso, a China também tem o maior projeto de plantação de árvores do mundo, com 66 bilhões de árvores plantadas desde 1978. O “Projeto Quebra-Vento Norte Três” ou, como é comumente chamado, a “Grande Muralha Verde”, pretende se estender por 4.500 km ao longo dos limites dos desertos do norte da China até 2050, abrangendo 405 milhões de hectares (42% do seu território), em uma tentativa de combater os efeitos do desmatamento em massa ocorrido no passado (4). A maior parte da área plantada é e será de monoculturas de árvores, incluindo plantações de árvores transgênicas (5).
Os impactos preocupantes de um projeto tão grande estão começando a aparecer. Em regiões áridas, as plantações de árvores podem agravar a desertificação ao esgotar as águas subterrâneas e matar gramíneas que mantém o solo firme. Zhao Wenju, agricultor da aldeia de Zhangjia, próxima a Beijing, diz que um poço de onde retirava água de até nove metros há uma década afundou a 60 metros abaixo do nível do solo. Hou Yuanzhao, da Academia Chinesa de Silvicultura, teme que os álamos que estão morrendo na região, menos seca do que muitas outras abrangidas pelo projeto, são o início de um definhamento generalizado (6).
A realidade é que ninguém sabe qual é a área exata plantada com árvores transgênicas na China. Não há registros conhecidos de onde as árvores estão ou quantas foram plantadas. “É muito difícil localizá-las”, comentou Wang Lida, da Academia Chinesa de Silvicultura. Os álamos podem se propagar muito facilmente, e as árvores transgênicas são levadas de um viveiro para outro. Mas, além de álamos, estão sendo realizadas pesquisas para desenvolver seringueiras e eucaliptos transgênicos.
Malásia: seringueiras transgênicas como “fábricas vivas”
A Malásia é o sexto maior produtor mundial de borracha natural. Estados Unidos, Alemanha e Japão são os maiores mercados para os produtos de borracha do país, e Reino Unido, China e Austrália também são importantes compradores. Os fabricantes compreendem multinacionais e joint-ventures de vários países, incluindo Estados Unidos, Europa e Japão, assim como empresas locais (7). Embora os estados malaios tenham competência e controle sobre a terra e as florestas, grande parte dos territórios de comunidades da floresta e povos indígenas não foi reconhecida (8).
O Conselho Malásio da Borracha (Malaysian Rubber Board) é o organismo responsável pela indústria da borracha no país e dispõe do Instituto de Pesquisa em Borracha da Malásia (RRIM, na sigla em inglês), encarregado do trabalho de pesquisa com borracha natural. Em 2014, o RRIM solicitou a aprovação de testes de campo “confinados” com seringueiras transgênicas em Penawar, Kota Tinggi, no estado de Johor, para produzir proteínas específicas no látex para uso farmacêutico. De acordo com a indústria da borracha, as seringueiras não têm apenas potencial para produtos de borracha e madeira de seringueira; elas também podem sequestrar o carbono da atmosfera. E para isso, “seringueiras transgênicas poderiam servir como linhas de produção eficientes para a proteína desejada, de baixo custo, baixa manutenção e sem danos ao meio ambiente” (9).
No entanto, um comunicado à imprensa da Associação dos Consumidores de Penang e da Sahabat Alam (Amigos da Terra – Malásia), de fevereiro de 2015, expressou forte oposição ao cultivo de árvores transgênicas na Malásia (10). “Que garantias existem de que os transgenes não vão se espalhar no meio ambiente”, perguntam os grupos interessados. E continuam: “considerando-se seu crescimento perene e, em muitos casos, sua longa vida e seu grande porte, as árvores transgênicas podem desenvolver interações ecológicas complexas e em múltiplos níveis com outros organismos. A interação dessas árvores com o meio ambiente pode, portanto, resultar em impactos de longo prazo sobre o solo, as cadeias alimentares e os ecossistemas florestais, que precisam ser avaliados”.
A Malásia é membro da Convenção sobre a Diversidade Biológica, que demandou uma abordagem preventiva às árvores transgênicas. Isso significa não plantar essas árvores nem fazer testes de campo com elas antes de verificar seus verdadeiros impactos potenciais, no longo prazo, sobre florestas e meios de subsistência de comunidades indígenas e locais. Mesmo assim, o comunicado à imprensa enfatiza que “ainda nem está claro se esses testes de campo já foram realizados na Malásia sem conhecimento público e descumprindo a lei”. A solicitação do RRIM nem sequer trata dos possíveis impactos ambientais negativos e, portanto, a instituição conclui que “tendo em conta as lacunas científicas e a falta de segurança, não pode haver qualquer plantio de seringueiras transgênicas na Malásia, seja para testes de campo, seja por razões comerciais”.
Enquanto isso, o governo está avançando na expansão das plantações de árvores com um marco jurídico que classifica monoculturas de uma única espécie como florestas. Grande parte das florestas remanescentes na Malásia peninsular é classificada como “Florestas Reservadas Permanentes” (FRPs), que são destinadas a fazer o corte “seletivo”. No entanto, uma brecha na lei permite a conversão dessas áreas em plantações monocultoras de seringueiras e, portanto, os seringais estão se expandindo no país. “Nos termos da Lei [de silvicultura], a maioria das FRPs é classificada como “floresta de produção de madeira” com “rendimento sustentado”. Isso pode ser interpretado como se uma floresta derrubada completamente e, em seguida, replantada com seringueiras fornecesse “rendimento sustentado”, justificando, assim, sua conversão em plantações”, diz o pesquisador florestal Lim Teck Wyn (11).
Engenharia de lucros: um plano de pesquisa em que todos têm a ganhar
Grupos de pesquisa voltados a promover as árvores transgênicas geralmente alegam que, ao produzir árvores, eles vão “melhorá-las”. No entanto, o que eles realmente estão fazendo é melhorar os lucros das indústrias que mais se beneficiam com as árvores transgênicas. Isso significa que, ao alterar certos atributos genéticos das árvores para melhor servir aos interesses daqueles que financiam essa pesquisa – principalmente as grandes empresas de plantação de árvores – eles aumentam a rentabilidade dos negócios envolvidos. Uma árvore transgênica resistente a herbicidas, por exemplo, não está “melhorando” nada – na verdade, é o contrário. Essa árvore modificada permite ampla fumigação com herbicidas, o que irá danificar o solo, destruir a flora local, envenenar a fauna, poluir a água e causar graves impactos à saúde e aos meios de subsistência das populações locais. À medida que as florestas comunitárias são destruídas e as florestas, derrubadas, os territórios locais são confinados a áreas reduzidas, ameaçando sua soberania alimentar, seus meios de vida e suas culturas.
(1) Veja mais informações sobre as árvores transgênicas aqui:
http://wrm.org.uy/pt/boletins/boletim-nro-206-setembro-2014/
(2) Veja documento (em inglês) do WRM “GE Tree Research: A country by country overview”,http://wrm.org.uy/wp-content/uploads/2008/11/GE_Trees_Briefing_updated_2014.pdf
(3) http://www.futuragene.com/en/press_24_02_2012/GM-TREE-
PLANTATION-RESEARCH-FACT-SHEET.pdf
(4) http://www.economist.com/news/international/21613334-vast-tree
-planting-arid-regions-failing-halt-deserts-march-great-green-wall
(5) http://www.i-sis.org.uk/GMTGL.php
(6) Referência (4)
(7) http://www.mrepc.com/industry/industry.php
(8) Veja: Forest Peoples Programme report “Deforestation Drivers and Human Rights in Malaysia: a national overview and two sub-regional cases”,
http://www.forestpeoples.org/sites/fpp/files/private/publication/2014/
12/deforestation-drivers-and-human-rights-malaysia.pdf.
(9) http://www.lgm.gov.my/GreenMaterial/TheMalaysianNRIndustry.pdf
(10) http://www.consumer.org.my/index.php/development/environment/
829-gm-rubber-trees-in-malaysia-jumping-off-without-a-safety-net
(11) http://says.com/my/news/there-is-an-unspoken-loophole-sacrificing-
our-protected-forests-for-rubber-plantations