Apesar de toda a evidência científica que existe sobre o impacto das monoculturas de árvores em grande escala, a Convenção de Mudança Climática faz questão em promovê-las, com o falso argumento de as plantações poderem mitigar os efeitos da mudança climática ao agirem como “sumidouros de carbono”.
Os impactos negativos das monoculturas de árvores em áreas florestais têm sido amplamente pesquisados e documentados em quase todos os países em que são instaladas. Contudo, a tendência é minimizar o impacto que tais monoculturas causam nas pradarias, o principal ecossistema em países como a África do Sul, Suazilândia, Uruguai, sul do Brasil e amplas áreas da Argentina, onde essas monoculturas continuam sua expansão.
Essa realidade, explica Carlos Céspedes, pesquisador da Faculdade de Ciências do Uruguai, o incentivou a empreender uma pesquisa, em sua tese de doutorado,com o intuito de avaliar os efeitos da transformação de pradarias em culturas florestais.
Em um trabalho anterior, Céspedes já tinha demonstrado que a cultura de eucaliptos tem efeitos negativos no solo da pradaria. Nesse estudo, o pesquisador tinha constatado que as monoculturas de eucaliptos produzem na pradaria uma importante perda de matéria orgânica e um aumento da acidez, o que está associado, por sua vez, à alteração dos valores normais de outras propriedades físico-químicas.
Os solos das pradarias uruguaias têm um nível de acidez (pH) de aproximadamente 6,5- 6,8 (isto é, catalogados como “ligeiramente ácidos”); se bem que no caso de pradarias arenosas, esses valores podem estar em torno a 5,5. No caso de plantações de eucalipto nesse tipo de solo, as análises mostraram resultados muito por baixo desses valores, em torno a 4,5 (ou seja, solos definidos como “fortemente ácidos”). Para compreender a importância desse dado, cabe dizer que o pH é expressado em escala logarítmica, e por isso um ponto de diferença de pH (5,5 vs. 4,5) é muito. Mas, acima de tudo, é preciso saber que um pH de 5 representa um limiar; quer dizer, por cima ou por baixo desse valor ocorrem mudanças significativas no solo (que não aconteceriam se a mudança fosse de 7 a 8 ou de 3 a 4), tais como alterações em sua Capacidade de Intercâmbio Catiônico – CIC, propriedade estreitamente ligada à fertilidade do solo como é explicado a seguir.
A acidez já foi mais alta na primeira camada do solo (o denominado horizonte A) e mesmo que tenha diminuído um pouco nas camadas mais profundas (horizonte B), o pH foi igualmente mais baixo do que nas pradarias. A explicação desse aumento notório de acidez, dada por diversos autores, é a extração de cálcio do solo em quantidades significativas, sendo acumulado na biomassa florestal na forma de cristais (oxalato de cálcio). Como era de esperar, o baixo pH alcançado levou a um notório aumento de alumínio no solo, em uma concentração que pode resultar tóxica para a maioria das espécies vegetais nativas. Como resultado, determinadas espécies de plantas que habitavam esses solos, hoje- após anos sob eucaliptos- não têm as condições apropriadas para sobreviverem. Contudo, há espécies que conseguem adaptar-se às novas características do solo, como é o caso do “capim coastcross” (Cynodon dactilon), uma espécie exótica invasora. Para os microorganismos, estas alterações seriam ainda mais graves, devido a eles serem muito sensíveis às mudanças físicoquímicas do solo.
O ambiente mais ácido é um fator que também contribui para a proliferação de fungos, em particular, os basidiomicetes. Estes fungos geram um emaranhado de micélios sobre a terra (o “corpo” dos fungos, que pode ser visto no campo como filamentos brancos) que induzem a uma verdadeira impermeabilização do solo (fenômeno conhecido como “water repellency”), que impede que a água penetre com facilidade até as camadas mais profundas. Isso produz menor infiltração no lençol subterrâneo de água e um aumento comparativo da escorrência superficial, estimulando a erosão do solo.
A diminuição da matéria orgânica do solo responde a vários fatores que se inter-relacionam. Entre eles, é importante salientar que existe uma menor incorporação de resíduos orgânicos ao solo em uma plantação de eucaliptos do que na pradaria. Os resíduos dos eucaliptos permanecem depositados na superfície e, por sua natureza bioquímica, são mais resistentes à biodegradação. Por outro lado, a diminuição é originada também na “exportação” que a plantação de eucaliptos realiza da matéria orgânica originariamente acumulada no solo pela pradaria.
A drástica diminuição de matéria orgânica no solo resulta em uma diminuição na Capacidade de Intercâmbio Catiônico (CIC). A CIC expressa a capacidade de retenção de nutrientes minerais do solo; quer dizer, determina sua fertilidade potencial. A pesquisa mostrou que a CIC diminuiu no horizonte A pela influência dos eucaliptos. Esta diminuição da CIC no horizonte A é grave demais, já que é sobre esse horizonte do solo onde a produção agropecuária é estabelecida. Ao diminuir a matéria orgânica e a CIC, não apenas diminui a fertilidade do solo mas também são gerados importantes efeitos negativos em sua estrutura, no arejamento e na atividade biológica, entre outros fenômenos.
Os defensores do florestamento argumentam que a plantação de árvores até pode melhorar os solos, embora esclareçam que às vezes isso não acontece em solos tão bem cuidados, bem manejados, de altíssima produtividade e tão pouco degradados quanto os excelentes solos da pradaria uruguaia. Mas afirmam que esta melhoria do solo poderia verificar-se em solos que não tenham essa excelência.
Contudo, outro dos achados importantes da pesquisa é que fica demonstrado que as monoculturas de árvores também têm efeitos negativos em solos com história de uso em outras produções agropecuárias. Nem sequer nos solos arenosos- que, conforme os defensores do florestamento, a única coisa que poderia acontecer seria que melhorassem- foi possível comprovar isso como verdadeiro. De acordo com os resultados obtidos por Céspedes, o florestamento seria a pior opção também neste tipo de solos, já que no caso em que tais solos, degradados por atividades agrícolas, fossem abandonados, seriam recolonizados por plantas herbáceas- muitas delas nativas-, que em um prazo determinado fariam com que o solo melhorasse substancialmente, o que não ocorreria se fossem plantados com eucaliptos.
Mas, talvez o mais importante dessa pesquisa seja que demonstra que a cultura de eucaliptos no solo da pradaria, afeta de forma negativa- e significativa- o balanço de carbono existente no solo.
Um dos argumentos mais usados ultimamente para justificar as monoculturas de árvores em grande escala é que podem ser usadas para melhorar o clima e contra-arrestar o efeito estufa. Argumenta-se que à medida que as árvores vão crescendo, vão tomando carbono do ar em quantidades maiores das que emitem. De acordo com essa perspectiva, as plantações são definidas como “sumidouros de carbono”.
Contudo, essa pesquisa comprovou que isso é falso no caso da pradaria, já que ela é uma grande acumuladora de carbono, mas de um carbono totalmente diferente do que pode ser acumulado na biomassa das árvores. O carbono que a pradaria acumula é o denominado carbono estável (substâncias húmicas); trata-se de uma reserva de carbono que pode manter-se lá durante centenas ou milhares de anos e que sob determinadas condições, pode continuar em aumento. Esse carbono orgânico, que inicialmente se acumulava na massa viva- principalmente nas raízes- progride gradativamente através da atividade dos organismos do solo, para complexos orgânicos cada vez mais estáveis. No entanto, o trabalho do solo, o uso de agrotóxicos e a implantação de espécies arbóreas exóticas e de rápido crescimento, destroem grande parte dessa reserva. Em decorrência disso, as pradarias invertem seu papel de “sumidouro” para se transformarem em fonte ou emissores de CO2.
Além disso, a captura de carbono que realizam as plantações durará relativamente pouco tempo à medida que as árvores forem cortadas, usadas ou inclusive- como acontece com freqüência- se incendiarem e liberarem todo o carbono na atmosfera. A esse respeito, os promotores do chamado “Mecanismo de Desenvolvimento Limpo” argumentam que mesmo que esse carbono acumulado pelas árvores tenha um tempo médio de residência (TMR) baixo, de qualquer forma trata-se de um carbono que já estava na atmosfera (como dióxido) contribuindo para o “efeito estufa”. Essa contribuição, portanto, é igualmente válida devido a que não usa um carbono novo senão que recicla um que já existe. Este argumento seria verdadeiro se a produção de árvores não tivesse como contrapartida uma emissão de carbono desde o solo. Fato que tem sido demonstrado.
A tese de doutorado de Céspedes demonstra então não apenas que as monoculturas de eucaliptos degradam os solos de forma irreversível, senão que além disso destroem os solos que atuam como enormes reservatórios de carbono. Os promotores dessas plantações deveriam inventar então novas mentiras para promovê-las. E cada vez, vêm restando menos!
Artigo elaborado com base na tese de doutorado de Carlos Céspedes disponível em http://ethesis.inp-toulouse.fr/ , em entrevistas com o autor e em informações extraídas do artigo “Impacto de las plantaciones de eucaliptos en el suelo”, por Teresa Pérez, disponível em: http://www.guayubira.org.uy/plantaciones/Cespedes.html