Colombia: criminalização, mecanismo para garantir um “desenvolvimento” injusto

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Na Colômbia, o governo usa a criminalização das organizações sociais e de base como um dos mecanismos de repressão voltado a impor forçadamente os agronegócios do mercado global, obras de infra-estrutura ou a extração de recursos naturais com altos custos humanos, sociais e ambientais.

A criminalização tem sido uma técnica eficaz que, através de estratégias discursivas e simbólicas, combinadas com o uso formal da legalidade, deslegitima e penaliza os atores sociais que se opõem a condições injustas de trabalho, à destruição ambiental, ao desenvolvimento de políticas que prejudicam a sobrevivência do planeta que se subordina à rentabilidade e aos lucros empresariais.

As acusações, o rompimento dos vínculos de relacionamento entre a sociedade e o movimento social, e a judicialização das expressões sociais são famosas na Colômbia desde a década de 30. As manifestações dos bananeiros que foram acusadas de ser “comunistas” resultaram em um massacre coletivo propiciado por uma bananeira americana. Nas décadas de 50 e 60, o movimento camponês, que exigia terras foi agredido com crimes e bombardeios, e acusações injustas nos tribunais. Na década de 70, o fruto da mobilização urbana e rural na Paralisação Cívica Nacional foi afogado com os crimes indiscriminados dos manifestantes, as torturas e o processamento de civis em tribunais militares. Na década de 80, através do paramilitarismo, bases sociais de organizações camponesas, afro-colombianas e mestiças foram massacradas, obrigadas ao desterro, ao exílio, ao extermínio, submetendo os sobreviventes a processos judiciais, sob acusações de terrorismo.

Hoje, enquanto os interesses para o mercado mundial são instalados nos territórios, as expressões sociais de resistência dos moradores rurais, entre os quais estão os sobreviventes à violência sistemática do governo são objeto de exercícios de violência e criminalização para obter o controle ou o assentimento aos modelos de desenvolvimento.

Depois de uma operação militar de arrasamento conhecida como “Gênese”, no norte do Chocó, no Darién colombiano, do deslocamento dos afro-colombianos, da comissão de 80 crimes e da instalação em uma base paramilitar da empresa Maderas del Darién, filial de Pizano S.A., iniciou-se a destruição de florestas primárias e secundárias. Os líderes, que corajosamente iniciaram as denúncias por estes atos contra os territórios coletivos que eles habitavam foram submetidos a ameaças de morte, a montagens na mídia e a processos judiciais de rebelião e tráfico de drogas. Os responsáveis pelo que foi conhecido como ecocídio em meados dos anos 90 e pelos crimes cometidos nunca foram investigados. As empresas desmataram, as terras nunca foram devolvidas, os militares foram promovidos e os paramilitares junto com os políticos nacionais desenvolveram novos agronegócios. As comunidades foram criminalizadas e estigmatizadas.

Na mesma região, no Chocó biogeográfico colombiano, as bacias do Curvaradó e Jiguamiandó, tombadas como reserva natural desde 1959, são um exemplo do uso da violência oficial- militar e paramilitar- para a implementação do dendezeiro e a extensão pecuária. A Brigada 17 do exército nacional e os paramilitares iniciaram desde 1996, quando o atual presidente Álvaro Uribe Vélez era governador do departamento de Antioquia, uma perseguição contra os habitantes mestiços, afrodescendentes e indígenas. Mais de 140 camponeses foram assassinados ou desaparecidos e 40 líderes das comunidades com mandados de captura pelo delito de rebelião. Estes fatos, junto com as ameaças de morte, o bloqueio econômico, os abusos de autoridade, os bombardeios, e o de bens de sobrevivência provocaram 15 deslocamentos forçados maciços de centenas de famílias.

Esta violência tem possibilitado a apropriação ilegal de mais de 23 mil hectares de território coletivo por trabalhadores do dendê, pecuaristas e madeireiros vinculados com a criminalidade do governo, o paramilitarismo e a lavagem de ativos. O despojo de terras tem sido acompanhado do desmatamento intensivo de floresta primária em mais de 10 mil hectares, a desertificação de cinco rios, a poluição dos canos com o uso de agrotóxicos, gerando impactos especialmente graves em mulheres e crianças.

A criminalização só pode ser compreendida como parte dos mecanismos da repressão, da violação dos direitos humanos e da pretensão de controle social, hoje claramente associadas aos negócios sobre os territórios.

Na Colômbia, de acordo com organizações de direitos humanos, nos últimos 15 anos foram deslocados forçadamente de suas terras com operações armadas que comprometem a responsabilidade do governo cerca de 4 milhões de pessoas e foram cometidos 14 mil crimes de lesa humanidade entre 1988 e 2003 (1). Organizações de familiares de desaparecidos indicam que foram cometidas mais de 15 mil desaparições forçadas (2). E cerca de 7 milhões de hectares de terras têm sido apropriadas ilegalmente por paramilitares ou traficantes de drogas nos últimos 15 anos, a maior parte das vezes depois de ter forçado o deslocamento dos moradores (3).

A política de seguridade democrática e a construção de um Estado comunitário, iniciado desde o ano 2002 pelo governo Uribe, se vangloria de distanciar-se da “Doctrina de la Seguridad Nacional” e da tolerância zero às violações dos direitos humanos. Tais afirmações não têm sido mais que uma re-engenharia publicitária das práticas militares e policiais repressivas de épocas passadas. Entre 2002 e 2006 houve cerca de 6000 detenções ilegais e arbitrárias (4), assim como cerca de 1000 assassinatos por parte das forças militares. Muitas destas vítimas costumam ser expostas diante da mídia como mortos em combate (5).

O governo colombiano justifica o uso da violência contra os camponeses, os afro-colombianos, os indígenas, os sindicalistas e os líderes sociais sob o pretexto da perseguição às guerrilhas ou ao tráfico de drogas. Mas estes ataques geralmente favorecem os interesses econômicos de empresas nacionais e internacionais com agronegócios, com obras de infraestrutura e extração de recursos naturais. Estas empresas também se protegem ou se valem da criminalidade ou a usam para manter seus interesses (6).

As ações fácticas de violência são acompanhadas de práticas discursivas, de falsas acusações mediáticas, as que resultam em processos judiciais. Os processos organizativos que afirmam seus direitos ao ambiente saudável, ao respeito à biodiversidade e aos territórios coletivos para garantir os investimentos.

Desde outubro de 2008, as manifestações dos indígenas do povo Nasa dos departamentos do Cauca e do Putamayo, contra a assinatura de Tratados de Livre Comércio e pelo respeito à biodiversidade e dos territórios, têm deixado dois assassinatos e mais de 200 feridos. Altos funcionários do governo têm deslegitimado o movimento indígena, acusando-o de ser dirigido pela guerrilha das FARC. Estas acusações não são novas, de tempo atrás os líderes indígenas têm sido objeto de montagens judiciais.

Recentemente, os trabalhadores da cana de açúcar se declararam em greve para questionar a política energética nacional e a ausência de garantias trabalhistas, sendo alvo de falsas acusações. Três deles foram posteriormente detidos (7).

A criminalização mediática e judicial fazem parte dos mecanismos da repressão e uma formalidade para legitimar as violações de direitos humanos. Detrás delas, na Colômbia, se tem pretendido garantir a privatização territorial para os negócios do mercado global, destruir a oposição, impor o silenciamento, e o assentimento social a um modelo de “desenvolvimento” injusto.

Por Danilo Rueda, Justiça e Paz, correio eletrônico: daniloruedar@gmail.com , http://justiciaypazencolombia.org