Via Campesina: Soberania alimentar como alternativa dos povos para o agronegócio destruidor

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A Via Campesina é um movimento internacional e inter-cultural que coordena diferentes organizações nacionais e regionais de pequen@s agricultor@s, campones@s, trabalhador@s rurais sem terra, trabalhador@s agrícolas, povos indígenas, pescador@s, imigrantes e pessoas que trabalham em atividades artesanais.

Este movimento autônomo, multi-cultural, multi-étnico e pluralista trabalha principalmente para atingir mudanças na produção agrícola, nos hábitos de consumo, no papel das mulheres, educação, saúde, meio ambiente, etc. Os temas centrais de La Via Campesina têm sido enriquecidos através da visão cósmica dos povos indígenas, que preserva a mãe terra contra os desastres naturais, o aquecimento global e a crise ecológica provocada pelo capitalismo contínuo e desenfreado.

A organização tem estado promovendo o conceito de soberania alimentar até o ponto que faz parte agora da discussão geral sobre políticas agrícolas e alimentares. A soberania alimentar é o direito das pessoas e dos governos de escolher a forma na que os alimentos são produzidos e consumidos para respeitar nossos meios de vida, bem como as políticas que apóiam essa escolha.

No entanto, a agricultura e a produção de alimentos estão atualmente dominadas por corporações transnacionais cujo padrão de produção industrial procura a integração vertical completa e a dominação e controle completos sobre os alimentos e a agricultura, da semente até o prato para obter grandes lucros. Isso explora trabalhadores, concentra poder econômico e político e destrói comunidades rurais.

A soberania alimentar exige que os alimentos não sejam comercializados como uma simples mercadoria para obter vantagens econômicas e políticas e também que a base da produção de alimentos –a biodiversidade, a terra e a água- não sejam destruídos, degradados, usados ou apropriados à custa de outras pessoas ou outras nações. Uma reforma agrária genuína deveria garantir a todos o direito de trabalhar na terra e democratizar sua propriedade, priorizando as formas de agricultura familiar, social e cooperativa.

Em virtude do presente drama do aquecimento global, estão promovendo-se soluções falsas, como os agrocombustíveis produzidos com as monoculturas –incluindo as plantações de árvores- que socavam a soberania alimentar.

Na realidade, a agricultura industrial é um promotor principal do aquecimento global e da mudança climática através do transporte de alimentos no mundo inteiro, impondo formas industriais de produção (mecanização, intensificação, uso de agroquímicos, monoculturas …), destruindo a biodiversidade e sua capacidade de capturar carbono, convertendo terras e florestas em áreas não agrícolas, transformando a agricultura de produtora de energia em consumidora de energia.

O “pacote” dos agrocombustíveis está embrulhado no modelo do agronegócio imposto pelas corporações transnacionais que visualizam esta como mais outra oportunidade de aumentar seus lucros e controle, enquanto ao mesmo tempo destroem os meios de vida dos camponeses.

O insumo básico necessário para produzir agrocombustíveis em grande escala é a existência de três fatores em abundância: terra, água e sol. Portanto, as corporações se dirigiram imediatamente ao hemisfério sul, especialmente àqueles países perto dos trópicos e àqueles que têm abundantes terras. Em muitos países esta expansão da área cultivada pelos agrocombustíveis tem invadido áreas dedicadas a alimentos e também para gado leiteiro. A possibilidade de ganhar muito dinheiro tem tentado os capitais estrangeiros para comprar terras e expandir monoculturas em grande escala nos países do Sul, incluindo os “desertos verdes” de eucaliptos e pinus no Brasil, no Uruguai, no Equador, no Chile, na África do Sul, na Suazilândia, na Tailândia e outros, as plantações de dendezeiros na Colômbia, Camarões, Camboja, Indonésia, Malásia, Papua Nova Guiné, etc., trazendo assim uma grande concentração de propriedade e um processo de desnacionalização de propriedade da terra.

Com relação ao meio ambiente, a forma de produção de monoculturas baseada em agrotóxicos afetará seriamente o meio ambiente, destruirá a biodiversidade existente, afetará as chuvas e também ajudará ao aquecimento climático. A “primeira geração” de agrocombustíveis baseada nas diferentes formas do açúcar de cultivos ou a “segunda geração” baseada na celulose da madeira –incluindo as árvores geneticamente modificadas que apresentam um risco adicional para o meio ambiente- aumentam o controle das corporações e destroem a biodiversidade existente, contribuindo com o desequilíbrio e o aquecimento global.

Além de trazer maiores problemas ambientais para os países produtores, a produção industrial de agrocombustíveis reviverá sistemas coloniais de plantação, trazendo de volta o trabalho escravo e aumentará seriamente o uso de agroquímicos, bem como contribuirá com o desmatamento e a destruição da biodiversidade. A produção intensiva de agrocombustíveis não é uma solução ao aquecimento global, nem resolverá a crise global no setor agrícola. Os impactos se sentirão de novo mais seriamente em países em desenvolvimento, já que os países industrializados não serão capazes de cobrir sua demanda de agrocombustíveis e precisarão importar grandes volumes do Sul.

Via Campesina acha que as soluções para a atual crise devem emergir de atores sociais organizados que são modos de produção em desenvolvimento, comércio e consumo baseado em justiça, solidariedade e comunidades saudáveis. Nenhum ajuste tecnológico solucionará o atual desastre ambiental e social global.

Um conjunto de soluções legítimas deveria incluir:

* Agricultura sustentável em pequena escala, que requer muita mão de obra e pouco uso de energia, pode realmente contribuir para deter e reverter os efeitos da mudança climática;

* Uma verdadeira reforma agrária, que fortaleça a agricultura em pequena escala, promova a produção de alimentos como o uso primário da terra, e considere os alimentos como direitos humanos básicos que não deveriam ser tratados como uma mercadoria.

* Produção local de alimentos, que deterá seu transporte desnecesário e garantirá que o que chega a nossa mesa é seguro, fresco e nutritivo.

* Uma mudança nos padrões de consumo e produção que promovem resíduos e consumo desnecessário por uma minoria da humanidade enquanto centenas de milhões ainda sofrem fome e privação.

Portanto, a Via Campesina exige:

* O desmantelamento completo das companhias do agronegócio: estão roubando a terra dos pequenos produtores, produzindo comidas prontas de baixo valor nutritivo e criando desastres ambientais.
* A substituição da agricultura industrializada e a produção de animais por agricultura sustentável em pequena escala apoiada por programas genuínos de reforma agrária.
* A proibição de todas as formas de tecnologias, como por exemplo manipulação genética, que colocam em perigo os recursos naturais.
* A promoção de políticas energéticas sensatas e sustentáveis. Isso inclui consumir menos energia e energia descentralizada em vez de promover a produção de agrocombustíveis em grande escala, como acontece atualmente.
* A implementação de políticas agrícolas e comerciais em nível local, nacional e internacional que apóiem a agricultura sustentável e o consumo de alimentos locais. Isso inclui a proibição dos tipos de subsídios que levam ao despejo de alimentos baratos nos mercados.

Artigo produzido pelo WRM com base em documentos da Via Campesina