Libéria: penosa borracha – o duro dia-a-dia dos seringueiros da Firestone

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Em 1925, a Firestone Tire & Rubber Company assinou um contrato por 99 anos com o governo para arrendar um milhão de acres [aproximadamente 405.000 hectares] de terras para estabelecer uma plantação de borracha. A área total da concessão da Firestone representa 4% do território da Libéria e quase 10% de suas terras agricultáveis.

Em 1988, a Bridgestone comprou a Firestone Plantations Company e é agora a companhia controladora, ocupando atualmente umas 240 milhas quadradas [aproximadamente 62.000 hectares] da concessão, com aproximadamente 7.000 empregados, a maioria dos quais são seringueiros. Há aproximadamente mais outros 4.000 trabalhadores que trabalham para a companhia sem qualquer reconhecimento legal, e portanto não recebem benefícios da companhia, como por exemplo, saúde e educação para suas famílias. Além disso, mais 4.000 pessoas trabalham na plantação para os seringueiros e portanto não têm qualquer reconhecimento legal na companhia.

Os seringueiros trabalham aproximadamente 12 horas ao dia sem equipamento de segurança (luvas, óculos, botas de chuva, impermeável e outros acessórios de segurança) a menos que os comprem os próprios seringueiros. Eles devem transportar todo o látex que produzem sobre seus ombros descobertos em um pau com dois baldes que pesam 70 lbs [31,7 kg] cada um.

Esse meio primitivo de transportar látex não tem mudado desde 1926. Com 140 lbs [63,4 kgs] balanceando-se em seus ombros, os trabalhadores caminham até os postos de pesagem que podem estar a até três milhas [4.8 kms] do arvoredo de seringueiras. A Firestone não fornece meios alternativos de transporte. Com este trabalho extenuante, os seringueiros arriscam lesões e o desenvolvimento de deformidades durante o tempo em que estão empregados.

Um seringueiro acorda às 4 horas da manhã para preparar-se para extrair látex talvez de 750 árvores diariamente em um dia de trabalho normal. No entanto, somente a metade da taxa diária de USD 3,38 é pagada se um seringueiro não puder completar a cota diária completa. Enfrentados com essas cotas onerosas, os seringueiros somente podem permitir que membros de suas famílias os assistam para completar sua cota ou empregar um ajudante.

Os seringueiros trabalham todos os dias do ano, incluindo feriados, com exceção do Natal, produzindo altos volumes de látex. A produção mensal de um seringueiro médio pode avaliar-se em USD 2.296,80 na Libéria e USD 3.915,00 aos preços do mercado mundial, enquanto o seringueiro recebe USD 125. É possível que do salário mensal de USD 125 ele deva pagar um ou dois ajudantes.

“Estas pessoas nos tratam como escravos porque não temos ninguém que fale por nós e não temos outros lugares para achar um novo trabalho. A gente produz mais de 5 toneladas de látex para a companhia ao mês e eles nem pagam o preço de uma tonelada”, disse amargamente um seringueiro.

Além da produção de látex, exige-se aos seringueiros que apliquem químicos (tanto fungicidas quanto estimulantes) nas árvores para proteção e para aumentar a produção. Além disso, exige-se que limpem de vegetação rasteira na área das árvores das que extraem o látex. Esta tarefa implica que muitos dos seringueiros devem contratar ajudantes para completar o trabalho. Em caso que a família do seringueiro seja grande e não tenha condições de deduzir sua provisão de arroz ou salário para um ajudante, a mulher deve abandonar suas crianças para assistir seu marido para completar sua cota.

Existem grandes disparidades entre trabalhadores e outros empregados da Firestone. Por exemplo, um superintendente que supervisa os seringueiros ganha mais de USD 700 ao mês, de acordo com seu nível de educação, reside em um bangalô confortável e tem outros benefícios, incluindo bônus por excesso de produção mensal.

Em contraste, os seringueiros e outros trabalhadores vivem em casas arruinadas. A maioria delas foram construídas na década de 30, quando a Firestone começou suas operações, têm um quarto, carecem de eletricidade, água encanada, banheiro e cozinha no interior, salas de estar e tetos. Cobertas precariamente com asbestos, muitas dessas estruturas têm importantes goteiras.

“Quando chove temos que colocar nossas tigelas nos quartos ou senão tudo fica cheio de água”, denunciou um trabalhador.

A água limpa é um luxo na plantação. Em mais de 20 acampamentos visitados não oficialmente por uma equipe de investigação de SAMFU entre novembro de 2006 até a presente data, viu-se uma média de duas bombas manuais por acampamento com uma população média de aproximadamente 500 pessoas. Essas bombas manuais colocam-se em poços que são escavados manualmente e portanto não têm água durante grande parte da estação seca. Essa situação deixa os seringueiros e outros trabalhadores não especializados e suas famílias sem outra opção que beber de poços superficiais e riachos. Enquanto isso, os membros do pessoal têm acesso a água encanada e água potável especialmente tratada colocada dentro da planta de processamento.

A companhia tentou controlar a organização dos trabalhadores através da Firestone Agriculture Workers Union of Liberia (FAWUL), até que vasta pressão dos trabalhadores da plantação e das duas maiores federações de trabalhadores da Libéria levaram à suspensão da FAWUL pelo governo. Convocaram-se eleições para introduzir um sindicato independente e democrático.

No final de abril de 2007, os trabalhadores realizaram uma greve para protestar contra os esforços da gerência da Firestone para adiar as eleições. Durante a greve em 27 de abril de 2007, a polícia atuou brutalmente contra trabalhadores em greve com cacetes e paus, e perseguiu trabalhadores inofensivos até a cidade de Harbel, onde está localizada a planta de processamento de borracha da Firestone, entraram pela força às casas e bateram muitas pessoas inocentes, o que resultou em dúzias de lesões. Duas dúzias de trabalhadores foram tão feridos que não puderam trabalhar enquanto eram tratados. Depois disso, um dos trabalhadores faleceu por causa das feridas sofridas durante o ataque. Além disso, gás lacrimogêneo foi lançado nas comunidades populosas de Harbel sem consideração pelas crianças, mulheres e anciões. Parece que muitos trabalhadores inocentes foram não apenas prendidos desnecessariamente mas detidos irrazoavelmente.

“Se você vê as pessoas que produzem o látex para os produtos de borracha que você usa; os lugares onde moram, o tipo de trabalho que fazem, os alimentos que comem e os salários que recebem... teria consciência de quem produz a borracha que você usa todo dia”.

Extraído e adaptado de: “The Heavy Load. A Demand for Fundamental Changes at the Bridgestone/Firestone Rubber Plantation in Liberia”, publicado por Save My Future Foundation, junho de 2008, http://www.samfu.org/do%20files/The%20Heavy%20Load_2008.pdf