África Central: gestão de áreas protegidas e enfoques participativos

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“Gestão participativa: situação na qual no mínimo dois atores sociais negociam, definem e garantem entre eles uma partilha equitativa das funções, os direitos e as responsabilidades de gestão de um território, uma área ou um conjunto dado de recursos naturais.”

Nos países da África Central, constata-se desde 1990 a implementação de programas cuja finalidade é demonstrar que as áreas protegidas podem ser manejadas de forma mais eficaz se for aplicado um enfoque participativo. Tal preocupação tem três motivações principais:

– a certeza das limitações, senão do fracasso, das políticas para a gestão de espaços protegidos que implicam a exclusão de alguns atores, que estão contudo entre os mais importantes;

– a procura de políticas de substituição;
a vontade de promover a adoção de “normas de gestão” das áreas protegidas formuladas com a participação efetiva do conjunto dos atores envolvidos. Supõe-se que a participação irá garantir o respeito dessas normas e a “durabilidade” desses espaços.

Enfoques idealizados

Hoje em dia, quase todas as políticas, legislações, decisões e atividades da África Central relacionadas com o manejo das áreas protegidas mencionam a gestão participativa. Poderia se dizer que o fato de anexar o qualificativo “participativo” aos processos decisórios indica que os administradores das áreas protegidas possuem os conhecimentos, a perícia e a “modernidade” necessários para resolver os problemas.

Esse conceito chegou aos responsáveis das áreas protegidas quando foi publicada a Série de análises meio- ambientais preparatórias do programa ECOFAC [1], e se espalhou logo como uma reação em cadeia entre os pesquisadores teóricos e os de campo, tais como Grazia Borrini-Feyerabend, Alain Karsenty, Jean Claude Nguinguiri, Vincent Ndangang, Norbert Gami, Michael B. Vabi, Tchala Abina, Aurélien Mofouma ou Zéphirin Mogba, que percorrem as áreas protegidas carregando nas costas as ferramentas e procedimentos para facilitar o processo de co- gestão. Os produtos intelectuais e técnicos (relatórios, publicações, métodos, apresentações em conferências e seminários, etc.) decorrentes de suas atividades passam a integrar os programas das administrações de áreas protegidas.

Conteúdo dos produtos

Mas, o que dizer do conteúdo desses produtos? Em primeiro lugar, deve ser esclarecido que, como antes, as populações que habitam as áreas protegidas e seus arredores são examinadas, explicadas, apresentadas, representadas e interpretadas em uma grande quantidade de discursos e sob diferentes ângulos: histórico, demográfico, antropológico, sócio- cultural, sócio- econômico, etc. Esses estudos, se bem são necessários porque contribuem com dados básicos para as atividades de desenvolvimento e de conservação da diversidade biológica [2], nem sempre são diretamente aplicáveis ao desenvolvimento ou à conservação. A simples descrição de fatos, o que acontece na maioria deles, não basta para conscientizar sobre a necessidade das mudanças previstas (as realidades da conservação da diversidade biológica, da melhora do padrão de vida das populações, da co- gestão dos recursos naturais).

Em segundo lugar, os programas de conservação de áreas protegidas pretendem ser os artífices da participação dos povos na gestão de tais espaços. O ECOFAC, por exemplo, um programa regional financiado pela Comissão Européia, declara sua intenção de afastar-se das orientações anteriores centradas na proteção de ilhotas florestais diante das populações locais e, por conseguinte, “visa implementar uma política que associe tais populações ao manejo racional dos recursos com o fim de demonstrar a eles que estão interessados em salvaguardar esses ambientes no longo prazo”. Sob esta perspectiva, sugere que a redistribuição dos benefícios derivados da conservação dos ecossistemas florestais (salários dos empregados do projeto, lucros gerados pelo turismo ou turismo cinegético, empregos no setor turístico ou de apoio ao desenvolvimento rural) induz as populações a participar na conservação dos recursos das áreas protegidas. E, de fato, o programa ECOFAC paga mensalmente uns 10 milhões de francos CFA em salários no Dja (Camarões) e 14 milhões no Parque Nacional de Odzala, apóia atividades econômicas que supostamente aliviam a pressão sobre os recursos das áreas protegidas (pescaria, agricultura, horticultura, agro-silvicultura, artesanato local, escultura em madeira, marcenaria, etc.), aplica técnicas com alta intensidade de mão-de-obra, promove o emprego de materiais locais, reabilita instalações sanitárias, escolares e viárias (Vautherin, 1996), forma recursos humanos, os organiza em grupos e, graças a ele, as comunidades de Idongo-Da da zona Norte da República Centro- africana e as da reserva de Lengui- Lengui na República do Congo recebem respectivamente 60 e 30% da receita por conceito de turismo.

Estes fatos associados ao programa ECOFAC motivaram, principalmente no PROGECAP, o recrutamento de “ecoguardas” entre os caçadores comerciais, uma medida de conservação brilhante mas necessariamente precária, devido aos projetos serem de curta duração e a nada impedir que os ecoguardas retornem depois a sua atividade anterior (a caça comercial). Também nestes casos existe a idéia de as populações locais participarem na gestão das áreas protegidas. Mas, se bem as comunidades participam na gestão das áreas protegidas pelo fato de tirar proveito da conservação florestal, só negociam, definem e garantem uma partilha equitativa das funções, os direitos e as responsabilidades com as empresas florestais na medida em que recebam parte dos benefícios dessa atividade (cânones de exploração, salários dos empregados, etc.), o que não acontece. Como diz Shiva, não é possível qualificar de gestão participativa um procedimento que visa obter o consentimento das populações para a execução de programas de conservação mas que deixa o controle de todas as atividades nas mãos de agentes externos (que podem ser “especialistas”, ONGs, funcionários públicos ou todos eles ao mesmo tempo).

Conclusão

Devemos reconhecer que os modelos antes mencionados têm alguns méritos e que sua difusão começou há muito tempo. A reflexão deve estar centrada no presente e no futuro. A esse respeito, não seria legítimo nem cientificamente aceitável sua difusão imediata em toda a África Central. Não seria legítimo porque nos últimos cinqüenta anos (por não remontar- nos até a época colonial) têm sido aplicadas várias estratégias, várias teorias, várias técnicas, etc., cujos resultados não foram os previstos. Pelo contrário, o sistema de áreas protegidas tende a tornar-se entrópico: hoje em dia, sua principal característica é a desagregação, pela multiplicação de paradigmas e de organismos de gestão e pela falta de coerência interna. Também não seria cientificamente aceitável, porque com freqüência esqueceu prever a etapa de transição entre o lugar de origem e o lugar de aplicação das idéias, e pôr à prova sua eficácia em um terreno limitado para conhecer, entre outras coisas:

– a capacidade das populações de absorver novas atividades;

– o interesse que tais atividades despertam nas populações;

– a possibilidade de associar as novas atividades aos conhecimentos e saberes existentes, com o fim de diminuir a resistência à mudança e aumentar o índice de aceitabilidade quanto à conservação dos ecossistemas;

– o aumento do esforço que pode representar uma nova atividade com relação às atividades habituais de recoleção de recursos naturais;

– a rentabilidade das novas atividades, do ponto de vista primeiramente camponês e depois nacional, bem como o custo das novas medidas de conservação ou de desenvolvimento quanto às perturbações sociais ou fraturas culturais, como aconteceu, por exemplo, com a implementação do projeto Conkouati na República do Congo.

Assitou Ndinga, consultor independente, BP 2298, Brazzaville, Congo, correio eletrônico: ndinga_assitou@yahoo.fr. O artigo na íntegra em francês está disponível em: http://www.wrm.org.uy/countries/Africaspeaks/Gestion_Aires_Protegees_En_Afrique.pdf

[1] UICN, Documento de análises meio- ambientais, África Central, 1988- 1990

[2] Informação sobre as relações entre o meio humano e meio natural: razões materiais para o emprego de recursos da diversidade biológica (consumo humano ou comercialização); freqüência da extração desses recursos; razões da escolha tradicional de atividades, das técnicas usadas, da composição atual dos povos e das migrações; tradições, usos, crescimento demográfico, visão interna da conversação, crenças, proibições, percepção do projeto por parte das populações, etc.