Moçambique é um país rico em recursos florestais, com uma área florestal de aproximadamente 40,6 milhões de hectares e 14,7 milhões de hectares de outras áreas arborizadas (DNTF, 2007). Muitas províncias possuem vastas áreas de belas florestas prístinas que as comunidades rurais usam para conseguir variados produtos para seu sustento bem como por motivos culturais e espirituais. Contudo, a diversidade florestal está escassamente documentada devido a razões tais como a vastidão do país, a escassa rede de transporte, a longa guerra civil, e a falta geral de recursos financeiros e humanos.
As florestas produtivas (áreas florestais demarcadas para a produção e a extração da madeira) cobrem aproximadamente 26,9 milhões de hectares, enquanto 13 milhões de hectares têm sido definidos como áreas não adequadas para a produção de madeira, principalmente onde estão localizados os Parques Nacionais e as Reservas Florestais. As florestas que têm algum tipo de proteção legal ou estado de conservação cobrem uns 22% da coberta florestal total de Moçambique.
O tipo de floresta mais extenso- que cobre aproximadamente dois terços do país- é o chamado de Floresta de Miombo. Esse tipo de floresta ocupa vastas áreas das regiões norte e centro de Moçambique sendo muito importante para a população local. É usada principalmente como fonte de lenha, carvão e plantas medicinais, como fonte de nutrientes e fertilizantes do solo através de queimadas e reciclagem das folhas, e como fonte de alimentos para os animais domésticos. Por terem geralmente solos férteis, as florestas de Miombo também são usadas para a agricultura (Moçambique, 2003).
A floresta de Miombo está caracterizada por uma densa coberta de vegetação, com árvores caducifólias e semi- caducifólias, que freqüentemente atingem entre 10 e 20 metros. O fogo é um importante componente ecológico nessas florestas já que permite a germinação das sementes e a nitrificação do solo. No início da estação de chuvas, os temporais com trovões podem começar os incêndios da vegetação com facilidade; contudo, a vegetação verde e os solos úmidos impedem que o fogo se espalhe. O segundo tipo de floresta mais extenso no país é a Floresta de Mopane, que ocupa especialmente a área Limpopo- Save e a parte alta do
Vale do Zambeze, e é caracterizada predominantemente pela ocorrência de árvores e arbustos.
Em decorrência da inadequação dos solos e da ocorrência de grande quantidade de fauna nas florestas de Mopane, há, em Moçambique, vastas áreas conservadas como as que formam os parques de Banhine, Zinave e Gorongosa.
Em geral, o norte do país tem florestas mais densas e menos exploradas do que o sul de Moçambique (Micoa, 1998).
População, florestas e exploração florestal
Mesmo que Moçambique tenha incrementado seus índices de crescimento econômico, “as diferenças também estão incrementadas, sendo que a maior parte do crescimento no PIB vai para os 20% de cima, enquanto a quantidade de pobres, muito pobres e extremamente pobres está aumentando” (Hanlon, 2007).
A maior parte dos moçambicanos vive em áreas rurais, dependendo dos recursos naturais para seu sustento diário. A agricultura de subsistência é praticada pela maioria da população rural pobre, e a comercialização dos produtos só é possível quando há excedentes de produção. Cerca de 7% da população tem acesso à eletricidade- o restante usa lenha, carvão, gasolina e gás. A coleta de lenha e a produção de carvão para cozinhar e se aquecer representa 85% do total do consumo energético no país.
Madeiras de todo tipo inclusive as de alto valor são usadas pelas comunidades para a construção de moradias e para artesanato, especialmente entalhes e esculturas. Os produtos florestais não madeireiros (NWFPs) incluem plantas medicinais, juncos, bambu, canas e alimentos das estepes como hortaliças silvestres, frutas e tubérculos, entre outros. A maioria desses NWFOs não são comercializados pelas comunidades locais, devido principalmente à falta de infra- estrutura e às dificuldades de acesso às cidades e mercados. O resultado é que as esteiras, cestos, cadeiras e camas feitas de gramíneas são vendidas principalmente ao longo das estradas principais.
Lei Territorial e Lei das Florestas e a Vida Silvestre
Duas legislações controlam e protegem as partes envolvidas com os recursos florestais: A Lei Territorial de 1997 e a Lei das Florestas e a Vida Silvestre de 1999, com regulações aprovadas só em 2002. A Lei Territorial (1997) reconhece e protege os direitos tradicionais à terra, inclusive às florestas. A Lei das Florestas e a Vida Silvestre (1999) descreve os direitos e benefícios das comunidades locais que dependem das florestas, tais como: o uso dos recursos para a subsistência, a participação no co- manejo dos recursos florestais, a consulta à comunidade e a prévia aprovação de concessões de direitos de exploração a terceiras partes, os benefícios do desenvolvimento decorrentes da produção madeireira sob um sistema de concessão.
A Lei Territorial de 1997 reconhece os direitos comunitários à terra e obriga à consulta à comunidade quando ocorrer a alocação de direitos de uso a uma segunda parte. Também faz um reconhecimento limitado dos direitos consuetudinários de forma a defender os direitos das mulheres (Negrão, 1999). Mesmo que as comunidades possam usar os produtos florestais para seu próprio consumo, não são permitidos de comercializar esses produtos sem uma licença (Norfolk et al., 2004).
A Lei das Florestas e a Vida Silvestre visa ao manejo sustentável dos recursos florestais, e à criação de uma estrutura mais efetiva para a geração e distribuição da arrecadação fiscal correspondente. Para essa lei, é essencial o conceito de Manejo Comunitário dos Recursos Naturais (CBNRM), que tem sido amplamente adotado no sul da África como um “processo de descentralização que visa dar às instituições populares o poder de decidir e o direito de controlar seus recursos” (Nhantumbo et al., 2003).
Um dos maiores defeitos da Lei Florestal é que não inclui os critérios de ocupação em relação às comunidades que reclamam os direitos aos recursos. A lei só oferece alguma proteção em relação às atividades de subsistência. É preciso concluir então que as duas leis controlam o uso da floresta se contradizem substancialmente, já que a Lei Territorial possibilita a transferência de direitos autênticos à terra, enquanto a Lei Florestal restringe o uso de recursos à subsistência não comercial (Norfolk et al., 2004). Assim, a Lei Florestal coloca no mesmo terreno de jogo às comunidades locais e às companhias internacionais e do setor privado, o que significa que elas devem solicitar licenças e implementar planos de manejo da mesma forma que o faz o setor privado, a despeito do fato de elas não terem recursos técnicos nem financeiros para fazê- lo.
Ameaças às florestas- extração ilegal de madeira
Conforme o inventário florestal nacional de 2007, a principal causa do desmatamento no país é a pressão humana que provoca as queimadas das áreas florestais para abrir áreas de cultivo, coleta de lenha e produção de carvão. O índice de desmatamento anual no país está na casa de 219.000 hectares ao ano, equivalente a uma mudança de 0,58% ao ano. (DNTF, 2007).
Apesar de o inventário sugerir que os índices de desmatamento estão diretamente relacionados com a quantidade de população por província, há vários estudos que indicam que as principais causas de desmatamento são a extração ilegal e insustentável de madeira, e em menor medida, as queimadas florestais.
Contudo, as queimadas provocadas pelo homem têm se generalizado no país, até o ponto de terem modificado o período de rotação, a freqüência e a intensidade do fogo nas florestas de miombo do norte de Moçambique. Essas ações têm importantes impactos nos índices de sobrevivência das sementes e das plantas mais jovens, já que o período entre as queimadas foi reduzido drasticamente. Além disso, o baixo índice de crescimento da floresta de miombo faz com que as plantas sejam incapazes de atingir um tamanho seguro antes da próxima queimada.
A exploração ilegal das florestas é um problema bem documentado e, com base em estimativas de um estudo feito pelo DNFFB e a FAO (2003), a produção clandestina de madeira em Moçambique pode ser responsável por 50 a 70% da produção nacional total. Em uma visita recente à província de Cabo Delgado, as comunidades reclamaram da extração madeireira extensiva que tem lugar nos arredores de seus povoados, das grandes quantidades de toras abandonadas na floresta (isso acontece quando os operadores florestais encontram os mínimos defeitos nas toras, e as abandonam), do corte indiscriminado de árvores grandes e pequenas, da atividade noturna dos operadores florestais (uma atividade ilegal em Moçambique), e da quantidade de operadores estrangeiros na província.
O mecanismo de encaminhar 20% dos rendimentos (1) florestais para as comunidades locais tem sido mal implementado, e apenas umas poucas comunidades receberam o dinheiro. Há várias restrições a respeito desse mecanismo, sentidas tanto pelo SPFFB (Serviços Provinciais de Floresta e Fauna Bravia) e as comunidades locais tais como os altos custos envolvidos no processo, a débil difusão da lei, a excessiva burocracia, a falta de comunicação entre os diferentes atores, os rígidos mecanismos bancários para as comunidades locais abrirem uma conta, a débil sociedade civil, entre outros. As comunidades que eventualmente recebem os 20% também enfrentam os problemas relacionados com sua capacidade de lidar com o dinheiro e com os eventuais projetos que pretenderiam implementar.
Há ainda mais problemas que afetam os membros da comunidade: as condições desumanas, o atraso no pagamento de salários, os salários por baixo do mínimo e a falta de contratação no setor florestal. Para os olheiros (homens que caminham longas distâncias dentro da floresta a fim de identificarem as árvores mais valiosas para cortar), o salário é de aproximadamente 1000 Mtn/ mês, enquanto para um cortador de madeira é de aproximadamente de 700 Mtn/ mês (2).
As equipes de corte trabalham em condições extremamente precárias, com pouco ou nenhum acesso a equipamentos de segurança como capacetes, luvas, máscaras ou botas. Não há primeiros socorros nem assistência médica, o que faz que uma ferida simples possa ser um grande risco, e as mortes são comuns. Não há serviços básicos como a água. Os trabalhadores freqüentemente são forçados a usar a o orvalho (umidade) das primeiras horas da manhã nas folhas e nas gramíneas para se higienizarem. A falta de serviços aumenta ainda mais os problemas de saúde.
A capacidade governamental para aplicar as leis é extremamente fraca. O corte ilegal de madeira está, portanto, generalizado, e os operadores florestais freqüentemente cortam mais do volume permitido pela licença, transportam as toras sem documentação, cortam árvores com tamanho menor do diâmetro legal, e arrancam árvores para exportação.
Além da falta de capacidade e financiamentos, a co-parceria da aplicação das multas (3), outro mecanismo legal que visa melhorar o manejo florestal e controlar o corte ilegal é praticamente inexistente.
Durante a visita de campo, as comunidades também mencionaram que os operadores ilegais apreendidos retornavam às florestas, fazendo o trabalho habitual. Em alguns casos extremos, informaram que não apenas esses operadores voltavam para a área de corte, mas ameaçavam os guardas da comunidade envolvidos no processo. Isso quebra a confiança das comunidades no sistema e questiona a utilidade de usar tempo e recursos para ajudar com o monitoramento das florestas.
Em uma entrevista com o diretor provincial de alfândegas (Customs Provincial Directorate, Pemba, 21 de agosto de 2007), ele comentou sobre a corrupção do sistema, que inclui a declaração de volumes menores, o falso registro da carga e das espécies madeireiras, e a exportação ilegal de toras de espécies (4) de madeira de primeira classe ou maiores que o tamanho legal de 10 cm. Os exportadores asiáticos dominam o mercado e estão mais interessados nos troncos porque o destino principal (China) não impõe taxas (ou são muito baixas) aos troncos, e sim impõe taxas significativas sobre a madeira processada. Vários entrevistados comentaram que as taxas na China foram a principal razão pelo interesse em troncos, e não a alta ineficiência das plantas processadoras (cerca de 50%) em Moçambique, porque as perdas são cobertas pelas plantas processadoras e não pelos compradores asiáticos, que pagam por volume de produto final.
A centralização é mais um empecilho no setor florestal. Muitos distritos administrativos não têm cópias das licenças florestais nem das concessões dadas dentro dos limites de seus distritos. Os governos locais raramente se envolvem no direcionamento dos 20% dos rendimentos florestais às comunidades locais.
Ao mesmo tempo, parece que o país está agora direcionando os esforços em direção ao desenvolvimento de estratégias para a produção de agrocombustíveis e plantações. Em uma visita recente através de Moçambique, ficou evidente que a maior parte das províncias, postos administrativos e municípios estão ávidos por projetos de agrocombustíveis, que são vistos como uma forma para sair da pobreza. Há vários planos para a produção de agrocombustíveis e etanol, principalmente a partir de jatrofa e cana-de-açúcar. Dependendo da escala e a localização desses planos, podem se tornar uma das maiores ameaças de desmatamento em Moçambique, já que as áreas florestais serão substituídas por plantações, e as comunidades rurais dependentes da agricultura e a coleta de produtos florestais ficarão ainda mais marginalizados.
Já foi dito que se os índices de desmatamento continuarem crescendo, os recursos se esgotarão em um período de 5 a 10 anos. Isso forçará às comunidades locais a migrar para terras degradadas, colocando em risco o seu sustento. Serão providenciados meios de vida alternativos para a população rural pobre? Poderão as cidades moçambicanas receber uma imigração maciça?
A necessidade de proteger as florestas moçambicanas e, portanto, o sustento local é uma questão urgente e deveria ser uma prioridade na agenda do Governo, em vez de desenvolver planos de reflorestamento e projetos de agrocombustíveis, que acabarão concorrendo pela terras florestais, enquanto colocarão em risco as comunidades dependentes das florestas.
Por Vera Ribeiro,
e- mail: veruribeiro@gmail.com. A versão na íntegra desse artigo está disponível em: http://www.wrm.org.uy/countries/Africaspeaks/Overview_problems_Mozambique_forests.pdf
[1] Decreto Nº. 12 de 2002 estipula que 20% do valor das tarifas por acesso, exploração e uso dos produtos florestais devem ser direcionados para as comunidades locais.
[2] 1 Mtn equivale aproximadamente a 24 USD.
[3] Decreto Nº 12/2002 de 6 de junho estabelece que 50% do valor das multas derivadas da transgressão da lei da floresta e da vida selvagem será destinado aos funcionários que aplicam a lei, aos agentes comunitários e às comunidades locais envolvidas.
[4] Artigo 12 do Decreto 12/2002 proibe a exportação de toras de madeiras preciosas, de especies de primeira, segunda, terceira e quarta classes, permitindo a exportação de espécies de madeira de primeira classe depois de serem processadas no país.