A vida real estoura na Convenção sobre Diversidade Biológica

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A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) é um processo governamental internacional que se apresentou como muito bom quando nasceu em 1992 durante a Cúpula da Terra das Nações Unidas ocorrida no Rio de Janeiro, Brasil.

Na época, parecia que os governos tinham se tornado cientes do futuro ameaçador da Terra caso a perda de biodiversidade pelo desmatamento, a biopirataria, a expansão do agronegócio, e outras questões permanecessem inalteradas. Por isso foi colocada a moção de um mecanismo- a CDB-, com reuniões a cada dois anos em cúpulas de alto nível e eventos paralelos de organizações da sociedade civil.

A CDB conseguiu resistir à contaminação corporativa um pouco mais do que outros fóruns (p.ex. a Convenção sobre Mudança Climática). Contudo, pouco a pouco, foi afastada de seus objetivos cada vez mais pela agenda da indústria até se tornar uma seqüência de prolongadas sessões que produzem documentos repletos de colchetes que são adiados à espera de os grupos de pressão fecharem seus acordos sobre questões que têm impactos diretos na vida presente e futura dos povos.

Em repetidas ocasiões, as organizações sociais têm tentado abrir uma brecha ao participarem dos espaços concedidos a elas dentro do processo. Contudo, raramente emplacaram efeitos reais nas políticas e aplicações.

Em decorrência disso, as organizações têm tentado fazer um caminho e insuflar os problemas, as preocupações e os sonhos das pessoas reais- enfim, a vida das pessoas reais- na CDB. E fizeram isso através da imaginação, participação, humor e até da provocação.

A seguir, um breve panorama de algumas das ações realizadas na atual 9ª Conferência das Partes (COP9) da CDB, que tem lugar em Bonn.

Domingo 18 de maio - “Os agrocombustíveis criam pobreza e fome”

Cerca de 60 pessoas protestaram contra o plantio em larga escala de cultivos para energia- que é um desastre para o abastecimento de alimentos e causa desmatamento- apresentado como uma forma de lidar com o aquecimento global. Até agora, a conclusão franca que diz respeito à necessidade de o uso da energia ser reduzido radicalmente, em especial no "Ocidente", é ignorada pelos principais meios de comunicação e os responsáveis políticos.

Em dois postos de gasolina, os motoristas tiveram que fazer uma escolha: ‘gasolina’ à direita, ‘alimentos’ à esquerda. Os cartazes no local afirmavam “os agrocombustíveis não são a solução para a dependência do petróleo.”

A maioria dos motoristas demonstrou simpatia pela medida, mas nesse momento queriam abastecer seus carros de qualquer jeito.

A frentista do posto de gasolina da Shell estava furiosa com as informações de oposição divulgadas na frente do posto e chamou a polícia. Depois de algumas discussões a ação foi permitida, mesmo que tivessem que dar aos motoristas mais possibilidades de contornar o ‘portão da escolha’.

Depois de duas horas, o grupo começou a se deslocar novamente para realizar uma curta manifestação que foi concluída com um piquenique com alimentos locais e saudáveis, já que ainda é possível.

Entre os manifestantes havia muitos integrantes da Via Campesina, a rede internacional dos pequenos agricultores. Para eles e para os milhões de pessoas que eles representam, a introdução dos agrocombustíveis em grande escala é um perigo direto para seu sustento e sua própria vida.

Mais fotos disponíveis em: http://www.globaljusticeecology.org/gallery.php?catID=26

Quinta- feira 22 de maio- Dia da Biodiversidade da ONU… ou melhor dizendo o Dia Internacional da Lucrodiversidade

A Câmara de Comércio Internacional,  a organização formada pelas maiores empresas do mundo, organizou uma reunião com almoço. A reunião foi interrompida pela visita de um grupo peculiar de “acionistas felizes” que celebravam os monopólios do agronegócio e parabenizavam a indústria por destruir a biodiversidade agrícola- fatos que possibilitaram a obtenção de seus altos lucros. No final, eles fizeram um brinde aos Fornecedores da Revolução 'Gangrena’![do inglês (Gan) Green, referindo-se à Revolução Verde]

Em uma parte do seu discurso, afirmavam: “Nós, ‘A Iniciativa dos Pequenos Acionistas’ (TSSI) estamos muito contentes a respeito das importantes questões que devemos informar em nome do Dia Internacional da Lucrodiversidade:

- A indústria consegue US$ 220.000 para apoiar as empresas em seu trabalho na CBD. Isso significa que nós podemos dar nossos lucros aos acionistas e ainda fazer com que as pessoas acreditem que nós trabalhamos pela biodiversidade.

- Durante a reunião de alto nível de quinta- feira, dia 29 de maio, a indústria tem justamente uma hora para apresentar suas idéias. Os outros grupos de interesse em conjunto têm que dividir a outra hora. Posteriormente, todos os delegados estão convidados, como parte do programa oficial, para um almoço. Outra opção seria fazer com que as delegações fizessem o que nós queremos.

Bravo!”

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Quinta- feira 22 de maio- Natureza para as pessoas, não para a indústria!

Ativistas de todo o mundo penduraram cartazes, bateram em xícaras e entregaram a mensagem da Via Campesina durante as celebrações oficiais do Dia da Biodiversidade, logo após a mensagem do secretário geral das Nações Unidas, Ban Ki Moon aos delegados da Convenção.

Devido ao fato de o agronegócio dominar o atual comércio de alimentos no mundo com um pacote de medidas da Revolução Verde que destrói a bio e a agrodiversidade, os cartazes diziam “Não há agrodiversidade sem agricultores” e “Natureza para os povos, não para a indústria”.

Após uns poucos minutos, o pessoal de segurança e funcionários das Nações Unidas tiraram os cartazes e as pessoas que os seguravam foram acompanhadas a sair do Hotel Maritim, e perderam os crachás de credenciamento que são solicitados para participar das reuniões.

Contudo, os membros da Via Campesina receberam aplausos de muitos delegados governamentais ao entoarem “natureza para os povos, não para a indústria”.

A mensagem foi que nenhuma solução pode provir do modelo de produção atual. Pelo contrário, são as comunidades rurais que têm a chave tanto para lutar contra a fome no mundo quanto para salvaguardar a biodiversidade do planeta.

Eles têm a capacidade de alimentar o mundo promovendo a diversidade de alimentos e mantendo as culturas tradicionais sem sobrecarregar o meio ambiente. Além disso, a produção ecológica local em pequena escala, é um caminho efetivo e imediato para reduzir as emissões de carbono e esfriar o planeta.

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Sexta- feira, 24 de maio - As plantações não são Florestas!

O Conselho de Florestamento alemão organizou um evento para os representantes da indústria florestal e madeireira.

Como é de praxe, o discurso com uma abordagem utilitária e em prol do mercado não diferenciou as florestas das plantações, e de fato, foi ilustrado com fotos de plantações de monoculturas de árvores descritas como florestas.

O uso e a comercialização das florestas foram apresentados como estratégias em favor do clima, enfatizando a capacidade das florestas para seqüestrarem carbono. A apresentação finalizou com um emotivo “apelo” para usar os recursos madeireiros, ilustrada por uma imagem de uma escultura- o “homem de madeira”, e seguida por um concerto de violino, cujo propósito era salientar que “até os violinos” são feitos de madeira.

Após a apresentação houve uma recepção. Espontaneamente, um grupo de cinco mulheres montou uma estratégia para apresentar suas opiniões: quando os convidados estavam desfrutando de drinques e aperitivos, elas capturaram sua atenção, e se revezaram para fazer breves declarações sobre os perigos das árvores GM, o fracasso das plantações como forma de atingir os objetivos de mitigação da mudança climática e proteção da biodiversidade e sobre o impacto das plantações das monoculturas de árvores nos solos, cursos d’água e pessoas no Brasil e no Uruguai, bem como a situação das florestas européias, apontando seu longo histórico de exploração e a concomitante perda de biodiversidade.

Um pequeno grupo de pessoas aparentemente contrariadas pela interrupção saiu do salão, mas em geral essa pequena medida foi bem recebida pelos convidados que aplaudiram e acenaram a cabeça positivamente. Uma oportunidade a mais para falar contra a mentalidade das monoculturas.

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Terça- feira, 27 de maio - Um apelo para proibir as árvores GM

Uma cerimônia de plantio de árvores foi realizada do lado de fora da reunião da CDB. Um grande número de ativistas participou dela, alguns fantasiados de frankentrees geneticamente modificados tentaram invadir a CDB enquanto outros os detiam e impediam de seguir em frente.

A cerimônia de plantação de árvores foi um gesto simbólico de como a indústria está impulsionando as plantações de monoculturas de árvores exóticas e freqüentemente invasivas. As árvores geneticamente modificadas implicam mais plantações e uma ameaça ainda maior.

A proibição da liberação das árvores geneticamente modificadas é apoiada por delegados da África e de muitos países- membros da Ásia e América Latina. Esta questão foi discutida longamente durante a primeira semana da Convenção sobre Biodiversidade e agora passará ao Segmento de Alto Nível onde os ministros de todo o mundo irão decidir o que acontecerá com essa questão.

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Quarta- feira, 28 de maio - FSC: Chega de certificar plantações de monoculturas de árvores

Ativistas de movimentos sociais participaram de um evento paralelo organizado pelo Conselho de Manejo Florestal (FSC). Com cartazes, eles manifestaram sua preocupação pela abordagem do FSC, que tem ignorado as evidências providenciadas pelos movimentos sociais e ambientalistas do mundo inteiro a respeito dos impactos negativos das plantações de árvores, e que permitiu que milhões de hectares de plantações de monoculturas de árvores tenham sido enganosamente certificadas como “florestas”.

Durante o evento paralelo foi lida uma declaração na qual expressaram que além de terem que enfrentar governos e corporações, as comunidades locais na luta contra as plantações em grande escala de monoculturas de árvores devem fazer face ao problema adicional decorrente do fato de essas plantações receberem credibilidade através da certificação do FSC. Contudo, cada vez mais o FSC perde sua credibilidade pela certificação desses e de outros projetos destrutivos.

Após algumas perguntas e uma curta discussão, o FSC encerrou a reunião, mesmo que outras pessoas quisessem fazer perguntas e algumas salientassem que esse devia ser um espaço democrático para discutirem os problemas com o FSC.

Os ativistas concluíram que a tomada de decisões do FSC está controlada por interesses corporativos e pretende convencer aos consumidores de que a compra de mais produtos madeireiros é boa para a biodiversidade, minando assim os esforços das organizações ambientalistas que vêm trabalhando e conscientizando os consumidores sobre a necessidade de reduzir o consumo.

Eles afirmaram que: As plantações não são florestas e o FSC não deveria certificá-las! O FSC deveria DEIXAR DE ser uma ferramenta para os interesses corporativos!

Mais fotos disponíveis em: http://www.globaljusticeecology.org/gallery.php?catID=26

 

Reportagens baseadas em informações obtidas de:

La Vía Campesina, http://viacampesina.org/main_en/index.php;

Global Justice Ecology Project, http://www.globaljusticeecology.org;

Indymedia Biotech, http://biotech.indymedia.org/or/

Global Forest Coalition, http://www.globalforestcoalition.org

Foto cortesia de: Global Forest Coalition