Ou Poema da Água
Ontem eu podia chorar e derramar úmidas lágrimas
Podia trabalhar e transpirar livremente úmido suor
Mas hoje
Não é assim
Os leitos dos rios se secaram
Os rios se desviaram para gargantas privadas
Os riachos viraram rios de sal
Eu transpiro sangue
E choro com os olhos secos
Nossos pais e avôs, nossas mães e avós e nossos antepassados diziam que
Na sua época
Os córregos, os rios, os riachos e as lagoas
Eram claros, saudáveis, não tinham cheiro nem sabor
Na sua época
Quando falávamos em processo, ninguém pensava que
Estávamos no processo de privatizar nossas gargantas
Engasgando-nos com soda cáustica enquanto
Águas de processo de perfurações e efluentes fluidos
De fábricas de papel de eucalipto
Tentam encobrir o afã e os enganos de temerários magnatas
Embrulhados em escuros casulos de planos financeiros internacionais
Para subjugar e espremer e mercantilizar
Nosso suor e nossas lágrimas
Nossos pais e avôs, nossas mães e avós e nossos antepassados diziam que
Na sua época
Os córregos, os rios, os riachos e as lagoas
Eram claros, saudáveis, não tinham cheiro nem sabor
Na sua época
Sonhos de brilhantes córregos evocam pinceladas surrealistas
Peixes dançando entre anzóis de aço e armadilhas de junco
Seixos e areia arrastando o mergulho para achar um tesouro escondido
Prosperaram séculos a salvo de espreitadores olhos
Pesquiso na profundidade de teu coração e vejo
Fósseis de sonhos esquecidos
Calcificados
Histórias como contos removidos há tempo
Caranguejos devorados há muito, tartarugas arremessadas
Para terras afastadas
Nossos pais e avôs, nossas mães e avós e nossos antepassados diziam que
Na sua época
Os córregos, os rios, os riachos e as lagoas
Eram claros, saudáveis, não tinham cheiro nem sabor
Na sua época
Ontem à noite as crianças dançavam na chuva ácida
Duplamente aquecidas por infernais línguas de dragão
Cuspindo e queimando gás
Carapaças vazias, buracos sem vida, morte por toda parte
Homens desesperados, suas costas quebradas, sem lares há tempo
Sentados em bancos de bambu artificial
Tentando conseguir em vão peixes em lagoas ácidas
Ansiando achar peixes de lama em alcatroadas piscinas
Nossos pais e avôs, nossas mães e avós e nossos antepassados diziam que
Na sua época
Os córregos, os rios, os riachos e as lagoas
Eram claros, saudáveis, não tinham cheiro nem sabor
Na sua época
Antigamente eu podia segurar-te nas minhas mãos
Agora estás cativa em plástico
Esses logos, são de teus criadores?
As águas de nascentes brotam de ubíquos furos de broca
Águas poluídas comerciadas como fluidos vivificantes
Surpreende, não é?
Quem criou os robôs que roubam?
Exigimos que
Liberem nossas águas
Prendam os bandidos da água
Poluidores e ladrões!
Nossos pais e avôs, nossas mães e avós e nossos antepassados diziam que
Na sua época
Os córregos, os rios, os riachos e as lagoas
Eram claros, saudáveis, não tinham cheiro nem sabor
Na sua época
Por Nnimmo Bassey