A atual expansão de monoculturas de árvores não tem acontecido por acaso, só porque alguns governos tiveram essa idéia. Pelo contrário, é o resultado das ações de um conjunto de atores que planejaram a promoção de tais plantações.
Na década de 1950, a FAO constituiu-se como o ideólogo do modelo de monoculturas de eucaliptos e pinheiros em grande escala (como parte da chamada Revolução Verde promovida por esse organismo) em territórios de países do Sul, como resposta às necessidades de grandes empresas industriais que estavam esgotando suas fontes tradicionais de matéria-prima.
Nas décadas seguintes começam a intervir uma série de atores- Banco Mundial, FMI, BID, Banco Asiático de Desenvolvimento, processos das Nações Unidas sobre florestas (IPF, IFF, UNFF), agências bilaterais como GTZ e JICA, empresas consultoras como Jaakko Poyry- que contribuem com argumentos, conhecimentos técnicos, pesquisas e financiamento para convencer os governos das bondades do modelo. O modelo florestal foi ganhando cada vez mais força à medida que foi se forjando um voraz mercado consumidor- encorajado pela própria indústria- até atingir a enorme expansão atual.
Em decorrência dessas influências externas, os governos do Sul acabaram conformando políticas governamentais de promoção das plantações florestais, já definida e em grande medida calcada- com leves variações- na maioria dos países, que tem como destino os mercados de exportação: a indústria de cosméticos e recentemente os agrocombustíveis para o dendê; a madeira e a celulose para os pinheiros, a indústria da celulose e o papel para eucaliptos, a borracha para a indústria automotiva.
Conforme as condições de cada país, as políticas governamentais adotaram diversas formas de promoção, desde subsídios diretos e indiretos (tais como isenções de impostos, restituição parcial do custo de plantação, créditos brandos no longo prazo, dedução de impostos à importação de maquinários e veículos, construção de infra- estrutura, igualdade de benefícios para investimentos do exterior, pesquisa), até concessões de terras florestais.
Os subsídios diretos foram instrumentais em países como o Chile e o Uruguai, enquanto a concessão de áreas florestais com usufruto comercial da madeira e posterior transformação em plantações foi o principal mecanismo de promoção na Indonésia e Malásia/ Bornéu.
Ao mesmo tempo, os governos se responsabilizaram por garantir- sem custo para as empresas- o controle social e, sempre que fosse necessária, a repressão da oposição local. Na maioria dos casos a repressão faz parte da “promoção”, tanto para garantir o desalojamento das comunidades camponesas e indígenas e a transferência de suas terras às empresas nos casos de concessão- tal como ocorreu na Indonésia, Colômbia, Papua Nova Guiné, Suazilândia, África do Sul- quanto para garantir a estabilidade da propriedade em mãos de grandes empresas nacionais e estrangeiras nos casos de venda de terras.
Em ambos casos, o governo assume a função de garantir a posse segura da terra por parte das empresas, reprimindo qualquer reclamação local, como aconteceu no caso dos territórios dos Mapuche no Chile; os Tupinikim, Guaranis e Pataxós no Brasil; as comunidades afro-descendentes na Colômbia, Brasil, Equador; as comunidades indígenas de Kalimantan Ocidental na Indonésia e de Sarawak na Malásia; as etnias Lahu, Lisu e Palaung da Tailândia- por citar apenas alguns exemplos.
Na realidade, o desenvolvimento da indústria florestal aconteceu em muitos casos sob o amparo das ditaduras militares, o que é ilustrado pelos países com maiores áreas de plantações: a Indonésia durante o regime genocida de Suharto, o Chile durante a ditadura de Pinochet, a África do Sul durante a época do apartheid e o Brasil durante a ditadura militar.
Como se os estímulos existentes à promoção de plantações não fossem suficientes, o Protocolo de Kioto, acordado em dezembro de 1997 como parte da Convenção sobre Mudança Climática das Nações Unidas, tornou-se outro ator importante na promoção do florestamento em grande escala, já que habilita os países industrializados a “compensar” suas emissões de dióxido de carbono através do estabelecimento de plantações florestais em países não industrializados. Como salientamos na editorial, o Protocolo de Kioto avalou a criação do comércio internacional de emissões, cujo valor chegou a US$ 30 bilhões em 2006. O mecanismo de mercado dos “bônus de carbono” acaba sendo um novo subsídio para as plantações de árvores.
O novo negócio dos agrocombustíveis constitui mais uma virada na promoção do florestamento industrial, criando um novo filão de mercado para o dendezeiro como matéria- prima do biodiesel, e com perspectivas de abranger outras culturas de árvores, como o eucalipto, para a produção de etanol celulósico a partir de árvores transgênicas.
Mas a par da promoção das plantações florestais houve processos que resistiram a elas adotando diversas formas, desde mecanismos legais até lutas populares, e geralmente, as duas coisas. O resultado é que os organismos governamentais estão sofrendo pressão para adotarem providências no sentido de limitar a expansão destas monoculturas. A seguir, alguns exemplos ilustrativos desta situação.
No Chile, o Congresso aprovou recentemente o Projeto de Acordo 416 que encomenda à Comissão de Recursos Naturais e Meio Ambiente a pesquisa e compilação dos impactos sociais, trabalhistas e ambientais do modelo florestal. Isso resultou na petição de relatórios aos ministérios e a citação de várias pessoas para declarar junto à Comissão.
No Equador, a proposta de constituição da CONAIE (Confederação de Nações Indígenas do Equador) para a Assembléia Constitucional inclui os seguintes conceitos: “Será objetivo permanente do governo o desenvolvimento integral e sustentável das atividades agrícola, pecuária, aqüícola pesqueira, artesanal e agroindústria, que forneçam produtos de qualidade para o mercado interno, no intuito de tornar realidade a soberania alimentar da população que deve priorizar o fornecimento das necessidades nutricionais sobre a produção de biocombustíveis...” “O modelo agrário sustentável implica preservar e enriquecer a diversidade genética das culturas, proibir os transgênicos e as práticas de monocultura e, em geral, todas aquelas que reduzirem a variedade genética.” “Fica proscrito o monopólio da terra e o latifúndio, cujas terras servirão para a integração do minifúndio em unidades produtivas, o fomento da propriedade comunitária e a organização cooperativa”.
Na Tasmânia, o Concelho da ilha King proibiu as plantações em terras agrícolas e eliminou de seus planos o florestamento como uso agrícola aceitável (vide Boletim Nº 115 do WRM). Tem havido uma crescente mobilização contra a empresa celulósica Gunns, com uma grande passeata na capital Hobart da qual participaram cerca de 15.000 pessoas.
Cabe mencionar que algumas regulamentações em vigor têm freado a expansão indiscriminada das monoculturas florestais. É o caso da Lei Nacional de Águas da África do Sul (Nº 34 de 1998), que reconhece a redução dos cursos d'água que podem provocar as plantações de árvores e estabelece limites a essa expansão.
A seguir, e a modo de caso modelo, apresentaremos uma análise mais detalhada da situação no Brasil (um dos países com as maiores áreas de plantações): os atores que incentivam o modelo de florestamento em grande escala, o processo de introdução, os diversos mecanismos que acabaram por conformar a política governamental. Também são descritas diversas iniciativas populares que dão voz aos inúmeros setores que têm sido despojados de suas terras e formas de sustento, sua cultura, seu ambiente e seu futuro, mas que através de uma luta organizada também dão forma à esperança.