Com o discurso ideológico do grande capital travestido de desenvolvimento sustentável e salvador dos pobres, gigantes da celulose avançam sobre o Estado do Rio Grande do Sul. Com seu capital pagam campanhas eleitorais, financiam propagandas enganosas, e manipulam o poder público ao seu bel-prazer.
São termos de ajustamento de conduta para permitir as plantações desde já, sob alegação de que as empresas não sofram perdas econômicas. São pagamentos de campanhas eleitorais e troca de diretores de órgãos ambientais, sem falar na pressão sobre os técnicos destes órgãos para acelerar os licenciamentos ambientais.
As diretorias das empresas, sem escrúpulos, declaram publicamente que os órgãos ambientais de competência técnica devem obedecer às ordens do governo do estado, demostrando claramente que se trata de uma decisão política. O governo do estado e o da união são favoráveis aos plantios de árvores. A linha política do governo Lula é o aumento da celulose e biocombustível. O plantio de eucaliptos contempla estes dois interesses e deve ser promovido a qualquer custo.
Documento regulatório é rechaçado
Para analisar as áreas do estado e o impacto da silvicultura foi realizado um Zoneamento para Silvicultura, determinação do governo estadual anterior. Trata-se de um documento (projeto de lei 6424/05) que reúne as leis, regras, normas que podem orientar o plantio, apontando as áreas mais frágeis e as menos frágeis para a atividade, envolvendo aspectos sociais e ambientais.
No zoneamento, o Estado foi dividido em 45 Unidades de Paisagem Natural (UPNs). Na UPN a resposta do ambiente ao plantio de eucalipto é idêntica em toda a sua extensão, ao contrário das bacias hidrográficas – como sugerem alguns críticos do zoneamento – que apresentam características físicas muito heterogêneas.
As UPNs receberam classificações de alta, média ou baixa restrição para a silvicultura. Foram aplicados critérios como: a existência de Unidades de Conservação (federais, estaduais ou municipais); a presença de espécies de fauna e flora criticamente ameaçadas de extinção (entre elas os últimos trechos de campos nativos); a disponibilidade hídrica e o potencial risco de deficiência hídrica no verão; a fragilidade dos solos; a análise sócio-econômica; o registro de territórios indígenas e quilombolas.
Seguindo todos estes critérios, cerca de oito milhões de hectares foram liberados para o plantio das árvores, bem acima da expectativa de um milhão de hectares prevista pelas empresas. Mesmo assim, empresas e governo do estado rechaçam o documento e inúmeros mecanismos tem sido criados para que não entre em vigor. Enquanto não é aprovado pelo órgão ambiental competente (CONSEMA) não tem validade de lei e o que seria um marco para o estado é posto de lado por pressões políticas.
A pressão política no estado gerou o afastamento, em quatro meses, de quatro presidentes da Fundação Estadual de Proteção ao Ambiente Natural (FEPAM), órgão ambiental estadual responsável pelos licenciamentos e a troca da Secretária de Meio Ambiente. A escolha do novo secretário de meio ambiente, um promotor público, parece querer coergir as ações do ministério público ao não cumprimento das suas tarefas em defesa do meio ambiente e aos direitos difusos da população.
Audiências públicas fraudulentas
O Zoneamento deveria ser apresentado para a população em cada uma das UPN, o que deveria ser feito nas audiências públicas realizadas no interior. Entretanto as audiências realizadas estiveram lotadas de funcionários das empresas de celulose que iam de uma audiência para outra. A população local, diretamente atingida pelos plantios ficou sem saber do que se trata o documento e sem poder entrar, pois o espaço já estava ocupado.
Estão marcadas novas audiências públicas, agora relativas aos Estudos de Impacto Ambiental, com vistas aos respectivos Relatórios de Impacto Ambiental das empresas Aracruz Celulose, Derflin (Stora Enso) e Votorantim Celulose e Papel Celulose. A expectativa é que se repita o espetáculo anterior. Estudos que deveriam ser realizados ao longo de, pelo menos uma década, como por exemplo, de hidrologia, tem sido apresentados como acabados.
Afrouxamento das leis põe ambiente em risco
Áreas de fronteira, adquiridas ilegalmente pela empresa Stora Enso, burlando a legislação nacional que trata desta matéria foram licenciadas para o plantio pela Delfrin, empresa de nome nacional, mas de capital da Stora Enso. Tentativas de alteração desta lei tem sido feitas junto aos parlamentares.
Com o intuito de flexibilizar as leis ambientais um projeto propondo alterações no Código Florestal circula a nível federal apresentado pela bancada ruralista. A classe ruralista é grande interessada nos latifúndios de eucalipto, por entender que ele impede o avanço dos assentamentos de reforma agrária, o que consideram uma ameaça.
O projeto de lei 6424/05 circula atualmente na Câmara de Deputados. Entre as alterações sugeridas está o plantio de árvores exóticas em área de reserva legal. A atual legislação brasileira estabelece que a área de Reserva Legal deve ser de 80% na Amazônia, 35% na região de Cerrado que esteja nos estados da Amazônia Legal e 20% da propriedade nas demais regiões do país. Reserva Legal é uma área onde deve ser mantida a vegetação nativa que cumpra a função ecológica de habitat para a biodiversidade e/ou fornecedora de serviços ambientais como estoque de produtos florestais, proteção do solo e corpos d’água, controle de pragas e incêndios e captação de carbono da atmosfera. Se aprovado, o projeto permitirá o avanço do plantio de matéria-prima em larga escala para a produção de biocombustíveis, sobretudo o dendê na Amazônia e o avanço das monoculturas de eucalipto em todas as áreas do Brasil.
A expansão das áreas com eucalipto que a princípio era para produção de celulose e papel serão transformadas a médio prazo em monoculturas para produção de biocombustível. O pesquisador da USP, José Goldemberg, fala que solução para a crise energética em termos científicos é investir em pesquisas que consigam extrair o combustível a partir da celulose, com rendimento energético até dez vezes maior do que o álcool brasileiro. Hoje, a tecnologia para a transformação da celulose de eucalipto em combustíveis ainda é sofisticada e detida pela Shell e British Petroleum. Desta forma, as plantações de eucalipto servem para garantir a hegemonia e o controle sobre os agrocombustíveis. A mudança na matriz energética de petróleo para outros produtos esta gerando alterações na sociedade, já previstas pelo Grupo Rockefeller, que consolida seu domínio sobre a matriz energética do planeta.
Felizmente, formigas também incomodam gigantes
A ilegalidade das empresas em conluio com o estado tornou-se evidente a partir do firmamento de contratos de “poupança florestal” com os assentados da reforma agrária e plantio nos lotes. O contrato não poderia ser firmado com os assentados pois eles ainda não tem a posse da terra. O plantio nos assentamentos foi uma boa estratégia de marketing. As empresas divulgavam aos quatro cantos que o plantio de monoculturas era bom e cumpria a sua função social, porque até os assentados estavam plantando. Em maio deste ano os assentados arrancaram as árvores ou mudas de eucalipto que haviam plantado nos lotes.
Movimento dos Sem Terra (MST), de setembro a novembro fez uma marcha com 1700 pessoas. Era a Jornada contra as transnacionais e pela soberania alimentar, que ocorre no dia 16 de Outubro. Acampamento em frente a Votorantim e corte de pés de eucalipto plantados pelas empresas Votorantim Celulose (Bagé) e Stora Enso (Rosário do Sul), foram algumas das estratégias usadas para chamar a atenção da população e do governo para que destine recursos públicos para outros fins que não estas grandes empresas.
Este ano a Votorantim (VCP) recebeu 40 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que de social só leva o nome. A Caixa RS, Banrirul e BRDE manifestam que estão sobrando recursos para financiamento da silvicultura. As empresas de celulose são ligadas às coroas européias e no Brasil recebem incentivos fiscais e isenções de impostos, pela Lei Kandir, de forma que noventa e cinco por cento da celulose é exportada com isenção de impostos. No estado do RS, empresas exportadoras recebem isenção de ICMS (imposto de circulação de mercadorias e serviços). Enquanto isto, as populações aguardam indefinidamente o dinheiro para os pequenos projetos de turismo, de agroecologia, e formação de uma cadeia produtiva que gere um desenvolvimento sustentável.
Aliado à pressão popular, uma ação civil pública foi ajuizada por ONGs ambientalistas exigindo que se cumpram as leis ambientais e se preste atenção ao zoneamento para silvicultura. Recentemente a decisão da juíza federal Clarides Rahmeier, tirou da esfera estadual e transferiu para o órgão federal, IBAMA, a incumbência de liberar áreas para a silvicultura no Rio Grande do Sul. Esta Liminar re-acendeu o debate. Prefeitos de alguns municípios vieram à capital questionar sobre a decisão judicial. Qualquer alteração, por menor que seja, nos planos estipulados pelo governo e empresas gera alarde e se apresentam homéricas cifras econômicas de diminuição dos investimentos no estado.
Em entrevista sobre a decisão, o diretor de operações da Aracruz, Walter Lídio Nunes, diz “Fomos convidados para desenvolver a Metade Sul. É uma surpresa a juíza questionar um estado de direito. Teremos atraso no cronograma”. De fato, vivenciamos o estado de direito do capital que sobrepuja ao meio ambiente e às populações. A partir da mobilização social e judicial, espera-se que algo mude na atual política. Afinal, milhares de formigas também tem a força para derrubar um gigante.
Por: Ana Paula Fagundes, Bióloga, sorriam@hotmail.com. Mais informações sobre o tema no site: www.defesabiogaucha.org