Após 12 anos, poderosas mineradoras transnacionais não conseguiram quebrantar a vontade dos camponeses da zona de Intag, Cantão Cotacachi, Província Imbabura, no noroeste do Equador.
Esse pesadelo começou em 1991, quando um japonês, até agora anônimo, começou a percorrer a área de lado a lado no seu carro. Ninguém sabia ao certo o que ele estava fazendo. Por volta de 1995 foi sabido que o que o japonês fazia era “exploração mineira”, quer dizer, que estava à procura de minérios no subsolo.
Com a exploração, o jeito pitoresco do japonês virou incômodo e prejudicial, já que em decorrência das perfurações realizadas e as substâncias poluidoras vazadas nos riachos, os camponeses da área começaram a perceber efeitos prejudiciais na saúde das crianças que tomavam banho nos rios, doenças no gado e outros contratempos. A população local iniciou um processo de organização, cujo motor foi, inicialmente, a necessidade de obter informação sobre o que estava acontecendo por baixo do pano. Era a época da Bishi Metals, uma multinacional japonesa, cujas atividades ficaram na lembrança como um jogo de crianças se comparadas com o que mais tarde viria a acontecer.
Nesse contexto, nasceu a organização de base Defesa e Conservação Ecológica de Intag (DECOIN), que coordena programas de educação e proteção ambiental; entre eles, um projeto de proteção de bacias hídricas e a conformação da Reserva Comunitária Junín, além de muitas outras iniciativas ambientais e sociais.
Os moradores das comunidades de Cerro Pelado, Junín, El Triunfo, Villaflora, Cuaraví, La Armenia, Cazarpamba e Barcelona, as mais afetadas pelo projeto mineiro, vêm ratificando- desde o início da entrada das transnacionais mineradoras- sua decisão de impedir tal atividade em suas terras. Até agora, as empresas mineradoras não puderam iniciar as atividades propriamente mineiras, porque as concessões estão localizadas dentro da Reserva Comunitária Junín, uma área de florestas primárias de imenso valor biológico situadas na zona de amortecimento da Reserva Ecológica Cotacachi-Cayapas, uma das mais importantes do Equador. Além disso, essas florestas nubladas fazem parte da biorregião Chocó e constituem o hot-spot Andes Tropicais, a área biologicamente mais candente entre os 34 hotspots mais importantes do mundo. Esta reserva é protegida pelas comunidades com muito zelo.
A história da resistência contra a mineração em Intag não pode ser concebida sem outros pilares organizativos, e com o acréscimo de uma série de afortunados acontecimentos, como a eleição do economista Auki Tituaña, um carismático dirigente indígena, como Prefeito de Cotacachi, em 1996. O Prefeito incentivou um processo político participativo genuíno, que possibilitou entre outras muitas coisas a promulgação, por iniciativa dos moradores de Intag, de uma Ordenança Municipal que declara Cotacachi como Cantão Ecológico (texto disponível em: accionecologica.org/descargas/ areas/otros/documentos/ordenanza.doc). Trata-se de uma normativa única na América Latina e talvez no mundo, que objetiva a proteção dos recursos naturais e portanto, obstaculiza a mineração.
As circunstâncias foram muitas, mas o fato definitivo que interrompeu as atividades da Bishi Metals em Intag foi o controle de seu acampamento por parte dos habitantes das comunidades que seriam afetadas pelo projeto mineiro: os guardas foram expulsos, os pertences da empresa foram retirados e entregues em custódia ao Prefeito, o acampamento mineiro foi desmontado e o que restou foi queimado. Com isso, alguns dos participantes desses acontecimentos foram levados à juízo, ao serem denunciados não pela empresa, que de má vontade aparentemente aceitou a determinação do povo, mas pelo Estado equatoriano, concretamente pelo Ministério das Minas e Energia. Como nunca foi possível demonstrar a culpabilidade dos camponeses por esses acontecimentos, o longo processo judicial foi suspendido definitivamente em 1999.
A esse respeito, cabe apontar que no Equador, a Lei de Mineração em vigor foi financiada pelo Banco Mundial através do Projeto de Desenvolvimento Mineiro e Controle Ambiental (PRODEMINCA), que teve durante sua execução uma série de irregularidades quanto às normas ambientais do Banco Mundial. Diante da denúncia feita na época pela DECOIN, o próprio Banco realizou uma investigação do projeto.
As áreas de concessão mineira na zona de Intag são denominadas Golden 1, Golden 2 e Magdalena 1. Trata-se de 7.000 hectares de concessões mineiras que, depois da saída da Bishi Metals, foram adquiridas pela mineradora canadense Ascendant. Hoje, as concessões da Ascendant abrangem 22.500 hectares na zona de Intag.
Conforme testemunhos dos moradores, com a entrada dessa mineradora à zona de Intag começa o pior pesadelo vivenciado na região. A conseqüência mais grave é o conflito social despertado pelos oferecimentos dos relacionadores comunitários --intermediários entre a companhia e as comunidades através de organizações de desenvolvimento fictícias (primeiro, o Conselho de Desenvolvimento de García Moreno- CODEGAM; depois, a Organização de Desenvolvimento de Intag- ODI)--, que provocou o enfrentamento entre parentes, amigos e vizinhos.
O prefeito Tituaña encaminhou uma carta aberta à empresa (15 de dezembro de 2004), detalhando o descumprimento das leis: “Desde os primeiros dias da presença da Ascendant Exploration em nosso Cantão, […] seus funcionários não informaram a nenhuma instância de seus planos, nem solicitaram a autorização respectiva para realizar suas atividades dentro de nosso território. Por outro lado, a gravíssima falta de consulta com as comunidades potencialmente afetadas sobre o projeto mineiro de sua empresa, constitui uma ineludível violação aos direitos constitucionais do Equador, violação que jamais deixaremos impune. […] foi desrespeitada a vontade das comunidades, bem como os planos de desenvolvimento locais elaborados participativamente com os atores sociais do cantão. Adicionalmente recebemos […] ameaças de morte a líderes que lutam contra a mineração”. Um dos aspectos que é fortemente questionado é a validade das concessões mineiras.
As denúncias realizadas pelos moradores junto aos organismos de direitos humanos incluem oferecimentos de dinheiro aos presidentes das comunidades em troca de sua assinatura em favor da mineração; presença de guarda-costas e paramilitares fortemente armados com pistolas, gás e bombas lacrimogêneas, que em várias ocasiões dispararam contra os comuneiros; pagamentos para ir a reuniões convocadas pela mineradora; pressões para os assistentes assinarem papéis em branco, contratação de terceiristas não autorizados, reiteradas invasões da propriedade privada.
A concessão mineira está localizada em uma área habitada por colonos de 5 comunidades (cerca de 150 famílias), que deveriam ser despejados pelo projeto. Tradicionalmente, para os camponeses tem sido difícil escriturar suas propriedades, ao terem que enfrentar diferentes obstáculos relacionados com a documentação a ser apresentada e a justificação de seus direitos sobre a terra. Pouco depois da chegada das mineradoras, reconhecidos traficantes de terras, ou seja, pessoas que profissionalmente se dedicam a adjudicar- se propriedades e demonstrar com documentação falsa seus direitos sobre elas, tentaram reiteradamente tomar posse de terras situadas sobre as jazidas e nos arredores, de forma ilegal e escriturá-las. Por vezes, conseguiram a posse em poucos dias graças à cumplicidade de funcionários corruptos. Também foram feitas compras ilegais dentro de áreas do Patrimônio Florestal do Estado, ou de áreas de proteção mineira ou até de terras que já tinham sido vendidas anteriormente a outras pessoas a preços inferiores. Devido a todas essas confusões, a Comissão Anticorrupção (CCCC) realizou una exaustiva investigação que está prestes a concluir nos próximos dias.
Desde setembro de 2006, as comunidades locais condenam as reiteradas e sistemáticas tentativas por parte da mineradora de desprestigiar e caluniar pessoas e organizações que têm se posicionado contra a mineração. Conforme a Comissão Ecumênica de Direitos Humanos (CEDHU), uma das formas mais agressivas em que se manifestaram tais tentativas é através de una campanha de denúncias sistemáticas contra diferentes líderes e camponeses, que se opuseram a cada tentativa de entrar às concessões mineiras por parte do pessoal da companhia ou seus aliados.
Os acontecimentos descritos fizeram com que a oposição à mineração na zona aumentasse e hoje é una unanimidade de todos os governos locais da região. Cada um dos sete governos paroquiais da zona de Intag e também o governo da província bem como as comunidades dentro dos limites e adjacências das concessões da mineradora, expressaram publicamente sua oposição ao projeto mineiro.
Além de resistir à mineração, o interessante processo organizativo da zona de Intag permitiu melhorar a produção de café orgânico, que é exportado quase em sua totalidade ao Japão por um preço justo, mantido apesar das flutuações do mercado. Outros grupos organizados elaboram produtos artesanais, como os confeccionados com fibra de cabuya (sisal), bordados à mão, sabonetes à base de Aloe Vera e outros produtos naturais. Na comunidade de Junín, centro da resistência, existe uma iniciativa de turismo comunitário que agrupa a maioria das famílias da comunidade e que recebe uma média de 650 turistas ao ano, gerando benefícios significativos. Além disso, conformou-se um grupo de guardas florestais que vela pela proteção do meio ambiente e a integridade das florestas primárias, os recursos hídricos e a biodiversidade.
Homens, mulheres e jovens se agruparam em diferentes organizações, cada grupo com propósitos definidos. O processo de resistência à mineração também resultou em uma geração de orgulhosos líderes (homens e mulheres), conscientes e preparados, conhecedores de seus direitos. A posição comum na zona é dizer Não à Mineração, e não é negociável. É em prol do meio ambiente, da água, da vida e as futuras gerações. É em prol da floresta nublada, o galo-da-serra andino e o urso de óculos e milhares de espécies mais.
No nível político, o processo que está vivenciando o Equador é uma porta aberta ao triunfo definitivo deste processo que já dura 12 longos anos. O diálogo está aberto. Muitas esperanças estão depositadas na Assembléia Constituinte; porém, como nos explicaram em Intag “Não podemos esperar à Constituinte, esta é uma luta diária”. Os interesses econômicos também não dormem.
Por Guadalupe Rodríguez, correio eletrônico: guadalupe@regenwald.org (Licenciada em Filosofia e Letras, ativista de direitos humanos e meio ambiente, co-produziu e realizou em 2001 o primeiro documentário sobre a resistência contra a mineração em Intag “Intag, Mi Zona Verde”). Para maiores informações, vide: Defensa y Conservación Ecológica de Intag: www.decoin.org; Jornal Intag: www.intagnewspaper.org/; Documentário “La Ruta del Cobre”, http://www.lifeonterra.com/episode.php?id=84; Balacera de contratados por la empresa Ascendanta a través de una de sus tercerizadoras sobre la población local de Intag: