Uma mensagem desde a Amazônia contra os “serviços ambientais”

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Os técnicos que prestam serviços às transnacionais têm demonstrado ter uma ilimitada capacidade de inventividade para servirem melhor aos que lhes pagam. Nada é impossível, nem absurdo, nem imoral para eles. Entre seus mais recentes sucessos, contam com ter conseguido pôr à venda a própria natureza sob o disfarce dos chamados “serviços ambientais”. Expressões como “venda de oxigênio” e “venda de sumidouros de carbono” são agora freqüentes, em particular nos países do sul. Centenas de funcionários governamentais, consultores, certificadores, ONGs conservacionistas nacionais e internacionais, organismos das Nações Unidas, agências de cooperação, bancos privados e multilaterais, corretores de bolsa e empresários -entre outros- se esforçam para obterem sua fatia deste bolo, estimado em milhares de milhões de dólares. Ao mesmo tempo, eles ou outros compram e vendem biodiversidade, conhecimentos tradicionais, conservação de recursos hídricos. Seja o que for. Por dinheiro e poder.

O problema que enfrentam é que grande parte dessas “mercadorias” (os serviços que fornecem as florestas), não são propriedade deles, mas estão nas mãos dos povos que habitam as florestas. Contudo, isso não e obstáculo para os vendedores e compradores de “serviços ambientais”, que lançam mão de dois mecanismos para apropriar-se do que não é deles. De um lado, grandes empresas -mal chamadas ONGs ambientalistas- como por exemplo The Nature Conservancy e Conservation International entre outras, adquirem os direitos e o controle sobre os territórios, seja através da compra de terras, seja através do manejo dos mal chamados projetos de conservação e expulsam as populações locais (geralmente povos indígenas ou tradicionais). A propriedade dos “serviços” passa então a suas mãos por inteiro, para serem logo comercializados no mercado internacional.

O segundo mecanismo consiste em conseguir, através da assinatura de um contrato com representantes das comunidades, o direito de usufruto da floresta e portanto de seus “serviços”. Tais contratos, em geral obtidos de forma fraudulenta de populações desinformadas sobre o real alcance, outorgam aos compradores direitos ilimitados de uso sobre alguns ou todos os “serviços” que oferecem as florestas. Por um dinheirinho, os moradores enganados das florestas perdem a soberania sobre elas, passando a ser “manejadas” pelos vendedores e compradores de “serviços ambientais”.

Não obstante, à medida que o processo avança, esses dois mecanismos estão sendo cada vez mais questionados pelas comunidades afetadas, que erguem suas vozes em defesa de seus direitos. Tal situação ficou evidenciada há poucos dias no Equador.

Efetivamente, de 19 a 20 de maio, foi levado a cabo na Amazônia equatoriana (Puyo) um encontro internacional denominado “Serviços Ambientais: a Natureza como Mercadoria”, ao qual compareceram representantes de todas as nacionalidades indígenas do país, bem como de outras populações tradicionais e de ONGs nacionais e internacionais. Tod@s @s presentes participaram de um debate informado, com a análise do assunto tanto no nível global quanto local e foram apresentadas experiências concretas de contratos fraudulentos impostos às comunidades. Após ter debatido amplamente sobre o assunto, @s participantes declararam de forma unânime:

- “a NULIDADE de contratos, convênios e projetos que incluam a venda de serviços ambientais.”

Na declaração ( http://www.wrm.org.uy/países/Ecuador/Puyo.html ) foram incluídos muitos outros aspectos, entre os que se salientam os seguintes:

- “Rejeitamos todas as iniciativas que considerem a venda de Serviços Ambientais em territórios dos povos e nacionalidades indígenas, comunidades camponesas e afro- equatorianas.

- Rejeitamos o uso do chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), considerado dentro do Protocolo de Kioto, em projetos que atinjam as comunidades, tais como barragens hidrelétricas, plantações florestais e outros.

- Rejeitamos em nossas comunidades a assinatura de novos contratos de Venda de Serviços Ambientais com ONGs nacionais ou internacionais, municípios ou pessoas particulares.

- Exortamos a CONAIE e a CONFENIAE [confederações que reúnem as comunidades indígenas do Equador] a que apresentem as respectivas denúncias perante a justiça, para que os notários, promotores de contratos, e ONGs que participam destas atividades sejam sancionados legalmente.

- Rejeitamos categoricamente a presença nos territórios dos Povos Indígenas e comunidades camponesas e afro-equatorianas de organizações tais como GTZ, Conservation International, The Nature Conservancy, Ecolex, Ecociencia, Fundación Natura, Arco Iris, Antisana e outras.

- Rejeitamos os projetos de bioprospecção e biopirataria que chegam disfarçados de pesquisas científicas com a pretensão de apossar-se de nossos recursos naturais e dos conhecimentos ancestrais a eles associados.”

Definitivamente, esta declaração constitui uma importante e muito oportuna mensagem desde a Amazônia para o mundo, alertando os povos sobre os perigos deste comércio de “serviços ambientais” e denunciando os que dessa forma pretendem apossar-se dos territórios indígenas e de comunidades tradicionais. O engano dos comerciantes da vida começa a ser visibilizado, denunciado e combatido. A soberania e os direitos dos povos fazem frente ao roubo e ao engano dos comerciantes, sob a consigna de que a natureza não é uma mercadoria e que não está à venda. Assim de simples...e assim de profundo.