O cerro Ñielol que está na cidade de Temuco, na IX Região do Chile, é fiel testemunha das numerosas mentiras que se escutam tanto nessa região como em muitas outras desse país e outros países com relação às florestas e as plantações.
A primeira delas se refere ao fato de que se quer confundir às pessoas falando em florestas quando na realidade está falando-se em monoculturas de árvores. As empresas florestais, primeiras interessadas nessa confusão utilizam várias expressões: florestas, florestas plantadas, florestas artificiais, florestas de produção, florestas de desempenho. No entanto, a diferença entre florestas e plantações é evidente para qualquer pessoa que, depois de percorrer as monótonas culturas de pinus e eucaliptos da região chegar à floresta de Ñielol.
Observando sua beleza e sua biodiversidade é possível confirmar o fato de que estamos em uma floresta. Nela é possível achar numerosas espécies de árvores nativas, como Quillay, Carvalho, Coihue, Luma, Temu, Nirre, Lleuque, Raulí, Canelo, Maitén, Huala, Hualo, Olivillo, Peumo, Boldo, Copihue (flor nacional), que por sua vez albergam muitas outras espécies animais e vegetais.
Na entrada da floresta de Ñielol, podemos achar mais uma evidência da grande diferença que há entre uma floresta e uma plantação. Um cartaz indica que o índice de perigo de incêndio nessa floresta é baixo. Em contraposição, os cartazes que se encontram geralmente ao lado de qualquer plantação anunciam o contrário: Alto perigo de incêndio. A razão dessa diferença é que as florestas, geradoras de água, são capazes de conservar a umidade do ecossistema e portanto tendem a eliminar a possibilidade de que se gerem incêndios. As plantações, conhecidas por sua capacidade para esgotar os recursos hídricos e ressecar os solos, aumentam as possibilidades da ocorrência de incêndios e muitos casos demonstram isso.
O Ñielol também é testemunha para os habitantes de Temuco e para os que o visitam (pelo menos para os que podem pagar o bilhete de admissão), de toda a riqueza que já não está à disposição das comunidades, apesar de que tenham sido justamente elas as que têm sabido utilizá-lo, mas protegendo-o para as futura gerações.
As empresas florestais geralmente afirmam que são elas com suas plantações as que mitigam a pressão existente sobre as florestas. Nada mais longe da verdade. Os moradores locais afirmam que é mentira que as plantações tenham mitigado o desmatamento; pelo contrário, ele aumentou. Uma das razões é que como a madeira das plantações é cara e inacessível para uso doméstico, o fornecimento de lenha se faz às expensas das escassas áreas de florestas que ainda não foram destruídas pelas empresas florestais para instalar suas plantações.
Isto é, que as empresas plantadoras não apenas são diretamente responsáveis do desmatamento passado mas também são responsáveis do desmatamento atual. Efetivamente, os povoadores locais dizem que, quando as empresas estão “limpando a floresta” para substitui-la por plantações, o fazem rapidamente e com maquinaria pesada e assim fazem desaparecer centenas de hectares em pouco tempo. Uma pessoa afirma que acaba de presenciar isso na comuna de Cunco, perto de Temuco. Não é estranho, é um fato que vem sendo denunciado desde 2003 por diferentes organizações. A maioria das denúncias dessa região são relativas à empresa Forestal Millalemu. Resulta incrível então que essa empresa tenha sido certificada pelo FSC e nomeada para concorrer pelo prêmio pelo Conselho Consultivo Regional da Comissão Nacional do Meio Ambiente, CONAMA.
Por sua vez, diferentes organizações sociais de várias regiões do país se reuniram no passado 28 de julho na cidade de Temuco. Conscientes de que o modelo florestal chileno está sendo promovido em muitos outros países latino-americanos e no resto do mundo como exemplo de desenvolvimento, descrevem em uma carta pública os impactos negativos que as monoculturas florestais têm causado às comunidades em seu território:
“Nossas ricas florestas, das que nossas comunidades se alimentaram e nas que viveram durante centenas de anos têm sido substituídas em grande parte por monoculturas florestais das que as comunidades não obtemos benefícios.
As monoculturas florestais têm afetado o nível de água de nossos rios e córregos e têm produzido uma redução da diversidade de espécies de árvores e de sua flora e fauna associada. Também têm causado outros danos ambientais como a erosão e a degradação do solo, a aparição de pragas e doenças e problemas com a saúde das comunidades pelo uso de venenos para combatê-las. As pesquisas com árvores transgênicas que já estão sendo levadas a cabo nessas regiões apenas agravarão mais os impactos ambientais negativos.
As monoculturas florestais não têm aumentado as fontes de trabalho nem têm melhorado o nível de vida das comunidades próximas a elas, como foi anunciado por seus promotores durante décadas, mas as têm empobrecido cada vez mais, têm gerado trabalho escravo com alto nível de risco, têm aumentado a insegurança do trabalho e a migração do campo para a cidade. As duas regiões mais plantadas do país são também as que têm o maior índice de pobreza.
A grande maioria das terras das comunidades passaram às mãos de grandes empresas transnacionais e poderosos grupos econômicos que se beneficiaram com o Decreto-Lei 701 de subsídio ao florestamento, emitido em outubro de 1974, um ano depois de instaurada a ditadura militar e em vigor até hoje. A esse subsídio se acrescentaram créditos especiais para realizar as plantações e a eliminação de tributações tanto sobre a terra quanto sobre as plantações. A liberalização total do mercado de produtos florestais promoveu ainda mais a expansão florestal, já que eliminou cotas, tarifas e normas que estabeleciam requisitos mínimos para a exportação desses produtos. Há alguns anos que as empresas têm conseguido manejar novas estratégias para que órgãos do Estado tenham ainda mais fundos públicos para envolver pequenos camponeses na plantação de árvores. Além disso, a população subsidia permanentemente as empresas, já que o Estado deve assumir os custos econômicos associados com caminhos, rodovias e pontes, os custos sociais relacionados com a deterioração da saúde, aumento da marginalidade e a delinqüência e os custos socio-ambientais decorrentes da eliminação da floresta nativa e a mudança do uso tradicional da terra e deficiências alimentares.
A instalação de fábricas de celulose em nosso território tem gerado maiores problemas socio-culturais, ambientais e econômicos nas comunidades onde se instalaram.
O modelo florestal chileno também tem deixado uma seqüela de centenas de detidos, processados e condenados; dezenas de feridos; milhares de mobilizados por querer recuperar o território usurpado, a maioria deles do povo Mapuche, e tentar frear as monoculturas florestais e a instalação de fábricas de celulose”.
No cume do Ñielol, um grande cartaz transcreve dois poemas de Selva Saavedra. Em um deles titulado “Ex árboles” (Ex árvores), a poetisa chilena já se perguntava no século passado: “o desmatamento...até quando?” Muito boa pergunta. Deveríamos acrescentar: “o florestamento...até quando?
Por Ana Filippini, Movimiento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM), e-mail: anafili@wrm.org.uy. É possível ver este artigo com fotos em: http://www.wrm.org.uy/paises/Chile/Nielol.pdf