Como um de seus membros Fundadores sou pelo menos responsável em parte por ter permitido que uma falha fatal se desenvolvesse no sistema do FSC quando foi estabelecido: isto é, os chamados organismos de certificação ‘independente’ que estão credenciados no FSC, de fato não são independentes. Tendo sido um observador próximo do FSC desde que foi estabelecido, agora acho que nessa falha subjaz grande parte de que subseqüentemente deu errado -e pelo que agora testemunhamos a emissão totalmente injustificável de tantos certificados a companhias madeireiras e de plantação que não cumprem com a maioria dos Princípios e Critérios (P&C) do FSC.
O problema é que, atualmente, os contratos para as avaliações de certificação são ajustados diretamente entre as companhias madeireiras e de plantação e as certificadoras credenciadas do FSC. Por causa disso -e especialmente porque a outorga de um certificado vai garantir futuros lucros para as certificadoras, provindos das visitas de monitorização e reavaliações- as certificadoras têm um forte incentivo financeiro para outorgar certificados, ainda quando a companhia madeireira/de plantação não cumpra com os P&C do FSC.
Outra conseqüência é que as certificadoras estão efetivamente concorrendo entre elas para mostrar às ‘companhias a serem certificadas’ que são as que têm mais chances de outorgar um certificado -e a forma na que fazem isso é baixando seus padrões de avaliação, ‘fazendo vista grossa’ a problemas importantes que possam achar ou adotando uma visão ‘amável’ com a companhia madeireira ou de plantação que está sendo avaliada. Efetivamente, as certificadoras credenciadas estão em uma ‘corrida comercial até o padrão mínimo’ em termos da rigorosidade de suas avaliações. Isso serve para prejudicar totalmente a integridade do sistema do FSC.
A evidência disso é abundante. Por exemplo, há quatro anos, Rainforest Foundation obteve documentação interna de uma das certificadoras credenciadas que evidenciava que tinha ignorado propositadamente as exigências de toda a comunidade de ONG ambientais e sociais na Indonésia -que pediam uma moratória total à certificação- para atingir seus próprios “interesses econômicos estratégicos”. Isso envolvia, entre outras coisas, a emissão de certificados lucrativos do FSC a pelo menos uma companhia que evidentemente descumpria gravemente os P&C (e que, depois de uma demorada campanha, tiveram que ser retirados).
Em outros casos, os sistemas de avaliação interna das certificadoras parecem ter sido manipulados para garantir que a companhia madeireira/de plantação sendo inspecionada atingisse apenas a ‘nota mínima’ necessária para receber o certificado. Em outros casos ainda, os supostamente independentes ‘conselhos de certificação’ cujo objetivo é supervisar as decisões de cada uma das certificadoras credenciadas, têm ignorado descaradamente as reais constatações dos avaliadores ou quaisquer recomendações adversas e no entanto recomendaram que se outorgasse o certificado -promovendo desse jeito os interesses econômicos da companhia certificadora para a que eles trabalham na realidade.
Através desses procedimentos de monitorização e credenciamento, o FSC deveria estar lidando com esses problemas. No entanto, na prática, não pode fazê-lo e não o faz. O contrato legalmente obrigatório do FSC com as certificadoras proíbe que o FSC faça qualquer coisa que possa ‘prejudicar os interesses econômicos’ das certificadoras. Além disso, algumas das certificadoras do grupo ‘Big 4’ (as quatro maiores) (a SGS, a SCS, a SmartWood e a Soil Association Woodmark) têm simplesmente ameaçado com deixar o FSC se ele for estrito demais na aplicação das regras. Consciente sem dúvidas de como isso seria considerado por seus concorrentes e fundadores, o FSC tem portanto sido intimidado e tem ficado totalmente submetido- com o resultado de que continua permitindo a emissão de certificados totalmente inconvenientes no mundo inteiro, incluindo o Brasil, Camarões, Equador, Indonésia, Irlanda, Eslováquia, África do Sul, EUA…
Mais uma conseqüência da atual estrutura é que a vasta maioria do ‘fluxo de rendas’ das certificações é captada pelas certificadoras, enquanto o próprio FSC está permanentemente em falta de dinheiro e dependente de doadores, os que por sua vez têm suas próprias agendas para a organização.
Logicamente, o benefício do retrospecto é uma coisa maravilhosa. Mas parece claro que esse problema de conflitos de interesses no coração do FSC deve ser abordado para avançar na realização do trabalho do FSC para os objetivos que a maioria dos leitores deste boletim compartilham. Por exemplo, a gente deve questionar o valor de fazer um grande esforço no processo de Revisão das Plantações, quando, apesar de que o P10 seja melhorado radicalmente, as certificadoras estariam autorizadas para continuar ignorando-o, de qualquer jeito.
O vínculo financeiro direto entre as certificadoras e as companhias madeireiras/de plantação deve ser quebrado. Uma forma de fazer isso seria que as companhias madeireiras/de plantação tenham que contratar diretamente com a Secretaria do FSC para as avaliações de certificação. Os contratos de empreitada para levar a cabo as avaliações (e subseqüente monitorização) seriam outorgados pelo FSC às certificadoras com base em concorrências, sendo a certificadora que ofereça os maiores padrões de avaliação com o melhor preço, a que ganhe o contrato para uma determinada avaliação. Portanto a atual ‘corrida até o padrão mínimo’ se transformaria em uma ‘corrida até o padrão máximo’. As certificadoras poderiam ser obrigadas a incluir, por exemplo, uma determinada percentagem de certificações de florestas comunitárias em seu ‘portfólio’ total para ser elegíveis para apresentar ofertas para a certificação das operações florestais industriais maiores e mais lucrativas.
A Diretoria do FSC seria responsável de encarregar uma avaliação independente de uma amostra aleatória de certificações todo ano para assegurar-se que as certificadoras estão cumprindo seus contratos -e as que não o façam seriam penalizadas ou seus pagamentos contratuais seriam retidos. A Secretaria do FSC cobraria por seus serviços, garantindo desse jeito um fluxo de renda constante e reduzindo sua dependência dos financiadores externos.
Logicamente, as certificadoras vão resistir-se fortemente a essas mudanças -já que as obrigaria a aumentar a rigorosidade de suas avaliações. Mas a escolha parece ser simples: ou o domínio total das certificadoras no FSC se quebra ou o FSC continuará deslizando-se até o colapso total de sua credibilidade.
Por Simon Counsell, Rainforest Foundation. Nota: o autor coloca à disposição um relatório e proposta mais detalhados sobre este assunto, sob pedido no email: simonc@rainforestuk.com.