As administrações florestais da África central: estão ao serviço das populações atingidas?

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Desde a década de 90 fez-se muito ruído a respeito das florestas da Bacia do Congo, para bem e para mal. E uma nova ondada ambiental cai sobre a República Democrática do Congo, de uma amplitude muito parecida com o “boom do Zaire” da década de 70. Mas cabe perguntar-se se as administrações florestais centro-africanas, que costumam estar submetidas a fatores sociológicos insidiosos, alinham-se com as aspirações e necessidades de bem-estar das populações da região.

Antes de tudo, para um africano, é um ato de valentia restituir às populações africanas a visibilidade de suas administrações florestais, por várias razões, sendo as duas primeiras que “os que objetivam a realidade não são muito apreciados” e que “continuam sendo expertos estrangeiros os que determinam os campos de intervenção prioritários dos ecossistemas de florestas”. É necessário que os africanos definam por eles mesmos as administrações florestais para seus povos, mas isso ainda não tem acontecido.

Duas funções das administrações florestais da África central
Pensemos nas duas principais funções das administrações florestais da África central: a produção de madeira e a conservação da diversidade biológica. Apesar da diversidade de formas nas que se apresentam, essas funções não se cumprem de maneira satisfatória. Por exemplo, todas (ou quase todas) as cidades consumem principalmente os resíduos das serrarias; muitas cidades carecem de madeira, ainda quando os países as exportam; eterniza-se a construção de mercados sub-regionais ou regionais para produtos florestais legais, enquanto que se reforça a proteção do mercado europeu.

Por sua vez, a conservação da diversidade biológica apresenta problemas, inclusive quando provém de ambições nobres e ainda esteja experimentando-se neste campo. Já decorreu mais de uma década desde o início dos primeiros programas de gestão participativa das áreas protegidas executados sob a proteção de organizações internacionais para a conservação da natureza e, no entanto, a maioria deles parece não contribuir nem com a conservação a diversidade biológica nem com a melhoria das condições de vida das populações diretamente afetadas. Assim fica evidenciado pela recente análise dos diferentes projetos de gestão de áreas protegidas da África central (Ndinga, 2005). Não apenas as populações vizinhas dessas áreas continuam tendo problemas de nutrição, de saúde e de educação, mas que também estão submetidas a restrições que transtornam sua visão interior da harmonia entre os elementos de seu entorno, sem que se materialize sua participação na proteção dos recursos naturais, tão anunciada pelos organismos internacionais.

O que antecede, convida a refletir. Historicamente é um fato conhecido que, para achar resposta aos problemas do setor florestal, devemos recorrer a pessoas capazes de tirar vantagem do que oferecem diferentes ciências (o direito, as ciências políticas, econômicas, sociais, históricas e geográficas, bem como as ciências naturais relativas ao meio ambiente e, particularmente às florestas). Em nossa opinião, esse é o ponto no que a prospectiva florestal pode favorecer a criação de condições que permitam ajustar as funções das administrações florestais centro-africanas às necessidades e aspirações das populações diretamente envolvidas. Somente a capacidade dos africanos de reflexionar por eles mesmos sobre a diversidade de aspectos que estão envolvidos em suas florestas pode, em primeiro lugar, contribuir para que as administrações florestais se ajustem a essas necessidades, e, em segundo lugar, acabar com a divulgação às cegas de idéias, tradições e enfoques estrangeiros sobre a conservação da diversidade biológica em seus países.

Modelos de processos de decisão nas administrações florestais da África central
Outro grande problema merece ser abordado conjuntamente: a racionalização dos processos de decisão nas administrações florestais da África central.

Em um pólo se localizam as administrações florestais que funcionam de acordo com um tipo de “neo-patrimonialismo racionalizado”. Elas são semelhantes a um conjunto de entidades tribais e/ou políticas, mais ou menos rivais entre elas e de indivíduos considerados como outros tantos subsistemas e estruturados ao redor do Chefe de Estado. Os principais tipos de ações consistem em atualizar rotinas (operações florestais tradicionais), redistribuir cargos e recursos florestais e procurar certa credibilidade perante os sócios capitalistas e as ONG internacionais. Neste caso, a proposta central da decisão a ser adotada é o resultado de uma intervenção presidencial.

No outro pólo se localizam as administrações florestais que lançam mão da extorsão e da depredação violenta e direta dos recursos florestais, o que faz referência aos casos de sistemas políticos mais extremos e sangrentos e aos “senhores da guerra”. A administração florestal é um conjunto de entidades tribais, militares e/ou políticas estruturadas ao redor dos “senhores da guerra”; as principais ações são as manifestações de violência pulsional, a atualização de rotinas, a extorsão e a depredação direta dos recursos florestais, bem como a instrumentalização dos fornecedores de fundos e das ONG internacionais. A decisão é o resultado de uma intervenção dos “senhores da guerra”.

Entre esses dois extremos localiza-se a administração florestal racional. Ainda quando o Chefe de Estado continue sendo o ator principal, a administração florestal se estrutura ao redor das instituições do Estado, dos textos que as regem e dos valores da nação; o tipo de ação dominadora é a procura de respostas à demanda social de produtos florestais e de serviços ambientais; a decisão é uma solução calculada para um problema nacional estratégico.

Lembremos que esses são apenas modelos. O universo das administrações da África central é, evidentemente, heterogêneo. Os “neo-patrimonialistas racionalizados”, os “senhores da guerra” e os atores racionais estão às vezes misturados entre eles, e todos têm uma função dominadora em maior ou menor grau. No entanto, os modelos permitem entender melhor a sociologia das administrações florestais da África central e seus processos de decisão internos. A partir deles é possível refletir sobre a racionalização desses processos.

Fatores internos que influem nas decisões
Desse ponto de vista, fica evidente que é necessário visualizar os fatores significativos que influem nas decisões das administrações florestais centro-africanas. O “neo-patrimonialismo” privilegia os desvios da norma e o conformismo; isso tem sido tão abundantemente evidenciado que é possível afirmar, por exemplo, que John Meynart Keynes nunca teria conseguido fazer carreira nessas administrações. De outro lado, a história e as identidades dos centro-africanos, apesar de serem notáveis em muitos aspectos, estiveram abertas durante muito tempo a redes de atividades mais ou menos confessáveis. É por isso que muitos centro-africanos, sejam ou não homens/mulheres de Estado aludem a sua vontade de colocar-se ao serviço de seu país mas, de fato, continuam legitimando os desvios, opondo pouca resistência e desenvolvendo estratégias para atomizar as instituições florestais, e concorrem entre eles para obter a qualidade de interlocutores dos expertos estrangeiros, dos organismos internacionais ou dos capitalistas.

Desse jeito, contrariamente ao que alguns pensam, os fatores internos significativos para melhorar a tomada de decisões nas administrações florestais da África central não são apenas quantitativos (o número de efetivos e a importância dos meios financeiros), mas também qualitativos, referindo-se à qualidade das pessoas e do contexto institucional. Por exemplo, a administração florestal da República do Congo que, em 1960 não incluía nenhum engenheiro florestal, tem agora mais de 200; seu orçamento, insignificante em 1960, é hoje de vários milhares de milhões de francos CFA. Quase todos os outros países da África central têm evoluído de forma semelhante. No entanto, a gestão das florestas desses países é atualmente mais lamentável que em 1960, se considerarmos a generalização da corrupção, a deterioração das florestas, a diminuição da caça ou a violência dentro das administrações florestais.

Fatores externos que influem as decisões
Além dos fatores mencionados supra, a globalização e a inserção dos centro-africanos em redes cada vez mais densas de laços internacionais, amigáveis ou de interesses diversos, têm efeitos positivos mas também coercivos, que debilitam seu compromisso com a causa dos ecossistemas de florestas. Isso é devido tanto à hegemonia ocidental e à cultura da sociologia das relações internacionais nos países ocidentais, quanto ao escasso sentimento nacionalista dos africanos.

Acrescenta-se a isso que a diplomacia tem uma influência considerável nos processos de decisão das administrações florestais da África central. A diplomacia ocidental oficial, apesar de mostrar-se de “natureza generosa” tem outro aspecto que convém conhecer, particularmente no campo da competência florestal. Com efeito, essa diplomacia costuma estar ao serviço de forças que, no passado, provocaram o debilitamento das estruturas e o empobrecimento da região; forças cuja primeira preocupação é o interesse pessoal, mas que instrumentalizam o poder de seu próprio Estado e os convênios internacionais; forças que, no campo da conservação florestal, desenvolvem estratégicas cruzadas de luta contra outras potências. Pelo contrário, a diplomacia centro-africana tem sido até agora absolutamente desordenada e impotente, e tem deixado os ecossistemas de floresta (quase) totalmente livrados a atores que influem nas decisões das administrações florestais africanas para que se adiram a seus interesses.

Como complemento da diplomacia oficial estão as “diplomacias não governamentais”. Elas não se limitam às atividades realizadas através das organizações do mesmo nome. Existem há séculos, têm múltiplas dimensões e direções, e possuem atores numerosos e diversos. Cabe apontar aqui que a “facilidade de palavra” e a retórica contribuem com a consecução de seus objetivos. Seduzidos pela nobreza desses últimos e pela generosa inspiração que ostentam, os centro-africanos omitem as distorções que induzem nas decisões das administrações florestais. Com efeito, são muitas as almas bondosas que dizem defender as florestas da Bacia do Congo mas que, afinal de contas, o que fazem é, em jargão erudito, instrumentalizar os africanos, promover a corrupção e o clientelismo ou apoiar políticos desonestos. Por exemplo, um funcionário africano de uma ONG internacional que fabricou um relatório de missão falso, foi “catapultado” ao cargo de auditor dessa organização. E outro africano, que era competente, viu um cargo de nível sub-regional condicionado a alinhar-se com a posição de um ministro que, se as fontes não mentem, não é um referencial em matéria de bom governo político e econômico.

Conclusões
Antes de tudo, é conveniente reforçar a capacidade dos africanos de definir por eles mesmos as funções de suas administrações florestais. Depois disso, devemos deixar em claro que o fato de reflexionar sobre essas administrações analisando os fatores que as afetam, incluindo a diplomacia, não é uma heresia intelectual ou diplomática. De outro lado, esse enfoque não é totalmente novo; trata-se de uma prolongação dos esforços realizados desde há décadas por numerosos autores, principalmente no campo da sociologia das relações internacionais, e da visibilidade social a fatores às vezes ignorados, que explicam, em grande parte, a razão pela que tem sido ineficazes tantas medidas adotadas em conferências, seminários ou workshops.

Trata-se de um enfoque tanto mais oportuno quanto que as administrações florestais centro-africanas são hoje mais abertas que em 1960. Nesse contexto, a inclusão das preocupações das populações africanas nas funções das administrações florestas ver-se-á favorecida, não pela discrição dos atores, mas pelo apoio da opinião pública e das empresas. Isso implica que a racionalização dos processo de decisão requer, perante tudo, a formação pública sobre a sociologia dessas administrações e das relações internacionais.

Além disso, quando um ator do chamado desenvolvimento sustentável somente provoca a rejeição das pessoas honestas às que pretende ajudar, parece difícil afirmar que esteja destinado, como sua missão o supõe, a promover uma melhoria das condições de vida na África central. Neste caso, se a comunidade internacional não faz esforços para afastá-lo das florestas africanas, está participando no mau governo das florestas e contribuindo para que o desenvolvimento não seja sustentável.

Finalmente, quem examinar as funções das administrações estudadas concordará que é necessário construir mercados nacionais, sub-regionais e regionais para produtos florestais de qualidade. Essas ações serão sem dúvida insuficientes para que as administrações florestais se ordenem em função das necessidades e aspirações de bem-estar dos habitantes da África central. No entanto, trata-se de avanços importantes, que deverão ver-se reforçados no futuro graças a uma melhor organização dos beneficiários, à experiência racional e, principalmente, ao apoio justificado da opinião pública.

Por Assitou Ndinga, e-mail: ndinga_assitou@yahoo.fr. (Ndinga, A., Gestion des forêts d’Afrique centrale. Avec ou Sans les concernés ? L’Harmattan, coleção Études Africaines, Paris, 2005).