Em 6 de dezembro, Pascual Pichún Collonao, de 23 anos de idade, membro da comunidade Antonio Ñirripil, do setor Temulemu na comuna Traiguén do sul do Chile, formalizou a petição de asilo político na Argentina. O jovem permanecia clandestino desde novembro de 2003, quando com seu irmão Rafael decidiram não apresentar-se perante a justiça em virtude da negação do direito à liberdade vigiada por não poder pagar uma multa imposta pelo tribunal. Os irmãos deviam cumprir 5 anos de prisão pelo incêndio de um caminhão da Forestal Mininco, ocorrido em março de 2002. Atualmente Rafael cumpre condena na prisão de Traiguén, depois de ser preso em julho de 2005.
“Nós somos mapuches, filhos da terra e portanto sempre a temos defendido. Desde 1998 nossa comunidade tem mantido uma férrea defesa de nosso território ancestral perante o avanço das empresas florestais e temos denunciado os sérios danos que provocam as plantações industriais, utilizando todos os espaços públicos para fazer sentir nossa desconformidade”, sustentam o lonko (autoridade tradicional comunitária), Pascual Pichún Paillalao e seu filho Rafael em uma carta enviada ao secretariado do Comitê de Elegibilidade para o Estatuto dos Refugiados em Buenos Aires em aval à petição do jovem Pascual. “Isso tem provocado uma interminável campanha de persecução judiciária e política contra nossa família, bem como também contra outros membros de nossa comunidade, que é composta por aproximadamente 80 famílias camponesas de origem humilde.”
Em abril de 2004, o lonko Pichún Paillalao, pai do requerente, foi condenado a 5 anos de prisão pelo crime de “ameaça terrorista” junto com seu par Aniceto Norín, lonko da vizinha comunidade de Didaico.
“Nossa luta é a luta de um povo por seus direitos, é a luta de uma comunidade pelo bem de seus membros, pela defesa de nossa cultura, de nossa língua, pela medicina tradicional que vive em nossas florestas e pela água que hoje é escassa como nunca antes” - explicam o lonko Pichún Paillalao e seu filho. “Se isso constitui um ato de ‘terrorismo’, que assim seja, mas temos a convicção de que é uma luta legítima e que em nenhum caso representamos um ‘perigo para a sociedade’ como o governo chileno e os tribunais têm apontado e por cuja razão fomos condenados irregularmente, em ações que envergonham por seu racismo.”
De acordo com Juan Pichún Collonao, porta-voz da comunidade Antonio Ñirripil: “A monocultura de pinus e eucalipto produz a seca dos charcos, dos riachos, portanto, é difícil que as pessoas possam viver lá. De outro lado, temos a poluição do ar pela fumigação (aérea) com químicos para que haja uma produção mais rápida e também a fumigação terrestre para deixar apenas os pinus. Isso vai para os riachos ou para os poços onde grande parte das famílias mapuche extraem a água para consumo e traz como conseqüência problemas biológicos. Há crianças que têm seis dedos, crianças que ficam doentes bem cedo, que têm falecido sem saber-se a razão”.
Em 1997 os comuneiros mapuche iniciaram uma série de ‘recuperações produtivas’, isto é, ocuparam grandes plantações florestais, derrubaram as árvores e produziram alimentos. Desse jeito cumpriam o duplo objetivo de satisfazer sua demanda territorial e colocar um freio às monoculturas de árvores. A resposta estatal foi um crescente processo de criminalização das mobilizações com a aplicação das leis de Segurança Interior do Estado Nº 12.927 e Antiterrorista Nº 18.314, herdadas da ditadura.
De acordo com Juan Pichún Collonao, o incêndio pelo que foram condenados seus irmãos Pascual e Rafael foi uma montagem realizada por pessoas que trabalham na fazenda Nancahue, controlada por Juan Agustín Figueroa, um homem de muita influência na política chilena - que foi ministro da Agricultura, durante a presidência de Patricio Aylwin (1990- 94) e membro do Tribunal Constitucional até há muito pouco tempo– que os mapuche consideram um novo inquisidor.
A criminalização da demanda mapuche no Chile tem sido denunciada no âmbito internacional há quase uma década; inclusive, diferentes organismos internacionais têm recomendado às autoridades chilenas que introduzam mudanças em suas políticas com esse povo. Atualmente, uma dúzia de dirigentes mapuche está nas prisões chilenas cumprindo condenas que vão de 5 a 10 anos, enquanto um número similar passou para a clandestinidade. A repressão estatal também cobrou a vida do jovem Alex Lemún Saavedra, de 17 anos, assassinado pelas Forças Especiais de Carabineiros em novembro de 2003, durante o despejo de uma fazenda.
Em 1974, pouco tempo depois de impor-se a ditadura do general Augusto Pinochet (1973-90) no Chile, promulgou-se o decreto 701 para a promoção da indústria florestal, que implica o subsídio de quase a totalidade dos custos, às empresas que investiram no setor. Essas normas e a contra-reforma agrária executada pelos militares acabou com a propriedade comunitária indígena e pulverizou a política de acesso à terra do governo socialista de Salvador Allende (1970-73).
“Depois dessa década -afirma Lorena Ojeda, da Associação de Jovens Profissionais Mapuche Konapuewman, de Temuco—, seguiram-se expandindo as empresas, abrangendo muitas hectares de território. Isso causou que as comunidades mapuche começaram a ficar cercadas pelas florestais, provocando a massiva migração dos camponeses para a cidade, com a perda de identidade cultural que isso ocasiona”. Como dado paradigmático, cabe apontar que o temu, árvore prevalecente no território da comunidade Antonio Ñirripil que está estreitamente relacionada com sua vida espiritual, tem desaparecido em decorrência do avanço das monoculturas.
Por Hernán Scandizzo, Colectivo Pueblos Originario - Indymedia Argentina, e-mail: herscan@yahoo.com.ar
Para mais informação: Comisión por el Refugio Político en Argentina a Pascual Pichun Collonao – COPP, libertad_pascualpichun@yahoo.com.ar; Carta modelo para enviar ao CEPARE em apoio à petição de asilo de Pascual Pichún Collonao, www.argentina.indymedia.org/news/2006/01/368597.php; também visite as páginas: www.nodo50.org/azkintuwe, www.argentina.indymedia.org/features/pueblos