Camarões: um “plano de zoneamento” que separa as florestas das pessoas

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O Camarões tem atravessado uma grande reorganização do seu setor florestal durante as últimas duas décadas. Foi implementado um processo de reforma das políticas, patrocinado pelo Banco Mundial, que deu como resultado a nova Lei Florestal de 1994, que incluiu mudanças aos impostos e regulamentações florestais relativos à assignação de concessões, incuindo o requerimento para planos de gestão, e novas regulamentações para o florestamento comunitário. A implementaç0ão da lei florestal baseou-se num plano de zoneamento nacional, mencionado como o plan de zonage, que supostamente era um plano preliminar, mas que na prática, foi muitas vezes tomado como um plano definitivo, e que não estava aberto para discussão.

De acordo com a lei, estabelece-se uma distinção fundamental entre as propriedades florestais permanentes (PFE) e as não permanentes (NPFE). A PFE está desenhada para permanecer florestada a longo prazo e inclui floresta estatal, floresta de produção (para extração de madeira), áreas protegidas e reservas florestais, e floresta municipal. A NPFE inclui floresta comunal (na maior parte administrada de acordo con regulamentações locais “tradicionais”), florestas comunitárias (arrendadas a organizações da comunidade) e florestas de propriedade privada. Dentro da PFE, são proibidos os cultivos rotativos e o uso dos recursos florestais é restrito. A NPFE é terra que pode ser convertida para usos não florestais, e é também nesta categoria que todas as atividades agrícolas devem se realizar. Dentro desta categoria, as comunidades podem solicitar florestas comunitárias de até 5.000 hectares, sob arrendamentos de 25 anos, a serem revisados a cada 5 anos. As comunidades podem explorar essas florestas para extração de madeira ou para outros fins, sobre a base de um plano de gestão. Também é possível estabelecer territórios de caça, de até 5.000 hectares, dentro da NPFE. Na prática, estas florestas tem sido vistas como florestas de produção.

A extração de madeira é possível tanto através de concessões florestais, Unités Foresières d’Aménagement (UFA), quanto através das vendas de volume permanentes, ventes de coupe. As UFAs estão disponíveis dentro da floresta de produção por um periodo de 15 anos, até um tamanho máximo de 200.000 hectares. Ventes de coupe, que podem ser outorgadas tanto na PFE quanto na NPFE, são reservadas para os nativos, e não podem ultrapassar as 2.500 hectares ou um volume dado de madeira permanente.

Em 1993, foi desenhado um plan de zonage para Camarões do Sul, empreendido pelo Departamento das Florestas, com a assistência da firma de consultoria canadense, Tecsult Inc. No plano resultante, a grande maioria da superfície da terra foi definida como floresta estatal. A superfície total dentro do plano era de 14 milhões de hectares, das quais 9 milhões de hectares foram chamadas como PFE, dois terços das quais eram floresta de produção. Foram estabelecidas franjas de terreno de floresta comunal ao longo das principais estradas, e também em zonas tampão, ao redor das vilas.

O plan de zonage foi concebido como um plano de zoneamento preliminar, a ser convertido em um sistema de zoneamento definitivo através da reserva oficial das florestas permanentes (vide Boletim Nº 93 da WRM). Isto, na teoria, dará origem a um processo de consulta com as comunidades locais para determinar os limites entre a propriedade florestal permanente e a não permanente. Mas o resultado do plan de zonage claramente reflete as prioridades do governo e os fundadores deste processo, que foram principalmente ingressos da produção de madeira, e até certo grau, conservação da floresta. Em contraste, foi dada pouca atenção às prioridades do povo local, e às comunidades dependentes da floresta. Isto é aparente desde a designação final das zonas, em que perto de 65% da área total em processo de zoneamento foi assignada à PFE, e a maioria desta área designada como floresta de produção. Além disso, as melhores áreas da floresta foram mais frequentemente incluídas dentro desta zona. Desta forma, o povo local foi excluído da propriedade ou administração por motivos econômicos de quase dois terços da superfície da terra, deixando uma área de floresta severamente limitada para cultura ou florestas comunitárias. Ainda dentro destas áreas, os interesses da comunidade concorriam também com a indústria, desde que havia ventes de coupe disponíveis dentro da NPFE.

As áreas designadas como NPFE foram identificadas através de imagem satelital e fotos aéreas. Esse método não permite a identificação de áreas nos sistemas agrícola-florestais, velhos terrenos sem cultivar, nem aquelas áreas utilizadas para extração de recursos. Em consequência, muitas das áreas utilizadas pelas populações locais para caça, pesca e recursos de colheita da floresta foram incluídas dentro da PFE, bem como velhos terrenos sem cultivar e sistemas agrícola-florestais, incluindo plantações de cacau. É permitida alguma extração de recusos dentro da PFE, desde que seja com fins de subsistência, mas todas essas atividades são proibidas nas diferentes categorias da área protegida. O cultivo, incluindo o agrícola-florestal, é totalmente proibido. Por conseguinte, muitas populações rurais acharam que suas atividades foram severamente restritas dentro deste zoneamento.

O plano também ocupou-se muito pouco da natureza dinâmica do uso da terra, por exemplo, deixando de lado modelos de cultivos rotativos e a natureza rotativa dos estabelecimentos. Por outra parte, apesar das zonas tampão estarem localizadas ao redor das vilas para futuras necessidades agrícolas, elas foram insuficientes. Foi prestada pouca consideração a outras necessidades, tais como extração de recursos, caça ou florestamento agrícola. Essas atividades podem ser realizadas dentro das florestas da comunidade, mas estas áreas precissam ser definidas dentro da NPFE, e assim concorrem com as necessidades agrícolas bem como com as ventes de coupe. As zonas tampão não foram suficientemente grandes como para satisfazer estas diferentes necessidades. Aliás, a restrição das florestas da comunidade à NPFE é indicador da marginalização dos sistemas do povo local da exploração das florestas, favorecendo claramente o sistema aos modelos tradicionais de produção de madeira em grande escala. A assunção subjacente é que o uso das florestas vai diminuir, e acontecerá uma mudança para uma agricultura estabelecida mais intensiva.

Especialmente desvantajosa é a situação dos Pigmeus, os Baka, Bakola e Bagyéli, porque não foi feita nenhuma concessão para sua particular forma de vida. Aqueles que moravam dentro da floresta encontraram que seus territórios foram incluídos na PFE, dentro da qual eles não podem solicitar florestas comunitárias. Embora pudessem solicitá-las, o tamanho máximo de 5.000 hectares para florestas comunitárias não é bastante como para permitir um estilo de vida de caça e colheita. Ainda aqueles grupos que estão oficialmente “estabelecidos” em vilas continuam a fazer uso extensivo dos recursos florestais, mas isto não foi reconhecido.

A divisão feita entre PFE e NPFE criou uma divisão entre a administração e as populações locais, promovendo o desenvolvimento de estratégias de uso da terra concorrentes. Por exemplo, o processo de determinar os limites entre a PFE e a NPFE promoveu a devastação de áreas florestais pelas populações locais, à medida que procuravam reclamar essas áreas e, dessa forma, fazer retroceder os limites propostos para a PFE. Ainda, o fato de haver diferenças na legislação entre as duas zonas, com regulações mais estritas para a PFE, tem promovido a exploração da floresta dentro da NPFE.

Dessa forma, o plan de zonage criou condições perfeitas para o conflito sobre os recursos florestais e, também, conflitos entre as comunidades e as companhias de exploração florestal, as autoridades locais e nacionais, e entre as comunidades, e se tornou endêmico e geral dentro das florestas do Camarões.

Precisa-se de uma focalização mais integrada da gestão das florestas, em que cada uma das diferentes zonas seja parte de um todo muito maior e gerado como parte desta paisagem mais ampla. Sem esta mudança, as florestas comunitárias dentro da NPFE viriam a estar “disseminadas como ilhas num oceano de uso não regulamentado dos recursos florestais”. Da mesma forma, as zonas de conservação e as áreas agrícolas poderiam se tornar ilhas em uma expansão da floresta de produção.

Uma focalização mais integrada promoveria a idéia da propriedade comum dos recursos, e evitaria uma situação em que os interessados se retirassem à suas respectivas áreas de gestão dentro da NPFE ou da PFE.

Adatado de: “Florestas Divididas: Em prol de um Zoneamento mais Justo das Terras da Floresta”, The Rainforest Foundation, http://rainforestfoundationuk.org/files/Divided%20Forests.pdf