Colômbia: plantações de dendezeiros em terras comunitárias usurpadas

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As florestas do Pacífico colombiano, que constituem o Território Região do Pacífico, uma das áreas de maior diversidade biológica do mundo, tem sido habitadas há muitos anos pelas comunidades ribeirinhas negras. Seus membros foram os últimos cidadãos colombianos aos que lhe foi reconhecido o direito à propriedade dos territórios que possuíram e utilizaram durante séculos. A Constituição de 1991 lhes reconheceu direitos coletivos sobre os territórios ocupados tradicionalmente, mas esteve acompanhada desde seus inícios por um feroz e sistemático processo de deslocamento forçado interno que ainda continua em muitos lugares da região e que, inclusive, tem piorado com o número crescente de comunidades às que lhes é impedida sua mobilização e cujo ingresso de alimentos, medicamentos e combustíveis é controlado.

Como diz Carlos Rosero, Candidato à Câmara de Representantes das Comunidades Negras: “O deslocamento forçado interno é funcional, não apenas para a guerra, mas também para o avanço dos mega-projetos e monoculturas, que como o dendezeiro, avançam com o apoio do governo nacional para o norte e o sul do Território Região do Pacífico e de outros assentamentos de comunidades negras no país. O reconhecimento inicial pelo INCODER [Instituto Colombiano de Desenvolvimento Rural] feito no mês de março do presente ano, do avanço ilegal da monocultura de dendezeiros nos territórios coletivos de comunidades negras de Jiguamiandó e Curvaradó e a recente reversão que despoja essas comunidades de parte das terras que lhes tinham sido tituladas coletivamente com caráter não embargável, imprescritível e inalienável é um claríssimo exemplo do modelo de inclusão e de inserção da região, seus territórios e povoadores na lógica econômica prevalecente, da gravíssima incoerência do Estado em definir entre a proteção e conservação da diversidade biológica e o simples e vulgar desenvolvimentismo e, o que é ainda mais grave, uma nova demonstração de que o Estado colombiano, que tem sido incapaz de defender os direitos dos afro-colombianos, acaba submetendo-se perante os culpáveis das violações dos direitos, não os castiga e além disso os premia.”

Em 2000, as comunidades das bacias dos rios Jiguamiandó e Curvaradó (região do Chocó), três anos depois de serem deslocadas, recebem a titulação de 101.000 hectares que ocupavam ancestralmente antes do deslocamento. Mas ao decidirem retornar, essas comunidades acham seu território invadido por cultivos industriais de dendezeiros.

Perante as tentativas dos verdadeiros proprietários de reaver as fincas, espalharam-se ameaças de morte do tipo paramilitar e do pessoal vinculado com as empresas cultivadoras de dendezeiros (URAPALMA, Palmas De Curvaradó, Palmas S.A. e Palmadó), no meio de operações militares que têm tentado fazê-los desistir de trabalhar nas terras que o governo alocou à semeadura de dendezeiros.

Em finais de abril deste ano se intensificou a preparação de terras para a semeadura de dendezeiros, com desmatamento de florestas nativas nos vilarejos Caño Claro e La Cristalina dentro do Território Coletivo do Curvaradó e pelo setor de Urada nas proximidades do Jiguamiandó. Por sua vez, o INCODER acabou afirmando que estava errado ao outorgar o título coletivo e que portanto há 10.162 hectares de propriedade privada que devem ser descontadas do título coletivo.

Como expressa a Comissão Intereclesial de Justiça e Paz: “É alarmante que depois de mais de 13 deslocamentos sofridos pelas Comunidades de Jiguamiandó e Curvaradó, de mais de 110 assassinatos e desaparições e tendo sido constatada a ilegalidade da semeadura de dendezeiros nos territórios coletivos das comunidades negras, hoje o Governo Nacional contradiga suas próprias conclusões para favorecer os interesses econômicos dos cultivadores de dendezeiros”.

Em uma visão totalmente oposta, o movimento social das comunidades de toda a área da floresta úmida do Pacífico concebem seu território como uma “região-território de grupos étnicos”, isto é, uma unidade ecológica e cultural amalgamada pelas práticas cotidianas das comunidades. A região-território se concebe também em termos de “corredores de vida” que unem as comunidades, suas atividades e o meio ambiente natural. Os corredores de vida podem conectar ecossistemas de mangues ou estender-se desde o meio de um rio para o interior da floresta. Alguns se constituem ao redor de atividades particulares, como a mineração de ouro tradicional ou a colheita de conchas pelas mulheres nas áreas de mangues.

Por sua vez, a região-território é concebida como uma construção política para a defesa dos territórios e sua sustentabilidade. Não é possível conceber a sustentabilidade em termos de porções ou atividades singulares, ou somente em termos econômicos: deve responder ao caráter multidimensional das práticas de apropriação efetiva do ecossistema. Desse jeito, é possível dizer que a região-território articula o projeto de vida das comunidades com o projeto político do movimento social. Do mesmo jeito, a definição de biodiversidade, inclui princípios locais de autonomia, conhecimento, identidade e economia. A natureza não é “algo que esteja lá fora” mas está profundamente arraigada na prática coletiva de seres humanos que se sentem conectados com ela de forma integral.

As comunidades negras têm a convicção de que a terra, como entidade viva, deve ser coletiva. E assim o exprimem: “Para nós, a terra é a mãe, e contra ela se perpetra um crime do que provém todos os males e misérias. Nossa mãe, a de todos os seres vivos, está submetida, segundo a lei que se impõe, tem donos, é propriedade privada. Ao submeté-la como propriedade para explorá-la, lhe tiraram a liberdade de engendrar vida e de proteger e ensinar o lugar, as relações e o tempo de todo o que vive... Todos os povos somos escravos, junto com os animais e os seres da vida, enquanto não conseguirmos que nossa mãe recupere sua liberdade”.

Artigo baseado em informação obtida de: “Decisión de INCODER, reversa y violación de los derechos de los afrocolombianos y la Constitución”, Carlos Rosero, enviado por Tatiana Roa Avendaño, Iniciativa Ambiental Colombia, e-mail: bosques@censat.org; “Comunidades negras de Colombia: en defensa de biodiversidad, territorio y cultura”, Arturo Escobar, GRAIN, http://www.grain.org/biodiversidad/?id=87; Comisión Intereclesial De Justicia y Paz,
Bogotá, outubro de 2005, http://www.pasc.ca/dever/dever211.pdf